PIB em alta, carrinho vazio: o paradoxo econômico que sufoca o Brasil

Enquanto a economia brasileira cresce nos índices oficiais, o bolso do cidadão afunda em dívidas, inadimplência e perda de poder de compra, segundo estudo da COBCOM. Trata-se de uma aparente contradição entre os números

Paulo Pandjiarjian
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Imagens: Divulgação

Lucas Fernandes diz que o Brasil vive um paradoxo cruel e didático, no qual os avanços não se traduzem em bem-estar

Lucas Fernandes diz que o Brasil vive um paradoxo cruel e didático, no qual os avanços não se traduzem em bem-estar

Na contramão dos dados otimistas sobre o crescimento da economia brasileira, uma crise silenciosa se alastra entre a população. O Produto Interno Bruto (PIB) do país avançou 1,3% no primeiro trimestre de 2025 e acumula alta de 3,7% nos últimos 12 meses. No entanto, quase metade da população adulta está inadimplente, segundo levantamento da COBCOM Soluções com base em dados do Banco Central e da Serasa. Com uma dívida média de R$ 1.500 por pessoa, o montante total já ultrapassa R$ 438 bilhões — um crescimento de 13% em apenas um ano.

“Temos uma economia que cresce no papel e um povo que encolhe no carrinho de supermercado”, afirma Lucas Fernandes, CEO da COBCOM, consultoria especializada em soluções de recuperação de crédito. Para ele, o país vive um paradoxo cruel e didático, no qual os avanços macroeconômicos não se traduzem em bem-estar para a maioria da população.

O estudo revela que 75,7 milhões de brasileiros estão inadimplentes — o equivalente a 47% dos adultos. A maior parte dessas pessoas está presa em dívidas impagáveis, sem acesso a crédito justo e enfrentando taxas de juros que beiram o absurdo. Com a Selic mantida em 15%, a mais alta em duas décadas, o custo dos financiamentos encarece, penalizando famílias e pequenas empresas.

  • Crédito fácil, dívida eterna

A busca desesperada por alternativas para fechar o mês acaba levando muitos brasileiros às armadilhas do crédito predatório. Cartões de crédito rotativos chegam a cobrar até 300% ao ano, enquanto o cheque especial ultrapassa 150%. A promessa de dinheiro rápido oferecida por bancos e fintechs esconde um custo elevado, que compromete boa parte da renda mensal.

Hoje, 27,2% da renda das famílias está comprometida com o pagamento de dívidas, segundo o levantamento da COBCOM. Esse peso se torna ainda mais insustentável diante da inflação persistente. O IPCA acumulado em 12 meses chegou a 5,53%, puxado pelos aumentos nos preços de alimentos, habitação e saúde. “Crescimento de PIB é manchete. Fome, inadimplência e angústia são manchetes não escritas nos rostos das pessoas”, ressalta Fernandes.

  • Aposta que custa caro

Outro fator preocupante é o aumento dos gastos com plataformas de apostas e cassinos online, especialmente entre os mais jovens e vulneráveis. Segundo o CEO da COBCOM, o comportamento de risco estimulado por campanhas publicitárias agressivas agrava o endividamento e afeta a saúde emocional de milhões de brasileiros. Em muitos casos, recursos essenciais estão sendo desviados para jogos que prometem retorno fácil, mas trazem consequências graves.

  • Números frios, realidades quentes

A análise da COBCOM expõe a desconexão entre os números da economia e a realidade das pessoas. Para Fernandes, a atual política monetária do Banco Central — focada no controle da inflação e na atração de investimentos — acaba penalizando o consumo interno e esfriando a atividade produtiva real. Com projeção de juros altos até pelo menos dezembro de 2025, o cenário é de crédito caro e inacessível para quem mais precisa.

O risco de uma recessão técnica no segundo semestre, impulsionada pelo consumo em queda e pela inflação acima da meta de 3%, é real. Com isso, cresce a pressão por políticas públicas que aliviem o bolso da população, como a ampliação do Bolsa Família e a realização de reformas estruturais, principalmente no sistema tributário e nas regras de acesso ao crédito.

“Se não houver uma reformulação profunda no modo como o Brasil lida com o crédito e a inadimplência, viveremos uma ilusão de crescimento — um castelo construído sobre dívidas”, alerta Fernandes. “Precisamos transformar dados frios em decisões quentes que mudem a vida real das pessoas.”

Enquanto isso não acontece, o Brasil segue avançando nos gráficos — e recuando nas gôndolas. Um paradoxo perigoso, que pede atenção, ação e urgência.

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