Como a tokenização pode ajudar a expandir o mercado de capitais no Brasil?

Com o avanço dos bancos digitais e da tokenização de ativos, as transformações deixaram de ser meras tendências passageiras e agora representam mudanças estruturais que ampliam as oportunidades para todos

Patricia Stille*
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Imagens: Divulgação

Patrícia Stille: "A tokenização vem se colocando como uma solução promissora para promover maior eficiência"

Patrícia Stille: "A tokenização vem se colocando como uma solução promissora para promover maior eficiência"

Com a ascensão da Inteligência Artificial, as discussões sobre o impacto das tecnologias em nosso comportamento, consumo — e até na forma como pensamos — inevitavelmente ganham força. Nesse contexto, é interessante observar como certas tecnologias possuem uma inclinação natural: um tipo de desafio que conseguem superar, uma área onde podem promover transformações significativas e reais.  No caso da DLT, (Distributed Ledger Technology) – como o blockchain, essa vocação encontra um campo fértil no mercado financeiro.

Por isso, neste artigo, busco explorar o uso da DLT com foco nas implementações realizadas em mercados regulados relevantes no exterior, apresentando dois casos de uso concretos que estão movimentando o cenário de inovação global. Exemplos que mostram como a tokenização vem se colocando como uma solução promissora para promover maior eficiência, agilidade operacional e redução de custos em grande escala.

Tokenização e uso da tecnologia em mercados organizados

Com o avanço dos bancos digitais, do Open Banking, do Open Finance e, principalmente, da tokenização de ativos, essas transformações deixaram de ser meras tendências passageiras e agora representam mudanças estruturais que ampliam as oportunidades para todos. Esse cenário intensifica a competição entre as instituições e aumenta o acesso de mais pessoas aos serviços financeiros digitais.

A tokenização, em particular, detém um potencial enorme para mudar completamente a forma como investimos. Em minhas incursões para conhecer novos mercados, buscar inspirações e compreender as dinâmicas dessa tecnologia, percebi a importância das diversas possibilidades ligadas ao fracionamento de ativos, à agilidade nas transações, à segurança e à maior acessibilidade, benefícios tangíveis que se concretizam à medida que a tecnologia DLT ganha espaço e maior adesão entre os participantes do mercado. Além da expectativa de maior competitividade entre os mercados organizados, acredito que veremos uma redução de custos em todo o ecossistema financeiro, o que, no longo prazo, beneficiará diretamente os investidores, participantes envolvidos, e também as empresas que buscam captar recursos para impulsionar seu crescimento.

Larry Fink, CEO da BlackRock — a maior gestora de recursos do mundo — destacou o potencial transformador da tokenização em sua carta anual aos acionistas. Segundo ele, “todas as ações, todas as obrigações, todos os fundos — todos os ativos — podem ser tokenizados”, em um processo que, em suas palavras, “revolucionará o mercado de investimentos ao acelerar a liquidação de transações de dias para segundos e desbloquear trilhões de dólares para impulsionar o crescimento econômico.” A carta também ressalta que a escalabilidade proporcionada pela tokenização vai permitir a democratização de diversos produtos financeiros e ampliar a inclusão financeira.

Em outra perspectiva sobre o avanço da tokenização, revelada por um estudo recente da Ripple e pelo Boston Consulting Group (BCG), projeta que o mercado de ativos tokenizados pode atingir cerca de US$ 19 trilhões até 2033.

Em operações conduzidas em mercados organizados e regulados – como bolsas de valores e balcões organizados –, uma variedade desses participantes atuam nos bastidores, incluindo corretoras, custodiantes e escrituradores, o que, com adoção de tokenização no cotidiano, traz ganhos significativos em termos de velocidade e integridade de informações em tempo real, um grande avanço para eliminar redundâncias nos processos de conciliação e validação de dados.

É claro que a grande maioria dessas instituições são centenárias, com origem ligada ao desenvolvimento do capitalismo moderno, e tem seu funcionamento baseado em sistemas legados com diferentes tecnologias. Por isso, implementações usando a DLT passam por desafios consideráveis de adaptações internas e também junto aos participantes de mercado. O cenário mais provável, a meu ver, para uma evolução no tema, envolve uma abordagem híbrida, onde sistemas tradicionais e os baseados em rede distribuída coexistirão, de forma a atender a requisitos regulatórios e práticas de mercado já estabelecidas.

