“A sociedade rural do Paraná redefine o agronegócio brasileiro”, diz El-Kadre

De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), as exportações do agronegócio brasileiro somaram US$ 164,4 bilhões em 2024, consolidando-se como o segundo maior valor da série histórica

José Granado
Compartilhe:

Imagens: Divulgação

Marcelo Janene El-Kadre diz que o governo federal não demonstra nenhum compromisso com o agro

Marcelo Janene El-Kadre diz que o governo federal não demonstra nenhum compromisso com o agro

O orgulho toma conta do semblante de Marcelo Janene El-Kadre quando fala sobre a terra. Aos 61 anos, o presidente da Sociedade Rural do Paraná (SRP) carrega no olhar a mesma paixão que seu avô libanês – que chegou ao Brasil sem falar português – tinha pelo campo paranaense. “Orgulho. A gente veio desse meio, eu cresci nesse meio”, diz, com a voz carregada de emoção. “Vejo meu filho hoje se destacando na parte de suplementação animal e sinto prazer em fazer o que fazemos, em dar continuidade ao legado.”

Não se engane com o tom sentimental. Por trás do produtor rural apaixonado, há um executivo de visão afiada, crítico das políticas públicas que, segundo ele, falham em reconhecer o real valor do agronegócio brasileiro.
“Precisamos de uma política econômica séria, ligada ao agro”, dispara, sem rodeios. “O Fiagro [Fundos de Investimento no Agronegócio], que está vindo agora, é mais uma criação do produtor rural, do pessoal ligado ao agro, porque eles [governo federal], sinceramente, não têm nenhum compromisso com o Brasil, nenhum compromisso com o agro.”

Enquanto falamos, o Parque Governador Ney Braga, sede da SRP em Londrina, fervilha de atividades e público. Um festival do agronegócio – e não apenas uma exposição – que movimenta bilhões em negócios e projeta a cidade no cenário internacional. Em 2024, o evento gerou R$ 1,4 bilhão em negócios, recebeu 455 mil visitantes e criou 9 mil empregos diretos e indiretos. Para a edição de 2025, que vai até o dia 13 de abril, as perspectivas são ainda maiores.

Entre mesas de reuniões e pistas de equitação recém-construídas, El-Kadre nos guia pelos caminhos da SRP, traçando a evolução da instituição que, como uma fazenda bem planejada, colhe hoje os frutos do que plantou meticulosamente durante décadas. “Nesses últimos 23 anos, tivemos uma visão mais de negócio, de empresa”, explica.

A transformação não foi acidental. Durante a pandemia, quando o mundo se fechava, El-Kadre e sua diretoria foram “literalmente para a sala de aula”, como ele diz. Consultaram o Sebrae, desenvolveram um plano decenal e, quando as portas se reabriram, já não eram mais os mesmos.

A história se assemelha ao próprio agronegócio brasileiro, que deixou de ser apenas “agricultura” para se tornar uma complexa rede de valor que, em 2024, respondeu por 23,2% do PIB nacional, segundo levantamento do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, em parceria com a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

Enquanto a política nacional parece não acompanhar o ritmo, a SRP acelerou.
“Nós transformamos a exposição em um festival”, conta El-Kadre. “Pela diversidade de ações que temos aqui dentro: eventos técnicos, cursos, seminários, escritórios de advocacia ligados ao agro funcionando, julgamento de animais e, à noite, entretenimento.”

O resultado? Executivos de gigantes como Volkswagen, Stellantis e GWM desembarcam em Londrina para lançamentos nacionais. “A Volkswagen trouxe 47 jornalistas do Brasil inteiro”, revela, com alegria. Promotores de eventos paulistanos agora olham para o interior do Paraná como alternativa à congestionada capital.

O campo remando contra a maré

No escritório climatizado da presidência da SRP, El-Kadre não hesita em apontar as contradições que afligem o agronegócio brasileiro.”O governo federal cortou o Plano Safra”, denuncia, referindo-se à recente suspensão do programa. “Como você faz isso em um país que é agro, que vive do agro, que carrega esse país literalmente nas costas?”

A crítica não é leviana. A balança comercial também reafirma a importância do setor. De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), as exportações do agronegócio brasileiro somaram US$ 164,4 bilhões em 2024, consolidando-se como o segundo maior valor da série histórica, apesar dos desafios – principalmente climáticos – e das dificuldades logísticas, que são muitas.

“O grande silo do Brasil é a carroceria do caminhão”, lamenta El-Kadre, em uma metáfora certeira sobre a falta de infraestrutura de armazenagem. “Não temos hoje onde colocar [a produção]. Vou segurar? Vamos esperar o melhor momento? Nós não temos onde colocar.”

O problema ferroviário é igualmente crítico

“Estive no Canadá, na região dos Grandes Lagos. Você está num hotel na beira da estrada, trem passando de um lado, trem passando do outro”, compara. “É o segundo meio de transporte mais barato do mundo e nós não conseguimos fazer uma estrada [de ferro] porque pode passar perto de uma reserva indígena. Isso é um absurdo.”

Enquanto o presidente da SRP fala, a realidade embasa suas críticas. Segundo pesquisa de 2024 da Confederação Nacional do Transporte (CNT), 67% das rodovias brasileiras (75.039 km) foram classificadas como Regular, Ruim ou Péssimas no Estado Geral. Nossa rede ferroviária permanece uma das menos densas entre as grandes economias globais – cerca de 3,6 km por 1.000 km² de território, enquanto a Argentina possui 12,8 km e os EUA, 22,9 km.

