Não são poucos os debates que têm se debruçado sobre a viabilidade econômica de Angra 3. Em muitos deles, é comum ver referências ao conceito da “falácia dos custos afundados”, um argumento clássico da teoria econômica segundo o qual decisões futuras não deveriam ser influenciadas por investimentos passados irrecuperáveis. Em outras palavras: se já foi gasto, e não há como recuperar, melhor deixar para lá. Essa lógica, embora válida em muitos contextos, não se aplica de forma automática a projetos de infraestrutura complexos como usinas nucleares. Reduzir uma decisão de Estado a esse tipo de simplificação ignora camadas profundas de análise técnica, econômica e estratégica.
Primeiro, é necessário esclarecer o que realmente se entende por “custos afundados” e o que se chama de “custos de abandono”. Os primeiros são os valores já investidos e irrecuperáveis. Os segundos, no entanto, dizem respeito aos custos que ainda terão de ser pagos caso o projeto seja interrompido. Ou seja: não são a mesma coisa, como muitos insistem em confundir.
No caso de Angra 3, os custos de abandono são significativos e quantificáveis. Segundo estimativas da ENBPar e da Eletrobras, abandonar o projeto hoje acarretaria uma perda direta de cerca de R$ 7,4 bilhões, capital que poderia gerar retorno à União por meio de dividendos no futuro. Além disso, o cancelamento traria obrigações imediatas, como a desmobilização de estruturas, o vencimento antecipado de dívidas, a devolução de incentivos fiscais e multas contratuais. Ignorar esse montante sob o pretexto de que se trata de “custo afundado” é, no mínimo, uma leitura imprecisa da realidade econômica.
E há mais: abandonar Angra 3 não é apenas deixar de concluir um projeto. É desorganizar toda uma cadeia produtiva nacional construída ao longo de décadas, incluindo empresas estratégicas como a INB (Indústrias Nucleares do Brasil) e a Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados), cuja sustentabilidade econômica depende, em parte, da continuidade da usina. Os impactos indiretos se estendem à geração de empregos, à retenção de competências técnicas altamente especializadas e à capacidade do Brasil de manter e expandir sua autonomia energética.
Outro ponto que precisa ser trazido à luz é a ideia, muitas vezes insinuada, de que os estudos que embasam a continuidade de Angra 3 estariam sob algum tipo de sigilo. Isso não é verdade. Os estudos de viabilidade conduzidos pelo BNDES, com apoio técnico da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), foram disponibilizados às autoridades competentes e discutidos tecnicamente em diferentes fóruns. O processo foi conduzido com rigor, utilizando parâmetros atualizados de custo, cronograma e risco. As decisões não se baseiam em desejos políticos ou em apego a investimentos anteriores, mas sim em análise técnica e planejamento de longo prazo.
Comparações internacionais mal posicionadas também têm distorcido o debate. Há quem cite o caso de Olkiluoto 3, na Finlândia, como exemplo de projeto nuclear que deveria ter sido abandonado. O que se omite, no entanto, é que os próprios sócios do projeto, compostos por grandes indústrias off-takers, optaram por seguir adiante, cientes de que a energia nuclear traria estabilidade e segurança de preços à sua produção industrial. Após a entrada em operação da usina, os preços de energia no país, inclusive, caíram. A decisão foi estratégica, e revelou-se acertada.
No Brasil, a conclusão de Angra 3 acrescentará 1.405 MW de potência ao sistema elétrico nacional, o equivalente a 10 milhões de MWh por ano, energia suficiente para abastecer cidades do porte de Belo Horizonte e Brasília combinadas. Essa energia é limpa, não intermitente, de base, e ajuda a garantir a segurança energética do país, especialmente em um contexto de mudanças climáticas que já afetam, com frequência, a regularidade da produção hidrelétrica.
Além disso, Angra 3 contribuirá significativamente para o cumprimento das metas de redução de emissões de gases de efeito estufa assumidas pelo Brasil em fóruns internacionais, como a COP 28. Trata-se de uma usina que emitirá zero carbono na fase operacional, reforçando a matriz elétrica brasileira como uma das mais limpas do mundo.
Do ponto de vista macroeconômico, estudos conduzidos pela FGV Energia demonstram que a conclusão de Angra 3 trará impacto positivo no PIB, na geração de empregos qualificados e no dinamismo da cadeia produtiva da energia. O investimento não apenas se paga ao longo dos anos, como gera efeitos multiplicadores relevantes para a economia nacional, algo que dificilmente se obtém com o abandono.
Portanto, é importante reconhecer que a decisão sobre Angra 3 não se limita a uma contabilidade simplificada de perdas e ganhos. Trata-se de uma escolha estratégica sobre o tipo de matriz energética que o Brasil deseja para o futuro. Continuar investindo em fontes confiáveis, limpas e que geram efeitos positivos em toda a cadeia industrial é uma decisão que transcende o curto prazo e se ancora em objetivos de soberania, segurança energética e sustentabilidade ambiental.
Reduzir esse debate a uma suposta “falácia dos custos afundados” é ignorar que há, sim, uma diferença concreta entre olhar para o passado e planejar com responsabilidade o futuro. E é justamente essa responsabilidade, com as finanças públicas, com o meio ambiente e com o desenvolvimento nacional, que deve orientar a decisão de levar Angra 3 à sua conclusão.
Outro aspecto frequentemente negligenciado no debate público é a previsibilidade tarifária que a energia nuclear proporciona. Enquanto fontes como a solar e a eólica, apesar de essenciais na transição energética, apresentam variações sazonais e dependem de condições climáticas, a energia nuclear oferece estabilidade. O custo marginal de operação das usinas nucleares é baixo, e o preço da energia gerada se mantém estável ao longo das décadas. Em um país sujeito a volatilidades hidrológicas e oscilações do preço de combustíveis fósseis, essa previsibilidade é um ativo estratégico, tanto para o consumidor quanto para o planejamento do setor.
Ao concluir Angra 3, o Brasil demonstra capacidade técnica, consistência política e visão de longo prazo, requisitos fundamentais para atrair investimentos e consolidar uma política energética soberana e de baixo carbono.
*Celso Cunha é presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento De Atividades Nucleares (ABDAN)