Casos de uso práticos da DLT em mercados regulados no exterior

A DLT demonstra sua versatilidade e eficiência ao ser aplicada em diferentes contextos do mercado. Destaco abaixo dois casos de uso práticos:

Suíça: é um dos mercados mais avançados da Europa, com a SIX Digital Exchange (SDX) – braço de ativos digitais da SIX Group, SIX Swiss Exchange – operando com ativos tokenizados, sendo inclusive, uma das inspirações para criação do modelo da BEE4 no Brasil. Em uma única infraestrutura de mercado, baseada em tecnologia DLT (o blockchain), a SDX integra as etapas de listagem, negociação, liquidação e custódia de valores mobiliários tokenizados. Essa automação reduziu alguns dos custos operacionais da SDX. Outro exemplo é que, com a liquidação e a custódia de ativos mais eficientes, também se reduzem os gastos com back-office. A SDX é também participante do projeto Helvetia com o BIS (Bank of International Settlements), em conjunto com Banco Central Suíço (Swiss National Bank – SNB) e a infraestrutura de mercado SIX.

Estados Unidos: nos EUA, a DTCC (Depository Trust & Clearing Corporation), central depositária, câmara de liquidação e compensação para ativos financeiros negociados nos EUA e em mercados globais, está na vanguarda das implementações da tecnologia DLT. Entre os principais projetos estão: (i) liquidação mais rápida de ativos, o que antes demorava dias de transação, agora, com a DLT, é possível em (D+0) ou em até dois dias (D+2), (ii) gestão de garantias financeiras em tempo real, usando versões digitais desses ativos; e (iii) uso de títulos públicos dos EUA em formato digital para garantir operações no mercado, mostrando que isso pode aumentar a transparência, agilizar o uso das garantias e facilitar a fiscalização pelos reguladores.

Avanços regulatórios em ativos digitais: o que muda nas regras do jogo?

É possível observar as regulamentações avançando em todo o mundo, em um contexto em que a colaboração entre os reguladores, empresas e especialistas é essencial para garantir o desenvolvimento responsável e seguro dessas tecnologias, evitando retrocessos regulatórios que possam colocar em risco a proteção dos investidores de mercado.

Na Europa, por exemplo, a União Europeia busca uniformizar a regulamentação de tokens por meio do regulamento único, o Markets in Crypto-Assets (MiCA). Na Alemanha, entre outras medidas, o Parlamento aprovou em dezembro de 2024 a “Lei de Digitalização dos Mercados Financeiros”, que incorpora ao arcabouço legal do país as disposições contidas no MiCA. Em fevereiro de 2025, a França publicou um decreto para simplificar a adaptação do regime vigente também ao MiCA, concedendo aos prestadores de serviços, o prazo até julho de 2026 para realizar as adequações necessárias.

Nos EUA, declaradamente a agenda do novo governo pretende dar impulso ao tema, nomeando líderes “pró-cripto” para agências reguladoras, como a SEC, visando criar um ambiente regulatório mais favorável à indústria de ativos digitais.

Iniciativas pioneiras que colocam o Brasil no mapa da tokenização

No Brasil, a tokenização tem recebido atenção crescente dos órgãos reguladores, especialmente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Banco Central do Brasil (BCB), que acompanham de perto os potenciais benefícios dessa inovação. Nesse sentido, o BCB lançou o piloto do DREX (real digital) e a CVM lançou em 2021 o Sandbox Regulatório, um ambiente experimental que autoriza o desenvolvimento de projetos que explorem a tokenização no mercado de capitais. Em matéria, a gestora Valor Capital Group, afirmou que o Brasil está “prestes a estar entre os primeiros países do mundo a adotar uma tokenização completa em sua economia.”

A BEE4 figurou entre as iniciativas pioneiras no uso de DLT em mercado regulado, uma vez que tokeniza 100% dos ativos admitidos à negociação no seu ambiente. A iniciativa, que é participante do referido Sandbox Regulatório da CVM, também propôs inovações regulatórias para viabilizar o mercado de acesso brasileiro, tornando possível a listagem de Pequenas e Médias Empresas (PMEs). Também integraram o sandbox da CVM projetos como a Estar Finance e a Vórtx QR Tokenizadora, explorando a tokenização com diferentes focos e aplicações no mercado de capitais. Mas dentro de tudo isso, vale ressaltar que as soluções regulatórias para esse objetivo no Brasil ainda estão em construção e desenvolvimento, com discussões e adaptações em andamento.

Convido vocês, leitores do BRAZIL ECONOMY, a acompanharem de perto essa evolução, tanto através da própria CVM, que disponibiliza comunicados e instruções relevantes em seu site (www.gov.br/cvm/pt-br), quanto por meio do Laboratório de Inovação Financeira (LAB), criado pela Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) e que inclui a autarquia, atuando desde 2017 como um fórum de interação multissetorial e um espaço valioso de diálogo para discussões e projetos-piloto em inovação financeira, contribuindo ativamente para a evolução de um mercado de capitais mais eficiente, inclusivo e alinhado com as tendências globais.

*Patricia Stille, sócia-fundadora e CEO da fintech BEE4

 

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