É o início da renovação da frota nacional de navios — algo que o setor não via em larga escala há mais de uma década — e uma perspectiva de retomada do setor. É assim que Alexandre Kloh, vice-presidente do Grupo Mac Laren, avalia, em entrevista ao BRAZIL ECONOMY, o contrato assinado com a Transpetro, subsidiária da Petrobras, em um consórcio formado junto ao Estaleiro Rio Grande para a construção de quatro embarcações da classe handy. O valor do acordo está na casa de R$ 1,65 bilhão. Os navios serão utilizados para o transporte de derivados de petróleo na costa brasileira e irão ampliar a capacidade de atendimento da Transpetro à Petrobras, reduzindo a necessidade de afretamento desse tipo de unidade pela petroleira. A compra faz parte do Programa de Renovação e Ampliação da Frota da Petrobras, que prevê a aquisição de 44 embarcações — todas já contratadas ou em processo de licitação — com investimentos de R$ 23 bilhões na indústria do setor. Mas Kloh pondera: ainda é necessário um plano nacional mais robusto para a indústria naval.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
BRAZIL ECONOMY – Especificamente para a empresa, o que significa esse contrato?
ALEXANDRE KLOH – Para nossa empresa, que tem quase 90 anos de existência e foi uma das pioneiras da indústria naval nacional, participar desse momento é motivo de muito orgulho. Nós construímos a primeira frota de embarcações de apoio marítimo offshore no Brasil. Participamos da construção das primeiras plataformas. É um projeto bonito, desafiador e inovador, que tem uma pegada de sustentabilidade também (estima-se redução de 30% das emissões em relação aos atuais navios). É uma nova fase, promissora, com expectativas altíssimas.

Para o setor, o que significa?
Traz de volta uma expectativa, uma perspectiva de retomada da nossa indústria. Temos diversos desafios a serem superados, como qualificação e mão de obra, pois, durante esses últimos 10 anos, a indústria naval foi desmantelada completamente. Então, todo aquele background — boa parte da mão de obra qualificada e especializada — nós perdemos. O processo agora é trazer esse pessoal todo de volta, com requalificação.
Como foi esse período de uma década para trás?
A indústria naval tem atividades de construção, infraestrutura portuária, logística e industrialização, fabricação de equipamentos. Nesse período, houve uma queda na receita e redução de toda a equipe operacional. Mas a indústria se manteve ativa, operacional. Nós somos uma das pouquíssimas empresas com endividamento zero, pois fizemos uma reestruturação dos nossos negócios. Foi difícil, sofremos nesse período, passamos por dificuldades, mas, com bastante competência, superamos.
Quando foi o melhor momento da empresa e do setor?
A indústria naval é cíclica. Precisamos definir e ter uma política de Estado forte — justamente para que não tenhamos esses altos e baixos que sempre sofremos desde a década de 1970. De lá para cá, muitas companhias entraram em recuperação judicial e saíram dela. Falta uma política de Estado. Chegamos a ter 14 mil funcionários, uma megaindústria, quatro estaleiros no Brasil. Hoje temos duas unidades. E, com esse contrato (com a Transpetro), vamos chegar a 2 mil funcionários. Atualmente, temos 600. Em 2014, considero que tivemos nosso auge na indústria naval e na offshore (operações realizadas no mar), que não parou nem durante a pandemia, pois foi enquadrada como atividade essencial. Nesse contexto, tivemos um incremento de receita. Sofremos esse turbilhão de emoções, mas também pela falta de uma política de Estado.
O que aconteceu, de fato?
Acho que foi um período sabático, sofrido. A Petrobras olhou para a produção da China como solução para a construção naval. E, quando comparamos o mercado chinês com o brasileiro, não estamos comparando banana com banana. São coisas diferentes. Eles produzem tudo, a mão de obra é completamente distinta, a legislação trabalhista é completamente diferente — então, não há o que comparar. E, quando se constrói fora de uma operação nacional, não se gera riqueza interna: tudo vai para fora, nada fica aqui. Colocaram a nossa indústria na geladeira justamente pela falta de uma política de Estado forte. Se tivéssemos isso, manteríamos os estaleiros com capacidade operacional altíssima, com capacidade de desenvolvimento e empregabilidade muito forte. A Petrobras é uma empresa nacional, estatal. Temos de desenvolver a indústria naval nacional. Fazer o que o (Donald) Trump está fazendo: fortalecer a indústria interna americana. O governo tem de olhar para nós como uma indústria que tem capacidade fabril, tem background, já foi a primeira a nível mundial, com atuação reconhecida internacionalmente. Por que não conseguimos desenvolver essa indústria?
