O bilionário mercado das bebidas de cannabis está roubando a cena do vinho

O mercado global de bebidas com cannabis movimentou US$ 2,4 bilhões em 2023, mas as projeções indicam um salto vertiginoso: mais de US$ 117 bilhões até 2032

Marcelo Copello
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Imagens: ilustrativas geradas por Inteligência Artificial/Leonardo.IA

Durante séculos, o vinho foi símbolo de refinamento, cultura e convivência. A cannabis está se apropriando desse discurso

Durante séculos, o vinho foi símbolo de refinamento, cultura e convivência. A cannabis está se apropriando desse discurso

Imagine um jantar elegante em São Francisco, um casamento de luxo em Barcelona ou um evento de networking em Nova York. As taças tilintam. Mas, em vez de Champagne ou um Bordeaux, o que circula são latas e garrafas com líquidos translúcidos, levemente gaseificados — bebidas que prometem um leve “barato”, zero ressaca e uma dose de mindfulness. Bem-vindos ao mundo das bebidas de cannabis, o segmento mais quente da nova economia psicoativa.

Enquanto o consumo global de vinho encolhe, pressionado por tendências de saúde, sobriedade e novas gerações que rejeitam o álcool tradicional, um novo protagonista está ocupando espaço — e rapidamente. O mercado das bebidas com infusão de cannabis, ou cannadrinks, não está apenas crescendo: está seduzindo o mesmo público que, até ontem, era fiel ao vinho. Jovens, mulheres, profissionais urbanos e consumidores conscientes da saúde estão trocando os taninos pelos canabinoides. Mas o que está por trás dessa troca de copos — e de bilhões?

O mercado global de bebidas com cannabis movimentou US$ 2,4 bilhões em 2023, mas as projeções indicam um salto vertiginoso: mais de US$ 117 bilhões até 2032, segundo relatório da Global Market Insights. Na América do Norte, a categoria cresce mesmo em tempos de retração da indústria canábica como um todo.

Na Califórnia, sempre na vanguarda, as vendas de bebidas de cannabis subiram 6% em 2024, mesmo com a queda de 10% nas vendas gerais de produtos canábicos e de 15% na categoria de flores. Ou seja: as pessoas não querem mais fumar ou vaporizar cannabis. Querem beber.

Esse novo formato atrai um público mais amplo: pais, mulheres, aposentados, jovens adultos e profissionais que evitam o álcool, mas buscam relaxamento e sociabilidade sem os efeitos colaterais de uma garrafa de vinho.

Mais provocador ainda é ver que a cannabis não só está substituindo o vinho — está se fundindo a ele. Em países com legislação mais flexível, surgem produtos que combinam o melhor (ou o mais vendável) dos dois mundos: o símbolo cultural do vinho com o apelo jovem e disruptivo da cannabis.

Já existem vários exemplos reais. O Burdi W (França) é produzido em Bordeaux com Petit Verdot e infusão de 250 mg de canabidiol. Classificado legalmente como “bebida aromatizada à base de vinho”, seu marketing foca no prazer sensorial e no relaxamento sem ressaca. O Cannawine (Espanha), vendido como “vinho canábico sem THC”, é um blend de Garnacha e Cariñena com extrato de cânhamo. É descrito como tendo perfil aromático floral e terroso, com efeito sedativo e visual descontraído.

Os vizinhos da Argentina, onde a cannabis é ilegal, têm o Terpénica — espumante aromatizado com terpenos (compostos aromáticos da cannabis) e zero canabinoides. É um produto legal, pois simula aroma e sabor da cannabis sem conter seus princípios ativos.

A existência desses produtos sinaliza algo maior: o vinho está deixando de ser uma bebida exclusiva e sagrada, tornando-se uma base líquida sobre a qual outras experiências sensoriais podem ser construídas.

Durante séculos, o vinho foi símbolo de refinamento, moderação, cultura e convivência. Agora, a cannabis está se apropriando desse discurso — com mais competência em marketing, dados e timing cultural.

O argumento da “ressaca zero” é só o começo. As marcas de cannadrinks vendem um estilo de vida que combina prazer com autocontrole, relaxamento com produtividade, hedonismo com propósito. “Você pode brindar, socializar, curtir… e ainda acordar cedo para ir à academia ou à terapia no dia seguinte”, dizem.

No jogo atual de imagem e percepção pública, é a cannabis que aparece como moderna, saudável, conectada à geração Z e ao autocuidado. E o vinho? Para muitos jovens, virou “coisa de boomer”.


E o Brasil?

No Brasil, a legislação ainda proíbe qualquer bebida que combine álcool e cannabis — inclusive o canabidiol (CBD), mesmo sem efeitos psicoativos. Mas isso pode estar prestes a mudar.

Em novembro de 2024, o STJ autorizou o plantio e a comercialização do cânhamo industrial (com baixo teor de THC) para fins medicinais e farmacêuticos. Espera-se que a Anvisa regulamente o tema ainda em maio de 2025. Embora o foco inicial seja farmacêutico, esse precedente pode abrir portas para usos industriais e alimentícios no futuro — como já ocorre em países da Europa e da América do Norte.

Paralelamente, movimentos como a Marcha da Maconha ampliam o debate social e legislativo sobre o uso do cânhamo em cosméticos, têxteis, alimentos e… bebidas.

Se o Brasil regulamentar produtos à base de cânhamo, uma nova fronteira de inovação se abre para o setor vinícola. Importadores poderão trazer cannawines de países como França, Espanha e Argentina — inicialmente com terpenos ou CBD, expandindo quando houver um marco legal mais amplo. Vinícolas nacionais também poderão entrar no jogo, desenvolvendo linhas com terpenos, CBD ou infusões aromáticas, criando produtos exclusivos para públicos jovens, veganos ou do segmento wellness.

A disputa já começou. De um lado, um produto com 8.000 anos de história. Do outro, uma planta antes marginalizada que virou símbolo de uma nova era de consumo. Não se trata apenas de qual bebida está na moda. Estamos falando de uma batalha por relevância cultural, bilionária em valor de mercado e decisiva para o futuro das bebidas premium. O vinho pode resistir, adaptar-se ou colaborar. Tudo — menos ignorar.

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