O seguro morreu de velho? Ou será que morrerá de frio ou calor extremo?

A ampla maioria dos cientistas hoje sustenta a tese de que os extremos climáticos que vivemos são consequência das ações humanas

Gesner Oliveira*
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Imagens: Divulgação

Gesner Oliveira é sócio da GO Associados e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV)

Gesner Oliveira é sócio da GO Associados e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV)

“Seguro morreu de velho” é um provérbio que tem sua origem na língua portuguesa. Não se sabe ao certo se surgiu em Portugal ou no Brasil, mas o que se pode dizer é que era uma expressão recorrente na segunda metade do século passado e ainda é citada de vez em quando em algumas conversas entre amigos, família, ambiente de trabalho e até mesmo no planejamento de viagens. A expressão quer dizer, basicamente, que “com sabedoria, toma-se precauções para evitar surpresas desagradáveis”. Ou seja, significa que quem é precavido não morre antes do tempo, mas sim de velhice, que é a forma mais longa de vida, e não em um acidente qualquer.

Talvez não haja melhor momento para lembrarmos deste adágio. Com as mudanças e extremos climáticos, torna-se cada dia mais fundamental prevenir e se assegurar contra os riscos crescentes no cotidiano das pessoas e das empresas, decorrentes dos fenômenos naturais — infelizmente, acelerados pela ação humana.

É bem verdade que existe um ramo importante da academia que defende que não há mudanças climáticas causadas pelo homem e que os fenômenos atuais são decorrentes de ciclos naturais, como eras glaciais. No entanto, o fato é que a ampla maioria dos cientistas hoje sustenta a tese de que os extremos climáticos que vivemos — como longas secas, enchentes avassaladoras, temperaturas extremas de frio ou calor, tornados e furacões, dentre outros — são consequência das ações humanas. Segundo essa corrente, tais ações decorrem principalmente da degradação de rios, mares e florestas, além do aumento desmedido da emissão de gases de efeito estufa (GHG) nas últimas décadas.

Para gerir essa situação, a literatura sugere três grandes frentes de ação: adaptação (medidas de resiliência para lidar com os impactos já presentes e futuros), geoengenharia (novas tecnologias para controlar as emissões) e mitigação (medidas para reduzir as emissões de carbono e outros gases de efeito estufa).

Nesse cenário, desde o Protocolo de Kyoto, todas as Conferências das Partes (COPs) têm defendido ações urgentes para a redução dos gases de efeito estufa, com base em uma metodologia conhecida como controle de carbono. O mecanismo que se difundiu, chamado Carbon Price (Preço do Carbono), é basicamente uma ferramenta de mitigação que utiliza o sinal de preço do carbono para reduzir a quantidade global de emissões ao menor custo possível. Existem dois grandes modelos: o Carbon Tax (tributação sobre o carbono) e o Cap and Trade (mecanismo de mercado com compra e venda de créditos de carbono).

No Brasil, a recente Lei 15.042/24, sancionada pelo presidente Lula e publicada no Diário Oficial em 12/12/24, regulamenta o mercado de carbono e adota o modelo Cap and Trade. Nesse sistema, as empresas que geram mais carbono poderão comprar allowances (permissões de emissão) daquelas que produzem menos carbono em seus processos produtivos. Trata-se de um modelo amplamente difundido no mundo e que permitirá, inclusive, que países desenvolvidos — que emitem muito mais GHGs na atmosfera — comprem créditos de carbono de produtores brasileiros, como aqueles que preservam florestas, despoluem rios, utilizam energia limpa ou adotam processos produtivos sustentáveis.

E os seguros?

É nesse ponto que a nova legislação brasileira inova com sabedoria. O artigo 56 da lei determina que as sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar, sociedades de capitalização e resseguradores locais deverão adquirir ativos ambientais para projetos de descarbonização, correspondentes a, no mínimo, 0,5% ao ano dos recursos de suas reservas técnicas e provisões. Esse valor pode chegar a R$ 9 bilhões anuais em compras de créditos de carbono pelas seguradoras.

Obviamente, essa exigência traz desafios, pois pode aumentar o custo de capital das empresas. No entanto, a conta vem chegando com ou sem essa obrigação — e arrisco dizer que, sem essa regulamentação, o impacto financeiro para a sociedade e as empresas será ainda maior.

Dada a relevância desse tema, a FGV EAESP realizará, no próximo dia 6 de fevereiro, o seminário presencial “Mercado de Seguros no Contexto da Nova Lei de Carbono e Mudanças Climáticas (Lei 15.042/24)”. O evento tem como objetivo debater os principais desafios e oportunidades para a expansão do mercado de carbono, especialmente no que diz respeito aos investimentos das empresas do setor de seguros.

Três razões para considerar essa previsão legal positiva

 

  1. Consumidores preferem seguradoras alinhadas com políticas ESG e sustentabilidade

    Uma pesquisa de março de 2024 da NTT DATA, consultoria global de negócios e tecnologia, intitulada “On The Path To Sustainability: The Insurance Industry’s Footprint”, explora a importância da sustentabilidade no setor de seguros e destaca iniciativas que aceleram mudanças positivas. O estudo reconhece que o momento atual representa uma oportunidade para as seguradoras avançarem em sua jornada rumo à sustentabilidade. O setor de seguros está passando por uma transformação significativa ao adotar iniciativas verdes e priorizar a sustentabilidade. Ao inovar em produtos, implementar estratégias holísticas e realizar campanhas de conscientização, as seguradoras combatem ativamente as mudanças climáticas. Companhias que compram créditos de carbono serão bem vistas pelos clientes, que buscarão se reconectar com essas empresas.
  2. A inovação pode melhorar a avaliação de riscos e reduzir a assimetria de informações

    A Inteligência Artificial adaptativa, o uso da computação em nuvem e as atividades sustentáveis podem revolucionar o modelo financeiro das seguradoras. Essas tecnologias podem criar novas fontes de receita além dos negócios tradicionais ou rentabilizar dados no contexto de regulamentações específicas. A Inteligência Artificial generativa e a hiperautomação estão criando capacidades que permitem às seguradoras melhorar a tomada de decisão. Com esses avanços, as seguradoras poderão avaliar com mais precisão quais atividades apresentam maior ou menor risco climático e ajustar os prêmios de seguro de acordo com o impacto ambiental de cada situação ou atividade segurada.
  3. O setor de seguros passa a desempenhar um papel estratégico no equilíbrio dos riscos climáticos

    Os extremos climáticos têm tornado os sistemas mais vulneráveis, e diariamente os jornais noticiam choques climáticos. Sabemos que o impacto é maior para aqueles que estão na base da pirâmide social — tanto em países subdesenvolvidos quanto em comunidades periféricas e favelas. Os mais ricos, por outro lado, têm condições de contratar seguros; os mais pobres, não. Nada mais justo, portanto, que se imponha um custo às seguradoras para que adquiram créditos de carbono, contribuindo não apenas para a redução de seus próprios riscos no longo prazo, mas também para a mitigação dos impactos climáticos que afetam os mais vulneráveis.

E quem deve arcar com o aumento do custo de capital das seguradoras? Os mais ricos, que contratam seguros e terão esses custos repassados em suas apólices. Trata-se, portanto, de um mecanismo de justiça climática social.

A nova legislação nacional avançou bem nesse sentido. Afinal, como nos ensina o velho ditado, queremos que o seguro morra de velho — e não de frio ou calor extremo.

*Gesner Oliveira é sócio da GO Associados e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV)

 

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