O setor tem tido tratativas com o governo, seja por meio de entidades, associações ou pelas próprias empresas?
O Sinaval (Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore) tem se envolvido muito para voltarmos a ter uma indústria relevante. Temos o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), liderado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, que está cuidando disso. O ministério tem atuado muito fortemente nessa questão. Temos a Frente Parlamentar em Defesa da Indústria Naval Brasileira olhando os gargalos e desafios que colocamos na mesa. Um deles é a questão da garantia de crédito. Hoje, 90% dos estaleiros estão em recuperação judicial. Então, é necessário entrar com 120% de garantia. Se houvesse um fundo garantidor que desse suporte para o estaleiro entrar e performar nos contratos públicos, seria uma evolução absurda. Naquele momento em que estavam construindo, 10 anos atrás, muitos contratos foram reincididos. E o que fazemos com o casco? Entra-se em colapso total. E as demais empresas da cadeia vêm junto. É um efeito cascata.

Quando se perde muita mão de obra, como ocorreu com a indústria naval, é complicado recuperar o corpo especializado, não?
Tiraram o profissional da indústria — um soldador superqualificado, por exemplo — que teve de virar motorista de aplicativo porque não tinha mais o que fazer. A indústria naval tem uma peculiaridade: é uma profissão passada de pai para filho. Temos três gerações que trabalham conosco: o avô, o pai e o filho. Porque sempre remunerou muito bem, com uma mão de obra técnica, muito especializada. Temos de trazer esse pessoal de volta, requalificar e dar garantias de que a indústria vai retomar e terá longevidade.
Quais as perspectivas daqui para frente?
Estamos vendo uma virada de chave, os investimentos retomando. E não é pontual esse contrato com a Transpetro, que lançou no ano passado um programa, o TP-25, para construção de 25 embarcações. Já começaram com essas quatro, e outras virão — inclusive maiores. A Petrobras também está demandando. Em tonelagem, estamos falando de 95 mil a 120 mil toneladas de aço. É muita coisa. Temos aí projetos para manter alguns estaleiros ocupados pelos próximos cinco a sete anos.
Esse movimento está ocorrendo por renovação de frota ou por atendimento de demanda do mercado, que está aumentando?
Após o período de recessão iniciado em 2014, quando havia muitas embarcações estrangeiras por aqui e os contratos nacionais foram cancelados, vemos agora o mercado sendo incrementado. São embarcações novas, com tecnologias avançadas, e modernização de outras, que aumenta a vida útil de 20 para 25 anos. Atualmente, existe falta de embarcações no mercado. É uma mistura entre renovação de frota e aumento de demanda. Hoje temos cerca de 400 embarcações e, nos próximos anos, podemos chegar a 550.
O senhor falou muito em um projeto nacional para a indústria naval. Ano que vem tem eleições, e o xadrez político já está em movimento. Isso preocupa?
Sem dúvida. Dizer que não preocupa seria hipocrisia. Ainda não temos uma política de Estado forte. Precisamos que os governos entendam a capacidade que essa indústria tem, que conheçam as instalações dos estaleiros nacionais e o que eles podem produzir. E, a partir disso, criar uma política de Estado para que, independentemente do governo, sempre tenhamos uma indústria naval produzindo e performando — seja para a Marinha, para a Petrobras ou para outros operadores de petróleo que atuam aqui. Sem isso, não conseguimos ter competitividade. Por exemplo, tem de haver similaridade nacional de impostos (conceito usado na importação para verificar se há produto nacional que possa substituir a importação). O ICMS também. Sem isso, os projetos se tornam caros e a indústria fica parada. Ficamos 10 anos sem produzir e, consequentemente, sem gerar impostos. Sem projeto, não há recolhimento. Com incentivos, geramos desenvolvimento, emprego, consumo… Vamos continuar debatendo possibilidades no decorrer das discussões da reforma tributária.