A convivência entre diferentes gerações no ambiente corporativo nunca foi simples. Mas com a chegada da geração Z ao mercado de trabalho, o choque de culturas atingiu um novo patamar. Nascidos entre 1996 e 2012, os jovens profissionais trazem demandas que desafiam as estruturas organizacionais tradicionais e, não raro, são rotulados como “descompromissados”, “difíceis de lidar” ou “mimados”. A nova pesquisa do InfoJobs, no entanto, revela que essa geração está menos preocupada em seguir o modelo corporativo vigente — e mais interessada em reconfigurá-lo.
De acordo com o levantamento, 60,3% dos jovens de 16 a 29 anos ainda não estão trabalhando. Entre os que estão empregados, 65,1% não pretendem permanecer na mesma área nos próximos dez anos. A busca por propósito, equilíbrio e bem-estar guia as decisões profissionais da geração, que prioriza saúde mental, cultura organizacional alinhada a seus valores e possibilidade de crescimento — não necessariamente linear ou dentro de um só lugar.
A rotatividade é alta, mas não aleatória. Os principais motivos para deixar um emprego são um ambiente tóxico (71,6%), falta de reconhecimento (45,2%) e desequilíbrio entre vida pessoal e profissional (36,5%). Para atrair e reter esses jovens, as empresas precisam oferecer mais do que salário: 56,2% priorizam flexibilidade, 50,7% valorizam remuneração compatível e benefícios, 41,6% exigem ações concretas voltadas ao bem-estar e 37,1% esperam desenvolvimento rápido.
A Geração Z não hesita em recusar propostas incompatíveis com seus valores. Eles pesquisam a reputação das empresas, observam a coerência entre discurso e prática e não têm receio de abandonar posições que não atendem às suas expectativas. Na contramão de gerações anteriores, que valorizavam estabilidade e longos vínculos com as companhias, os jovens preferem mobilidade, aprendizado contínuo e liberdade de escolha.
Esse comportamento, porém, ainda causa estranhamento nas empresas. O relatório “Tendências de Gestão de Pessoas”, do Ecossistema Great People & GPTW, revela que 68,1% dos profissionais entrevistados têm dificuldades para se adaptar ao modo de trabalho da geração Z. A percepção de falta de comprometimento e impaciência persiste, especialmente entre líderes de gerações anteriores. Mas será esse um problema da geração ou da estrutura que insiste em não mudar?
Para especialistas, o conflito é previsível — e solucionável. Tiago Santos, VP da Sesame, aponta que há um desalinhamento entre o que é oferecido pelas empresas e o que é buscado pelos jovens. A tecnologia, segundo ele, pode ajudar a reduzir esse gap por meio de plataformas inteligentes que aproximam perfis e valores. Daniel Consani, CEO do Top RH, acredita que falta escuta ativa e uma comunicação mais empática. “O RH precisa ser um tradutor entre gerações. O que soa atrativo para um Baby Boomer pode parecer arcaico para um Z.”
A pesquisa também revelou contradições no próprio modelo educacional. Para 77% dos respondentes da geração Z, os primeiros seis meses de trabalho ensinaram mais do que quatro anos de faculdade. E 85% afirmam que a universidade não os preparou para os desafios reais do mercado. Em um mundo cada vez mais impactado pela inteligência artificial, os jovens também se deparam com um novo tipo de concorrência: algoritmos. Um estudo da Hult International Business School mostra que 37% dos líderes preferem investir em IA do que contratar recém-formados.
Apesar disso, a geração Z ainda é vista como essencial para o futuro do trabalho. Eles dominam o digital, têm familiaridade com ambientes remotos e híbridos e demonstram forte consciência social e ambiental. Até o fim de 2025, devem representar 27% da força de trabalho global, segundo o Fórum Econômico Mundial. E 86% deles afirmam que ter um senso de propósito é essencial para sua satisfação profissional.
O modelo de trabalho atual, construído por gerações que associavam sucesso a estabilidade, precisa se adaptar. Os Millennials, filhos de Baby Boomers, cresceram sob o ideal do esforço contínuo. Tornaram-se workaholics e adoeceram. A Geração Z aprendeu com esse exemplo e busca um caminho diferente. Não se trata de desinteresse, mas de uma nova forma de se relacionar com o trabalho — menos hierárquica, mais fluida e mais humana.
A ascensão de conceitos como quiet quitting — a prática de fazer apenas o que é esperado, sem exceder-se — ilustra bem essa nova mentalidade. Ao contrário do que muitos pensam, a Geração Z não quer trabalhar menos, mas trabalhar melhor, com significado, limites claros e qualidade de vida. E se, por um lado, a inteligência artificial já automatiza processos que antes exigiam horas humanas, por outro, ela reforça a importância de competências exclusivamente humanas, como criatividade, pensamento crítico e inteligência emocional — habilidades nas quais essa geração tem potencial para se destacar.
O futuro do trabalho será híbrido, colaborativo e orientado a valores. Empresas que resistirem a essa mudança podem se tornar obsoletas. Aquelas que conseguirem se reinventar, por sua vez, poderão contar com uma geração de profissionais ágeis, engajados, inovadores — e prontos para transformar o mundo do trabalho.