Quem já investiu na instalação de placas solares em casa sabe que a aprovação de projetos de microgeração distribuída pode se tornar uma inexplicável via-crúcis. Mas o executivo Carlos Evangelista, presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), tem a resposta para parte dos entraves. Segundo ele, as distribuidoras de energia frequentemente criam barreiras e impõem burocracias ao setor de energia solar e à geração distribuída porque esses modelos descentralizados de produção ameaçam seu modelo de negócios tradicional.
Como a geração distribuída permite que consumidores produzam parte ou toda a energia que consomem, a demanda por eletricidade fornecida pelas distribuidoras diminui, reduzindo suas receitas. Além disso, o sistema de compensação de energia – no qual os consumidores injetam eletricidade excedente na rede e recebem créditos – pode ser visto pelas distribuidoras como uma perda de faturamento, uma vez que deixam de vender energia a esses clientes e, em alguns casos, ainda precisam remunerar a infraestrutura utilizada para essa compensação.
Evangelista afirma ainda que outro fator relevante é a necessidade de adaptação da infraestrutura elétrica para lidar com a geração descentralizada. As redes de distribuição foram projetadas para operar de forma unidirecional, levando energia das usinas até os consumidores. Com a entrada de pequenos geradores solares conectados à rede, as distribuidoras precisam investir em modernização e controle para evitar sobrecargas e problemas técnicos.
No entanto, em vez de enxergar isso como uma evolução do setor elétrico, muitas empresas optam por dificultar a adesão à geração distribuída por meio de exigências burocráticas, atrasos na conexão dos sistemas e até mesmo taxas adicionais, buscando manter sua posição dominante no mercado e garantir suas margens de lucro. Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, o executivo faz um balanço do setor em 2024, analisa as perspectivas para 2025 e afirma que o empresário brasileiro chora demais na esperança de conseguir incentivos dos governos. Confira.
Como foi o desempenho do setor de geração distribuída em 2024?
O ano foi muito positivo, com crescimento de 35% no número de unidades consumidoras, totalizando mais de 3 milhões de sistemas instalados. Isso beneficiou cerca de 5 milhões de brasileiros, com uma potência agregada equivalente a 34 GW, ou 2,5 usinas de Itaipu. Os investimentos privados somaram R$ 162 bilhões, gerando 1,16 milhão de empregos desde 2012.
Quais as perspectivas para 2025?
Espera-se um crescimento menor, de 22%, influenciado pela combinação de juros altos, que encarecem as linhas de financiamento, dólar elevado, que também encarece equipamentos importados, e excesso de oferta global de módulos solares, principalmente da China, que hoje produz o dobro da demanda global. No Brasil, a previsão é adicionar 7 GW à matriz elétrica, atingindo 41 GW até o final do ano.
As recentes mudanças regulatórias podem prejudicar?
A Lei 14.300/2022 trouxe duas mudanças críticas. A primeira é a cobrança pelo uso da rede, chamada de tarifa do fio. Sistemas instalados a partir de 2023 passaram a ter descontos progressivos na compensação de créditos. Neste ano, para cada 100 kWh injetados na rede elétrica, o consumidor recebe 75 kWh de volta. Ou seja, 25% de pedágio. Até 2029, esse percentual chegará a 100% do custo da rede, cerca de 30% de pedágio. Por outro lado, um aspecto positivo foi a estabilidade jurídica, que facilitou a entrada de grandes empresas no setor.
O caso do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a acusação de venda de energia afetou o mercado?
O TCU questionou se o modelo de geração compartilhada, no qual uma usina atende múltiplos consumidores, configuraria venda ilegal de energia. Após discussões, ficou claro que não há venda, mas sim a compensação de créditos, pelo sistema net metering. As empresas do nosso setor precisam ajustar a comunicação para evitar confusão.
As distribuidoras de energia estão dificultando o avanço da geração de energia solar em casas e empresas?
Muito. Algumas são muito ruins, outras menos piores. Mas todas criam barreiras para que as pessoas instalem sistemas de energia em casa. Hoje, o maior entrave para o crescimento da geração distribuída são as distribuidoras de energia.
Por que as distribuidoras resistem à microgeração?
Há três motivos principais. O primeiro, e mais importante, é a perda de receita. As distribuidoras ganham com a tarifa de rede, e a geração distribuída reduz o consumo de energia da concessionária. O segundo ponto é um problema técnico. As concessionárias alegam inversão de fluxo de potência em redes não dimensionadas para alta injeção. O terceiro é a burocracia. Processos lentos e exigências desproporcionais, como autorizações para “injetar à noite” – algo impossível sem baterias –, geram insegurança.
As baterias, que ainda são caras, podem ajudar a resolver esses conflitos?
Com certeza. Os preços devem cair 50% até 2027, tornando-se acessíveis. As baterias ajudarão a resolver esse argumento das distribuidoras, como a inversão de fluxo, além de possibilitar o armazenamento para horários de pico e garantir autonomia durante cortes de energia.
Como o Brasil se compara globalmente a outros países em geração distribuída?
O País está entre os dez maiores do mundo, com 22% da matriz elétrica solar. Austrália e Alemanha lideram, mas o Brasil tem potencial para crescer. Hoje, existem 93 milhões de unidades consumidoras no Brasil, mas apenas 5 milhões utilizam a geração distribuída. Temos muito espaço para crescer.
Falta política pública para incentivar o setor?
Há incentivos. O empresário brasileiro é muito reclamão. Existem incentivos em todos os setores. No nosso caso, há financiamentos em bancos públicos, como BNDES e Banco do Nordeste, além de bancos regionais que oferecem taxas reduzidas – em alguns casos, de 7% ao ano. Também há muitos benefícios fiscais, como isenção de IPTU e de IPVA para carros elétricos e híbridos, como acontece em cidades como Sorocaba (SP). Mas é fato que também há barreiras para o crescimento, como a alta tributação sobre equipamentos e cortes em alguns subsídios.
O excesso de oferta da China é um problema ou uma solução para baratear o acesso?
Sim, é um problema. Como a China produz o dobro da demanda global de módulos solares, pressiona os preços para baixo e inviabiliza a produção local. O Brasil tem apenas duas fábricas de pequena escala, incapazes de competir.
O que esperar do futuro?
O setor deve se adaptar a novos modelos de negócio, como assinaturas de energia solar, e se abrir a tecnologias emergentes, como baterias e smart grids. Isso vai pressionar por modernização das distribuidoras de energia. Mas vejo que a geração distribuída avança, apesar dos desafios regulatórios, econômicos e técnicos. Com políticas claras e investimentos em infraestrutura, o Brasil pode consolidar sua liderança em energia limpa.