O livro lançado pelo ministro Henrique Meirelles em setembro de 2024 traz lições importantes sobre economia e política no Brasil. O aprendizado é que a falta de credibilidade na gestão econômica e as crises de confiança são temas recorrentes na história recente. E pode ser novamente este o problema atual.
As experiências de Meirelles na indústria financeira mostraram que são necessários bons times e apoio político para enfrentar crises — marcas de sua carreira. No setor público, no entanto, isso pode não ser suficiente. Crises de confiança levam à necessidade de ações que deixem claras as reais intenções do governo, construindo reputação em torno da agenda econômica.
Segundo o ministro, a credibilidade se constrói com apoio político e medidas fortes, mostrando que a convicção política permite adotar ações que sejam “mais realistas que o rei”. De fato, as crises de confiança de 2003 e de 2016 exigiram mais do que simplesmente adotar uma boa política econômica e medidas corretas de controle fiscal e monetário.
Nos dois casos, as políticas de estabilização precisaram de um amplo esforço para mostrar que o Banco Central (BC) era, de fato, independente e que a política fiscal estava efetivamente comprometida com a estabilidade da dívida.
Nas eleições presidenciais de 2002, o discurso de campanha defendia tanto a suspensão dos pagamentos da dívida pública quanto estratégias de expansão fiscal e monetária. Não foi tarefa simples convencer os agentes econômicos de que esses sinais eram apenas estratégias eleitorais e que não deveriam ser levados a sério.
Como resultado, tanto o BC, comandado por Meirelles, quanto o Ministério da Fazenda, liderado por Antonio Palocci, tiveram que fazer mais do que o necessário. A taxa básica de juros, já bastante elevada na época, subiu ainda mais, e os excessos burocráticos no mercado cambial foram retirados. A meta para o resultado fiscal primário foi elevada de 3,75% para 4,25% do PIB.
Fazer mais do que o necessário, no entanto, tem custos econômicos e políticos. Foi preciso resiliência para enfrentar as duras críticas feitas pelo próprio governo. O livro mostra que a pressão política se manifestou por meio de boatos sobre a troca de equipe, pedidos diretos do próprio presidente, discursos no Congresso, ações judiciais e críticas públicas do vice-presidente, o empresário José de Alencar.
Como ministro da Fazenda do governo Temer em 2016, Meirelles enfrentou uma nova crise de confiança, gerada por um longo período de políticas populistas. A saída foi colocar na Constituição uma regra fiscal dura: o teto de gastos. Ao amarrar suas próprias mãos, foi possível fazer com que os agentes acreditassem que o descontrole da dívida pública seria superado, abrindo espaço para a redução dos juros e para a retomada do crescimento.
O ministro é otimista. Para ele, o país aprendeu com seus erros. Além da manutenção de legados como as reservas internacionais e a maior institucionalização das decisões de política monetária, as reformas feitas a partir de 2016 foram preservadas, e houve certa convergência de agendas, como mostram a preocupação atual em definir regras fiscais e respeitar, minimamente, a autonomia do Banco Central.
A experiência dos últimos dois anos, porém, sugere que as instituições podem avançar, mas certas crenças demoram a mudar. Cultura e valores consolidados atrapalham não apenas os processos de fusões e aquisições e mudanças corporativas — tantas vezes vividos por Meirelles no sistema bancário —, mas também influenciam as escolhas de políticas no governo.
Depois de tantas crises e reformas, ainda prevalece a visão de que o crescimento é explicado pelo gasto público, e não pelo avanço de investimentos e da produtividade no setor privado. Mesmo com os aprendizados possibilitados pela crise fiscal e inflacionária dos anos 1980, pela turbulência financeira global de 2008, pelo incrível colapso econômico, fiscal e político de 2016 e pelas incertezas produzidas pela pandemia, o tema fiscal continua sendo um desafio.
Os erros estão se repetindo. Existe uma crise de confiança na gestão econômica, gerada tanto pela reedição da crença de que “gasto é vida” — atualizada agora por meio da expressão “gasto é investimento” — quanto pela campanha coordenada pelo próprio governo contra o Banco Central, envolvendo a sociedade, a imprensa e o meio político.
O que preocupa é que, em linha com os ensinamentos do ministro, enfrentar mais uma crise de confiança exigiria apoio político para a adoção de medidas fiscais duras. Dificilmente, no entanto, o calendário eleitoral permitirá essa opção. Neste momento, nem mesmo chamar Meirelles parece ser a solução.
*Roberto Padovani é economista-chefe do banco BV