O capital precisa aprender o tempo da agricultura para financiar o futuro do Brasil

Enquanto fundos, bancos e investidores costumam trabalhar com horizontes de 18–24 meses, os sistemas que sustentam a produção de alimentos seguem ciclos naturais de 5, 7 ou 10 anos

George Fernandes*
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Imagens: Divulgação

George Fernandes é CEO da Morro Verde Fertilizantes

George Fernandes é CEO da Morro Verde Fertilizantes

Nos últimos anos, tornou-se evidente um descompasso crescente entre a lógica do mercado financeiro e o ritmo real dos setores que sustentam a economia brasileira. O modelo mental moldado pelo ecossistema de tecnologia, baseado em retornos rápidos, ciclos curtos e escalabilidade imediata, acabou se impondo como referência geral de investimento. Mas agricultura, bioeconomia, mineração responsável e cadeias de baixo carbono não respondem ao trimestre, ao sprint do venture capital ou às métricas de curto prazo. São setores guiados pelo tempo do solo, do clima, da recomposição orgânica e da maturidade técnica dos projetos, e ignorar essa realidade cobra um preço elevado para o desenvolvimento nacional.

A agricultura, responsável por parcela significativa do PIB e das exportações brasileiras, é o exemplo mais evidente dessa desconexão. Uma safra não muda porque a planilha pediu, o solo não responde a gráficos de Excel, o clima não lê relatórios de earnings call. Enquanto fundos, bancos e investidores costumam trabalhar com horizontes de 18–24 meses, os sistemas que sustentam a produção de alimentos seguem ciclos naturais de 5, 7 ou 10 anos, e é justamente nesse ponto que surgem oportunidades para quem consegue enxergar valor no longo prazo. Ainda assim, grande parte dos instrumentos financeiros disponíveis continua estruturada para atividades que “correm os 100 metros rasos”, quando o agronegócio, e a transição para uma economia de baixo carbono é uma maratona.

A COP30, realizada em novembro em Belém, apenas escancarou o paradoxo, o discurso global valoriza agricultura regenerativa, bioinsumos, crédito de carbono no solo e insumos de baixa emissão, mas, quando se observa o fluxo real de capital, a escala ainda está muito aquém das necessidades brasileiras. Não há como liderar a agenda climática financiando soluções estruturantes com recursos marginais. Anunciar um fundo ESG de algumas centenas de milhões para um país que demanda dezenas de bilhões anuais é, na prática, atuar em escala muito menor do que a oportunidade real oferece. Há espaço para capital que queira liderar essa frente de forma estratégica, com retornos proporcionais ao impacto.

Um dos pontos mais críticos dessa equação está nos insumos utilizados na produção. O Brasil segue importando, em média, cerca de 85% dos fertilizantes que utiliza, enquanto tecnologias nacionais baseadas exclusivamente em processos mecânicos, sem etapas térmicas ou químicas oferecem alternativas com pegada de carbono significativamente menor, liberação gradual de nutrientes e estímulo real à atividade biológica do solo. O modelo convencional de NPK, dependente de acidulação e alto consumo energético, pode emitir em torno de 1,8 tonelada de CO₂ por tonelada produzida, tecnologias de base mineral e orgânica, agora escalando no país, operam com emissões substancialmente inferiores, muitas vezes abaixo de 0,2 tonelada, além de fortalecerem a saúde do solo e reduzirem vulnerabilidades geopolíticas.

Entretanto, mesmo diante dessa combinação de vantagem ambiental, segurança estratégica e competitividade, empresas brasileiras de tecnologias limpas muitas vezes encontram barreiras por operarem em ciclos de retorno mais longos. O comentário frequente de que “o projeto é excelente, mas o retorno pleno aparece somente no ano 7” revela um desalinhamento que ainda limita o acesso a oportunidades promissoras. Quando a matriz de análise financeira se recusa a lidar com horizontes de maturação compatíveis com a economia real, o capital tende a capturar valor que hoje permanece subexplorado.

O Brasil possui a maior fronteira agrícola sustentável do mundo, vastas reservas de rochas remineralizadoras, conhecimento científico acumulado por décadas e demanda crescente por alimentos de baixa emissão. Ainda assim, continuamos dependentes de instrumentos financeiros que não respeitam o ciclo produtivo e tratam atividades estruturantes, como remineralização do solo, bioeconomia florestal e produção de insumos regenerativos, como segmentos específicos. Ampliar escala, previsibilidade e marcos regulatórios estáveis pode transformar essas frentes em vetores centrais de competitividade, fortalecendo uma agricultura de baixo carbono que já se desenha como parte essencial da infraestrutura nacional.

O financiamento adequado desse setor exige juros compatíveis com o ciclo agrícola, fundos de private equity com mandatos de 12–15 anos, mecanismos de garantia alinhados à natureza biológica da produção e bancos de desenvolvimento que compreendam a agricultura regenerativa como plataforma central do país, não como apêndice experimental. A questão não é apenas tecnológica. É estratégica. Financiar a transição verde da agricultura brasileira significa garantir competitividade global, reduzir emissões, fortalecer cadeias internas e proteger o país de volatilidades externas, sejam elas climáticas, geopolíticas ou de mercado.

Enquanto isso, seguimos vendo capital brasileiro direcionado a startups estrangeiras, ao mesmo tempo em que produtores nacionais pagam taxas de 20% ao ano em operações de custeio que vencem antes da colheita. Há uma oportunidade evidente de fortalecer soluções locais, mas continuamos, na prática, financiando o futuro agrícola de outros países enquanto tratamos o nosso como risco excessivo.

A agricultura opera em um tempo que não negociará com o curto prazo. Regenerar solos, recuperar áreas degradadas, reconstruir matéria orgânica, fortalecer biologia, capturar carbono e reduzir emissões são processos cumulativos, lentos e profundamente valiosos. O ganho aparece no longo prazo, na resiliência produtiva, na segurança alimentar e na competitividade estratégica.

O Brasil tem diante de si a oportunidade histórica de liderar a transição agrícola global. Mas isso só será possível quando o capital aprender o tempo da agricultura. O futuro do país não será construído com apresentações em PowerPoint ou valuations de unicórnios, será construído no solo e no investimento consistente, técnico, paciente e estratégico que esse solo exige.

*George Fernandes é CEO da Morro Verde Fertilizantes

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