Selic alta empurra empresas para pedidos de recuperação judicial, diz Siegen Consultoria

Análise ocorre no momento em que a taxa básica de juros sobe para 15%, maior patamar desde 2006. Tema dominou o Café&Debate, evento promovido pela consultoria com especialistas em economia, empresários e convidados

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Imagens: Divulgação

Fábio Astrauskas, economista, fundador e CEO da Siegen Consultoria

Fábio Astrauskas, economista, fundador e CEO da Siegen Consultoria

De 2021 para cá, os pedidos de recuperação judicial subiram 174%, segundo dados da Serasa Experian. No mesmo período, a taxa básica de juros (Selic) passou de um patamar de 2% ao ano para os atuais 14,75%. “Nós podemos fazer malabarismo, pirueta, ficar de ponta-cabeça, mudar a lei, fazer o que quisermos. Enquanto os juros estiverem altos, o número de pedidos de recuperação judicial será igualmente alto. É uma correlação muito forte”, afirmou Fábio Astrauskas, economista, fundador e CEO da Siegen Consultoria, empresa especializada em reestruturação de negócios.

A análise foi feita durante a 46ª edição do Café&Debate, evento organizado pela companhia na quarta-feira (18), quando o Copom elevou os juros em 0,25 ponto percentual, para 15% ao ano — a maior taxa desde 2006.

A avaliação de Astrauskas foi embasada pelo Boletim Siegen, que reúne dezenas de indicadores divulgados por diversas instituições. A consultoria realiza o cruzamento de dados para avaliar as nuances do cenário econômico e suas consequências.

No ano passado, quando os juros variaram entre 10,5% e 11,75%, foram registrados 2.273 pedidos de recuperação judicial — um recorde nos últimos 10 anos.

Da mesma forma que os pedidos aumentam com os juros em alta, eles diminuem quando a taxa Selic cai. Em 2021, quando os juros estavam em 2%, foram registradas 891 solicitações de reestruturação por parte de empresas em dificuldades financeiras — o terceiro menor número da década entre 2014 e 2024, segundo a Serasa.

“Os números mostram também que a queda na quantidade de recuperações judiciais só ocorre com juros abaixo de dois dígitos”, destacou Astrauskas.

Os juros dominaram o debate promovido pela Siegen, que contou com a presença de especialistas em economia, empresários e convidados. Foram mais de 40 menções à palavra “juros” em 90 minutos de evento.

O último boletim da Serasa Experian sobre recuperações judiciais, referente a março deste ano, apontou 187 pedidos (53% a mais que em fevereiro) e 60 solicitações de falência (estável em relação ao mês anterior).

Dois dos pedidos mais recentes são das empresas Azul Linhas Aéreas — com trâmite nos EUA, para reestruturar uma dívida superior a US$ 2 bilhões — e da Casa do Pão de Queijo, que reportou R$ 57 milhões em débitos.

Segundo o Boletim Siegen, a crise da companhia aérea decorre, principalmente, da alta do dólar, do combustível caro, dos juros elevados e ainda dos impactos da pandemia, que reduziram a demanda e aumentaram os custos.

Já em relação à empresa do ramo alimentício, as dificuldades refletem a queda no fluxo de consumidores, o aumento dos custos operacionais, os juros excessivos, os aluguéis elevados e uma concorrência mais acirrada.

Para Astrauskas, juros altos por muito tempo geram efeito cumulativo. “Se a empresa pegar um empréstimo, vai pagar juros todo mês até quitar a dívida. E, se contrair uma nova, vai arcar com juros ainda mais altos na renegociação, que aumentam a despesa financeira e dificultam a manutenção da atividade operacional, além de inviabilizar investimentos”, explicou.

Outras análises

O evento da Siegen também analisou outros aspectos da economia brasileira, entre eles, a inflação. “A inflação dificilmente ficará abaixo do patamar de 5,5% neste ano”, disse Astrauskas.

A inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumula alta de 5,32% em 12 meses — acima da meta perseguida pelo Banco Central, de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo (ou seja, entre 1,5% e 4,5%).

“A gente nunca teve um Banco Central realmente comprometido em atingir o centro da meta. Historicamente, o compromisso tem sido com o limite superior. Não é uma crítica ao atual, nem ao anterior, ou ao anterior do anterior”, avaliou o CEO da Siegen.

O economista ressaltou ainda que o Brasil sofre atualmente do “fenômeno conhecido como dominância fiscal”. “É um desajuste entre as três grandes políticas econômicas que o país pode adotar: a fiscal, de gastos públicos; a monetária, sob responsabilidade do Banco Central; e a cambial.”

Para ele, o déficit na política fiscal é “tão grande e tão mais relevante que os demais”, que gera a dominância fiscal. Nesse contexto, as receitas do governo estão subindo (10,7%), mas as despesas também (8,7%).

“Dessa maneira, não adianta aumentar os impostos da sociedade sem reduzir os gastos, sem responsabilidade fiscal”, opinou o economista, ressaltando que os gastos continuam crescendo na tentativa de recuperar a baixa popularidade. “Caímos na armadilha de continuar gastando com estímulos para manter um mínimo de aprovação, um mínimo de apoio popular.”

Nesse cenário, mesmo que o resultado primário seja zerado ou levemente positivo, a dívida pública — atualmente em R$ 7,4 trilhões (61,7% do PIB) — tende a aumentar por conta dos juros altos. “Vai crescer até, pelo menos, 2027, pois as projeções já estão dadas.”

Polarização prejudicial

Ao defender o equilíbrio das contas públicas, mesmo reconhecendo que não se trata de uma tarefa simples, o CEO da Siegen destacou a necessidade de se evitar um debate polarizado entre forças políticas de direita e esquerda, e de se buscar uma abordagem mais técnica.

“Esse debate ideológico tem travado o país ao longo dos últimos anos — e provavelmente continuará travando, já que não há hegemonia de nenhum dos lados sobre o que deve ser feito.”

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