Invasão de terras

O relógio na parede marca o passar das horas, mas El-Kadre não demonstra pressa. Quando o assunto é a defesa da propriedade rural, sua fala ganha ainda mais intensidade.
“Tive, no ano passado, 13 invasões de terra aqui na nossa região”, revela. “Doze eu tirei no mesmo dia, com duas ligações – governador e secretário de segurança. O proprietário não precisou pedir reintegração de posse, não precisou contratar advogado.”

A 13ª invasão?


“Foi porque os proprietários não eram sócios da Rural”, explica. “Mas acabaram vindo à tarde e os atendi da mesma maneira que atendo os sócios, porque eles são produtores rurais.”

Em um país onde conflitos agrários frequentemente se arrastam por anos nos tribunais, a eficiência da SRP ao proteger as propriedades da região impressiona. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Brasil registrou 1.724 ocorrências de conflitos no campo em 2023, envolvendo mais de 900 mil pessoas. No primeiro semestre de 2024, os números são ainda mais expressivos: 1.056 ocorrências entre janeiro e junho.


Agroconectividade

Na parte mais nova do parque, cavalos de competição avaliados em milhões de reais se preparam para saltar obstáculos em pistas construídas com areia importada – “comprada por quilo”, como faz questão de enfatizar El-Kadre, “a mesma que foi usada em Dubai”. Cavaleiros que participaram das Olimpíadas de Paris transitam pelo local.

Ao mesmo tempo, jovens startups de agrotecnologia desenvolvem suas soluções no SRP Valley, criado depois que Londrina foi oficializada pelo Ministério da Agricultura como o primeiro polo de tecnologia agrícola do Brasil.

É a representação física da transformação do agronegócio brasileiro, que cada vez mais se afasta do estereótipo do “atraso rural” para assumir seu lugar como setor de alta tecnologia e vanguarda econômica. Segundo a nova edição do Radar Agtech Brasil, levantamento anual realizado em parceria entre a Embrapa, a Homo Ludens e a SP Ventures, o Brasil já conta com mais de 1.972 agtechs, posicionando o país como um dos líderes globais em inovação para o campo.

Os ambientes de inovação no agro brasileiro também registraram um expressivo crescimento entre 2023 e 2024. Além das incubadoras, que passaram de 32 para 107 (um aumento de 224%), as aceleradoras de startups cresceram 90% (de 21 para 40), os hubs, 29% (de 82 para 106); e os parques tecnológicos, 25% (de 93 para 117).

“Queremos agregar essas mentes geniais que temos no Brasil”, afirma El-Kadre. “Precisamos baratear essa tecnologia para o pequeno produtor. Ainda vamos falar diferente da pequena propriedade, que pode ser de um grande produtor, ter acesso a ela.”

O agro nosso de cada dia

Quando questionado sobre como explicar melhor a importância do agronegócio para a população urbana, El-Kadre sugere uma mudança de narrativa.
“Vamos pensar no dia a dia: você tomou café hoje? Você veio para cá de carro? Se for etanol, é agro. Sua roupa, seu sapato”, enumera.

“Vamos tirar o nome ‘agro’. Vamos falar do cotidiano do seu dia a dia”, propõe. “Existem termos técnicos, esqueça. Vamos mostrar o dia a dia, o cotidiano, o que é o agro dentro do teu dia. Acho que fica mais fácil as pessoas entenderem.”

A proposta ecoa as mais recentes estratégias de comunicação do setor, que busca aproximar-se do consumidor final. Segundo a pesquisa “Percepções sobre o Agro: O que pensa o Brasileiro”, realizada pelo movimento “Todos a uma só voz”, formado por entidades associativas, empresas e profissionais ligados ao agronegócio, as impressões são positivas. O levantamento entrevistou 4.215 pessoas e revelou que 7 a cada 10 brasileiros têm uma posição positiva e estão solícitos a ouvir as histórias do setor. No entanto, 30% se dizem propensos a boicotar o agro – e destes, 51% são jovens com idades entre 15 e 29 anos.

Ao final da conversa, El-Kadre volta às origens: ao avô libanês que construiu um patrimônio sem falar português, à terra que alimenta gerações, ao filho que segue os passos na atividade agropecuária.
“Em respeito a ele, ao amor que ele tinha pelo Paraná, pelo Brasil – um libanês que, como eu te falei, não sabia falar, escrever português… eu me orgulho de tudo isso que está acontecendo, de poder dar um pouco do meu tempo para uma entidade do tamanho da Sociedade Rural do Paraná”, finaliza.

O ciclo se fecha. Do imigrante recém-chegado ao neto que preside uma das maiores instituições rurais do país. Da feira agrícola tradicional ao hub tecnológico e de negócios. Do produtor isolado ao setor que sustenta a economia nacional. Da cidade do interior do Paraná à vitrine para o mundo.

É a história do agronegócio brasileiro, contada em primeira pessoa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

ASSINE NOSSA NEWSLETTER E
FIQUE POR DENTRO DAS PRINCIPAIS NOTÍCIAS DO MERCADO

    Quer receber notícias pelo Whatsapp ou Telegram? Clique nos ícones e participe de nossas comunidades.