Evandro Gussi, da Unica: “Governo Trump não vai barrar a descarbonização”

Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, Evandro Gussi, CEO da Unica, acredita que a descarbonização é irreversível, mesmo com Trump. Ele analisou os desafios e as oportunidades para o biocombustível brasileiro

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Imagens: Divulgação

governo trump

Presidente da Unica, Evandro Gussi, prevê aumento da produção e exportação de etanol nos próximos anos

Drill, baby, drill! Um dos mais polêmicos bordões do segundo governo Trump (perfure, baby, perfure!), sinalizando seus planos de incentivo à exploração de petróleo nos Estados Unidos, espalhou pânico em setores ligados aos biocombustíveis e energia limpa em todo o planeta. Mas há quem não esteja tão preocupado assim. É o caso do executivo Evandro Gussi, CEO da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Para ele, seja qual for o presidente no comando da maior economia do planeta, o processo de descarbonização é um caminho sem volta. Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, ele fez um diagnóstico do mercado sucroalcooleiro no país e falou das oportunidades para o combustível verde brasileiro no mundo. Confira.

BRAZIL ECONOMY – Como está a indústria canavieira no Brasil hoje, considerando o desempenho do mercado de açúcar e etanol?
EVANDRO GUSSI – Hoje, mais do que um setor sustentável, a indústria canavieira se transformou em um negócio sustentável. A sustentabilidade é, provavelmente, o pilar principal, com a crescente demanda por descarbonização. O etanol tem uma capacidade altíssima de oferecer energia renovável de baixa intensidade de carbono de forma escalada e replicável, com potencial de ser adotado em diversas partes do mundo. O modelo brasileiro de indústria, construído ao longo de décadas, é uma grande referência internacional. Recentemente, estive na Índia, onde 19 veículos flex foram lançados na principal feira automotiva, com base na experiência brasileira. Movimentos semelhantes estão ocorrendo no Japão, Filipinas, Tailândia e na África do Sul, que está muito interessada. Ou seja, o modelo brasileiro é um ativo que atrai a atenção global.

Os investimentos estão acompanhando esse movimento global? O Brasil está seguindo essa tendência de adoção do etanol?
Sim, estamos avançando muito em termos de ganho de escala e eficiência. No setor da cana, temos trabalhado com novas variedades, renovação dos canaviais e aumento da eficiência produtiva, tanto no campo quanto na indústria. Há também um crescimento significativo nos investimentos em biogás e biometano, que são obtidos a partir dos resíduos do setor, como a palha e a torta de filtro [resíduo da indústria sucroalcooleira, composto por matéria orgânica e minerais, que é utilizado como adubo orgânico]. Esses investimentos têm sido fundamentais para a expansão do setor energético. Esses materiais são biodigeríveis e têm papel importante no crescimento planejado da oferta de biometano.

Qual a projeção de investimentos do setor para os próximos anos no Brasil?
A Unica não projeta investimentos específicos das suas associadas, pois isso não está no escopo da associação. Mas posso afirmar que há grandes investimentos a caminho. Temos avançado principalmente em ganhos de escala e eficiência, renovação dos canaviais e aumento da eficiência produtiva, tanto no campo quanto na indústria. Esses têm sido focos de investimento. Além disso, novas unidades de etanol de cana e milho estão sendo construídas.

Como o clima extremo no Brasil, com fortes chuvas, alagamentos no Sul e seca e queimadas no Centro-Norte, tem impactado a produção e os canaviais?
O Centro-Sul, especialmente o estado de São Paulo, sofreu bastante no ano passado com incêndios. Enfrentamos uma combinação que chamamos de ‘triplo 30’: ventos acima de 30 km/h, umidade relativa do ar abaixo de 30% e temperaturas acima de 30 graus. Embora tenha sido o pior cenário que já tivemos, o setor tem uma infraestrutura robusta de prevenção e combate a incêndios, o que ajudou a minimizar os danos. Mesmo assim, conseguimos produzir o maior volume de etanol da história do Brasil. Foram cerca de 36 bilhões de litros.

