Em um momento em que indicadores como emprego e consumo apresentam melhora, Alfredo Cotait alerta para os riscos de um crescimento baseado exclusivamente no aumento de gastos públicos e no consequente agravamento do desequilíbrio fiscal.
Segundo ele, o Brasil vive um “crescimento fictício”, sustentado por déficits elevados e juros altos que inibem investimentos produtivos. Cotait defende uma reforma administrativa urgente, critica a ausência de um plano consistente por parte do governo e reforça a necessidade de modernização nas relações de trabalho. Para o dirigente, é preciso enxergar além da formalização do emprego e focar na geração real de renda e autonomia para os trabalhadores. Leia, a seguir…
Como o senhor avalia o atual momento da economia brasileira?
O maior problema hoje é o fiscal. Temos indicadores positivos, como crescimento do emprego e do consumo, mas isso é sustentado por gastos públicos que ativam a economia só no curto prazo. A renda não cresce porque os empregos gerados estão nas faixas salariais mais baixas. E o governo continua gastando mais do que arrecada, o que aumenta a dívida pública.
O senhor pode dar um exemplo do impacto desse desequilíbrio?
De janeiro a abril deste ano, o governo arrecadou R$ 1,2 trilhão, mas gastou R$ 1,6 trilhão. Ou seja, um déficit de R$ 400 bilhões. Esse dinheiro entra na economia e estimula alguma atividade, sim, mas estamos empurrando a conta para o futuro. E o mercado, diante desse risco, começa a exigir juros mais altos para financiar a dívida pública.
Isso afeta diretamente o crescimento da economia?
Sim, porque a alta dos juros torna o investimento inviável e impede o crescimento real. Estamos vivendo um crescimento fictício, baseado em déficit. O governo precisa urgentemente cortar gastos.
Se o senhor tivesse a caneta na mão, onde cortaria?
O Estado brasileiro arrecada muito e gasta mal. Em todas as áreas há exageros. Precisamos de uma reforma administrativa urgente. O Brasil tem um Estado inchado, desproporcional ao que a sociedade precisa. É necessário um esforço de corte de custos em todas as frentes.
Mas isso não contraria a filosofia do atual governo, mais focada no gasto público para incentivar o crescimento?
Sim. E é por isso que estamos no caminho do desastre. O governo Lula 3 não tem plano, não tem rumo. É o reino da gastança. Entrou no poder já pedindo R$ 250 bilhões em gastos extras e desmontou o teto de gastos, substituindo-o por um arcabouço fiscal que não funciona. E os gastos não são com investimentos, não são com infraestrutura. São sem critério.
Como o senhor vê o conflito entre governo, irrigando a economia para empurrar o PIB, e Banco Central, desidratando a economia para segurar a inflação?
O Banco Central faz o que pode. O País tem dois grandes instrumentos: o fiscal e o monetário. O BC tenta segurar o descontrole fiscal com juros, mas isso não pode durar para sempre. E mesmo agora, com o BC comandado por alguém alinhado ao governo, os juros continuaram altos. Isso mostra o tamanho do problema.
Essa falta de sintonia pode comprometer a credibilidade do País?
Claro. A comunicação do governo é desconexa. Falam uma coisa hoje, outra amanhã. Isso dificulta para os empresários planejarem seus investimentos. O resultado é uma fuga de investimentos e uma incerteza generalizada.
Por que o empresariado parece mais passivo neste governo?
Faltam lideranças empresariais. As que existem vêm de centrais patronais que dependem de verbas públicas e, por isso, jogam junto com o governo. A rede das associações comerciais é independente. Nós temos liberdade para apoiar o que é bom para o Brasil e criticar o que está errado. Não temos lado político.
Como o senhor avalia o empenho do governo em retomar o fortalecimento das regras trabalhistas, com leis mais rígidas?
É um retrocesso. O mundo mudou. Hoje vivemos a era do empreendedorismo, da autonomia. Não faz sentido obrigar o pequeno comerciante ou o prestador de serviço a pedir autorização do sindicato para trabalhar no domingo, por exemplo.
E como modernizar as relações de trabalho sem precarizar os direitos?
Quem quer estar na CLT continua com seus direitos preservados. Mas há muitos brasileiros que querem liberdade para negociar diretamente com quem contrata, definir seus horários e formas de remuneração. O Brasil não deveria comemorar nossa atual taxa de desemprego, em nível mais baixo em décadas. Seria motivo de comemoração se o trabalho informal estivesse em alta, se os trabalhadores estivessem empreendendo por conta própria. O foco deveria ser na geração de trabalho e renda, não só na formalização do emprego com carteira assinada.
Baseado em que indicadores o senhor sustenta essa tese?
Baseado nos números do Ministério do Trabalho. Segundo o Caged [Cadastro Geral de Empregados e Desempregados], de cerca de 100 milhões de brasileiros economicamente ativos, apenas 37,9 milhões têm carteira assinada. Já 39 milhões são autônomos — médicos, advogados, vendedores, prestadores de serviço, todos empreendendo de forma independente. Outros 12 milhões são servidores públicos, e o restante está entre desempregados e desalentados.
Mas que país do mundo não comemora desemprego em queda? Qual o sentido de lamentar a alta do emprego formal?
Exatamente essa visão que precisa mudar. Quando você ouve que a economia está gerando muito emprego, verifique se a renda está aumentando. Se não estiver, não adianta. É o aumento de renda que gira a economia, que impulsiona consumo e investimento. Gasto público, por si só, é passageiro. E do jeito que está, logo o governo não conseguirá mais sustentar esse modelo.