Nas últimas décadas, os laboratórios do Grupo Fleury no País ficaram conhecidos como lugar de gente rica ou, como segunda alternativa, de assalariados beneficiados por suas empresas com convênios médicos. Não por acaso, 67% do faturamento de R$ 7,7 bilhões da companhia no ano passado vieram dos planos de saúde. Mas a empresa quer melhorar esses números – ou, ao menos, diversificar suas fontes de receita. Prestes a completar um século de existência, em 2026, a companhia, comandada pela médica cardiologista Jeane Tsutsui, tem intensificado a estratégia chamada de Lab-to-Lab, que consiste – apesar do nome pomposo – em realizar exames de forma terceirizada em laboratórios pequenos e regionais. Muitos deles dão suporte a hospitais públicos, Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e outros centros de atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
“Nossa contribuição indireta ao SUS ainda é muito pequena, mas, dada a dimensão e o potencial do sistema de atendimento, temos um imenso mercado para crescer”, disse a CEO do Fleury, em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY. “Vamos expandir nossas operações em todos os segmentos, especialmente naqueles que demandam grandes investimentos em equipamentos de ponta e exames com tecnologia de última geração, seja no público ou no privado.”

O receituário do Fleury para crescer nos próximos anos é a diversificação. A companhia, que tem exames laboratoriais como core business, está expandindo seus serviços para telemedicina, ortopedia, oftalmologia e oncologia – utilizando de forma intensa a inteligência artificial (IA). Hoje, são 540 unidades em 14 estados, que processam 330 milhões de exames por ano.
Desde a pandemia, o Fleury passou a realizar, em média, mais de 2 mil consultas por dia por telemedicina e implementou até atendimento móvel, com coleta domiciliar de exames e vacinação – segmento que já representa 7,6% da receita. “Nosso diferencial é oferecer um ecossistema integrado. Nos EUA, por exemplo, uma das líderes do setor, a Quest, faz só exames laboratoriais. Aqui, o paciente pode fazer tudo em um único lugar”, comparou Jeane.
Crescimento por aquisições e Lab-to-Lab
Além da diversificação, a empresa busca ganhar musculatura por meio de aquisições. Desde 2017, o Fleury realizou 19 compras, incluindo a mineira Pardini (a maior da história do grupo, em 2023), que trouxe uma rede de 8 mil laboratórios parceiros via modelo Lab-to-Lab. Com essa incorporação, o Fleury construiu uma logística robusta. Atualmente, a empresa coleta amostras em 2.200 cidades diariamente, inclusive com uso de drones, percorrendo o equivalente a 2,3 voltas ao mundo por dia.
A expansão geográfica foi outro pilar do crescimento do Fleury, segundo a CEO. A companhia ampliou sua presença em 14 estados, com marcas regionais fortes, como Weinmann (líder no Rio Grande do Sul) e Marcelo Magalhães (em Pernambuco). “O Lab-to-Lab tem sido fundamental nesse processo, já que democratiza o acesso à saúde. Muitos municípios não teriam como oferecer exames complexos sem essa parceria”, destacou Jeane.

Tecnologia e eficiência
Dentro dessa estratégia de guerrilha, a inteligência artificial se apresenta como um pilar estratégico. Graças à IA, o Fleury tem conseguido reduzir pela metade o tempo de conclusão dos exames. O que antes demorava 24 horas ou até uma semana, hoje fica pronto em minutos, sem prejuízo à precisão das análises.
Ao mesmo tempo, o uso de IA está ajudando a otimizar as rotas para coleta e entrega dos exames. Com o desenvolvimento de algoritmos proprietários, houve aumento de 15% na disponibilidade de agendas no atendimento móvel, segundo a CEO. “Dentro da empresa, nada é feito sem o uso intensivo de tecnologia”, garantiu Jeane. “A IA nos trouxe mais precisão no diagnóstico e ganho incomparável de escala na capacidade de processamento de exames”, acrescentou.
O diagnóstico rápido é, de fato, um dos benefícios mais visíveis. Os sistemas automatizados de análise dos exames priorizam resultados críticos, alertando médicos em casos urgentes. Com isso, o Fleury consegue investir mais atenção na chamada medicina de precisão, como exames genômicos (em parceria com o Hospital Albert Einstein) e testes como o Oncotype DX, que evitam quimioterapias desnecessárias em casos de câncer.

Desafios e próximos passos
Da porta para dentro, o autoexame do Fleury prescreve disciplina financeira, com dívida controlada (alavancagem de 1x) e margem Ebitda de 25,8% (em 2023). Os planos incluem mais aquisições (apesar do cenário de juros altos, o Fleury busca oportunidades em mercados como Santa Catarina e Nordeste), novos serviços (ampliação de telemedicina e parcerias com hospitais – já atende 40 unidades) e expansão indireta ao SUS (por meio de prefeituras que terceirizam exames para o sistema público). “Queremos ser referência não só em diagnóstico, mas em saúde ambulatorial como um todo”, acrescentou Jeane.