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Ainda que o calor e chuva extremo tenha abalado os canaviais, setor foi resiliente, disse Evandro Gussi            Foto: Divulgação

Como o governo Trump vai impactar o mercado dos biocombustíveis e, especificamente, do etanol? O novo governo americano é conhecido por ser negacionista em relação ao clima e pró-petróleo.
Os Estados Unidos são um país muito complexo, com uma dinâmica política que vai além da presidência. No primeiro mandato de Trump, quando ele decidiu sair do Acordo de Paris, 70% dos estados americanos continuaram comprometidos com as metas de redução. A Califórnia, por exemplo, continuou comprando etanol brasileiro porque o nosso etanol tem uma descarbonização mais alta do que o americano, à base de milho. Além disso, as grandes empresas que compõem o S&P 500 seguiram o Acordo de Paris. Ou seja, a decisão política da presidência não reflete toda a realidade do país, pois o poder está muito descentralizado nos estados e nas iniciativas privadas. O governo Trump não vai conseguir barrar a descarbonização.

Mas o aumento da exploração de petróleo, por exemplo, seria uma política que caberia ao presidente americano?
Teoricamente, sim, se aprovado pelo Congresso. Mesmo assim, as decisões de investimento estão no âmbito da iniciativa privada. A indústria petrolífera americana já está fazendo seus próprios investimentos, e o financiamento desse processo já está estruturado por investidores. Não vejo espaço, no mundo atual, para um tipo de voluntarismo estatal, e não acredito que seja essa a intenção do presidente Trump.

Ou seja, o processo de descarbonização e de adoção de combustíveis renováveis não será fortemente afetado por esse governo…
Exatamente. Não vejo como um governo, por mais influente que seja, consiga barrar um processo global de descarbonização em um país tão complexo, com uma iniciativa privada tão forte e com um processo de descentralização tão arraigado.

Nesse processo de descarbonização, o mundo tem adotado frotas elétricas, mas grandes montadoras, como Toyota e BYD, recentemente desenvolveram motores híbridos flex para o mercado brasileiro. Essa solução é específica para o Brasil ou pode ser exportada globalmente?
Excelente ponto. Inicialmente, pensava-se que o híbrido flex fosse uma solução exclusiva do Brasil, mas a eletrificação tem seus desafios. A adoção de veículos elétricos 100% a bateria enfrenta problemas com a intensidade de carbono na exploração dos minérios necessários e na geração de eletricidade. Além disso, a infraestrutura necessária para carregar os carros é um desafio. O etanol, especialmente em motores híbridos flex, oferece uma solução imediata para a descarbonização, com baixo custo e facilidade de implementação. Outros países estão começando a olhar para essa solução com mais interesse.

Como a Unica tem colaborado com as montadoras no desenvolvimento desses motores?
Temos uma colaboração muito próxima com várias montadoras. O programa RenovaBio, aprovado em 2017, nos permite conhecer em detalhes a intensidade de carbono do etanol brasileiro. Isso garante às montadoras que, ao usarem motores flex ou híbridos flex, estão contribuindo para a descarbonização, pois sabem exatamente a quantidade de CO2 emitido por megajoule de energia. O Brasil tem aumentado a produção e a eficiência dos canaviais, com uma produção recorde de 36 bilhões de litros.

As exportações têm acompanhado esse crescimento ou estão mais voltadas para o mercado interno?
Estamos exportando bilhões de litros, com números históricos nos últimos anos. Com o aumento da mistura de etanol nos combustíveis e o crescimento do uso de etanol na aviação e no transporte marítimo, vemos uma demanda crescente nos próximos anos.

Há metas de exportação e produção para o Brasil?
Não há metas específicas, pois as decisões estão sendo tomadas conforme a demanda. No entanto, o Japão está estudando a implementação de uma mistura de 10%, o que representaria 11% da produção nacional, podendo chegar a 20%. Isso indicaria um grande potencial de crescimento, com perspectivas muito positivas para o futuro.

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