Mantovani atuou por mais de 30 anos na Fundação SOS Mata Atlântica e fundou a área de Relações Institucionais da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (ANAMMA). Em sua carreira, trabalhou lado a lado com empresários e o poder público em prol de causas ambientais, como a despoluição do rio Tietê e a criação de novas ONGs ambientalistas. Também é engajado no fortalecimento da Frente Parlamentar Ambientalista no Congresso Nacional, além das Frentes Parlamentares Ambientalistas Estaduais e de Vereadores.
O atual governo federal foi eleito se apoiando, entre outras bases, na plataforma ambiental. Como o senhor avalia o desempenho do atual Ministério do Meio Ambiente?
A ministra Marina Silva é a melhor titular que já tivemos nessa pasta em todos os tempos. Ela é respeitada no mundo todo, mas aqui temos um Congresso atrasado, que a desrespeita porque não quer perder seus privilégios. Evoluímos em assuntos básicos desde que o novo governo tomou posse, mas é muito difícil que as promessas sejam totalmente cumpridas, já que o governo anterior foi criminoso no que se refere ao meio ambiente. O Brasil voltou a se destacar como um ator importante ao fomentar espaços que discutem o meio ambiente — algo que, nos últimos anos, não foi feito. Isso, muitas vezes, é mais importante do que alocar verbas para a área.
Então o Brasil recuperou protagonismo na área ambiental aos olhos do mundo?
De certa maneira, sim, ao garantir maior proteção aos nossos biomas. Porém, cuidar do meio ambiente é muito mais do que evitar queimadas e impedir a devastação de florestas. Enquanto o mundo todo busca opções de energia renovável, o Congresso brasileiro quer permitir que a Petrobras explore petróleo na foz do rio Amazonas. O Brasil está ficando para trás até em relação a atores que, até pouco tempo, eram conhecidos por desrespeitar políticas ambientais. A China, por exemplo, era um país que ignorava qualquer norma ambiental, mas hoje dá passos importantes — como o investimento em carros elétricos ou a exigência de que a carne exportada para o mercado chinês seja produzida a partir de uma pecuária sustentável, ou seja, que não devaste florestas para criar gado. Acredito que o agronegócio brasileiro precisa entender o meio ambiente como um aliado para agregar valor aos seus produtos.
Como o senhor enxerga a relação entre meio ambiente e geração de valor aos produtos nacionais?
O primeiro ponto que nós, brasileiros, precisamos ter em mente é que não existe outro país no mundo com um ativo ambiental como o nosso. A biodiversidade e os biomas do Brasil não têm paralelo em nenhum outro lugar. O problema é que a nossa classe política — e grande parte do empresariado — não enxerga isso como algo positivo, e sim como um entrave ao desenvolvimento nacional. Já vemos que outros países têm aprendido essa lição na nossa frente.
Pode dar exemplos?
Veja, por exemplo, o café brasileiro. Antigamente, ele era uma marca do país, mas as empresas da área não souberam manter essa identidade. A Colômbia, em contrapartida, soube aproveitar a qualidade do seu café, que hoje é respeitado no mundo todo — com as pessoas associando o produto ao país. Outro caso é a produção de cacau brasileiro, que historicamente era plantado na Bahia e, mais recentemente, passou a ser cultivado na região amazônica. Seria uma marca interessantíssima aos olhos do mundo ter um cacau produzido na Amazônia, já que o planeta inteiro conhece essa região. Se olharmos para o Equador, que produz bem menos cacau que o Brasil, vemos que eles estão imprimindo uma identidade ao seu produto, de modo que o mundo associe o cacau equatoriano à alta qualidade. Esses dois exemplos deveriam ser seguidos pelos empresários brasileiros nas muitas commodities que produzimos aqui.
Nos últimos anos, vem se falando muito sobre o conceito de ESG nas empresas. Como o senhor enxerga isso atualmente?
Pode até parecer que quero chover no molhado, mas a empresa que não apostar em ESG vai ficar para trás. É uma tendência irreversível, como foram as ISOs e as discussões de sustentabilidade corporativa. Nesse sentido, o Brasil evoluiu bastante. Um caso que gosto muito é o da Vale que, no Pará, mantém 1 milhão de hectares de áreas protegidas ao redor dos locais de mineração. Isso agrega valor à imagem da empresa aos olhos do mundo. Pode até ser que, no futuro, apareça uma outra tendência que as empresas venham a adotar, mas, no momento, a que gera mais oportunidades de negócios é a adoção de práticas de ESG.
O senhor enxerga boas perspectivas de negócios para o Brasil na COP que será realizada em Belém este ano?
Será uma oportunidade para o Brasil mostrar ao mundo que tem uma Amazônia protegida, com atenção à questão fundiária e cuidado com as populações locais. O mundo inteiro entende a importância da Amazônia, mas muitas vezes parece que o Brasil não. Ao mesmo tempo, as discussões das últimas COPs continuarão evoluindo — como, por exemplo, a importância do mercado de carbono, que já virou uma tendência global e que as companhias que atuam aqui devem adotar cada vez mais.
Como o agronegócio brasileiro pode colaborar com esse processo?
O primeiro passo é entender que meio ambiente não é sinônimo de atraso no desenvolvimento nacional, como muitos empresários da área ainda pensam. O agronegócio brasileiro precisa evoluir para que nossa economia finalmente deslanche. Somos exportadores de commodities desde que os portugueses chegaram aqui em 1500. Atualmente, não faz sentido exportar soja bruta de Rondônia pelo porto de Santos. Já passou da hora de agregarmos valor aos nossos produtos agrícolas. Mas, para isso, é preciso que os empresários do agronegócio abracem essa causa e entendam que somos muito mais que um simples exportador de matéria-prima. Veja, por exemplo, outros setores em que estamos muito à frente de outros países e mercados: só para citar dois casos, temos uma tecnologia bancária invejável e produzimos aviões na Embraer. Precisamos trazer esses avanços tecnológicos também para o agronegócio.