Na crista da onda, WSL comemora a “tempestade brasileira” nos negócios

Enquanto surfistas do Brasil promovem uma dinastia do País no esporte, a Liga Mundial de Surfe remodela seu conceito para atrair mais empresas à modalidade

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Imagens: Divulgação

Ivan Martinho, presidente da WSL na América Latina

Ivan Martinho é presidente da WSL na América Latina desde 2019

Dentro da água, os surfistas brasileiros têm feito história. Dos últimos dez campeonatos mundiais, sete foram vencidos por atletas do Brasil. O fenômeno ganhou uma expressão entre os fãs do esporte: “Brazilian Storm”. Mas não é apenas nas ondas do mar que o surfe tupiniquim tem conquistado feitos importantes. O aumento no número de fãs, as transmissões dos campeonatos em TV aberta, o ingresso da modalidade nas Olimpíadas e a adaptação dos formatos dos eventos têm atraído cada vez mais marcas que se associam a esse esporte no País. É a tempestade brasileira nos negócios do surfe.

O responsável pelo desenvolvimento da modalidade e das iniciativas corporativas que surfam no bom momento do surfe brasileiro é Ivan Martinho, que, desde 2019, ocupa o posto de presidente da WSL (World Surf League) na América Latina. Nesta entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, o executivo fala sobre o desenvolvimento do esporte, a atração de empresas de fora do segmento e as piscinas de ondas, que caíram no gosto dos praticantes brasileiros – o País já conta com três delas e outras sete estão em construção, o que tornará o Brasil o país com o maior número desses equipamentos no mundo.

BRAZIL ECONOMY – Como avalia o atual momento do surfe?
IVAN MARTINHO – É um momento muito especial. Nos últimos dez anos, o Brasil conquistou sete títulos mundiais. É algo espetacular, que não tem nenhum tipo de paralelo em outro esporte brasileiro. Junto com isso, há uma transformação no esporte fora da água, trazendo novos parceiros comerciais. A própria entrada da TV Globo, três anos atrás, e agora com contrato renovado até 2028 (para veiculação de notícias em multiplataformas, no canal aberto, no SporTV, GE.com, Globoplay e Canal Off), elevou a audiência do surfe, a quantidade de conteúdo disponível, as histórias sobre a vida dos atletas e outros temas que são importantes para a modalidade.

Etapa de Abu Dhabi, neste domingo, será realizada no formato de piscina de ondas
Etapa de Abu Dhabi, neste domingo, será realizada no formato de piscina de ondas

A entrada do surfe na programação dos Jogos Olímpicos também gerou efeitos positivos, certo?
Sim. Quando se tem uma disputa pelo bronze do Gabriel Medina transmitida ao vivo em horário nobre, assim como a medalha de prata da Tatiana Weston-Webb, é também uma conquista super importante. Naquele momento, a Globo (TV aberta e SporTV) chegou a 48 milhões de pessoas assistindo. Obviamente, isso traz diversos olhares. Mas o nosso desafio é fazer com que um percentual dessas bilhões de pessoas ao redor do mundo que acompanham as Olimpíadas volte a assistir ao surfe. A gente tem conseguido. E não apenas avançamos na mídia esportiva, mas também na mídia de negócios, comportamento, entretenimento, cotidiano e muito mais. Um ano depois dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, a modalidade ultrapassou os 45 milhões de fãs que acompanhavam o esporte no Brasil, segundo o Ibope Repucom. Além disso, dados da WSL também mostraram que 40% da audiência global do campeonato vem do Brasil.

O Brasil tem uma geração que representa muito bem o País na modalidade, e isso facilita um pouco também…
Neste momento, temos 12 atletas competindo na elite do surfe mundial. Temos realizado um número recorde de eventos (21 realizados em 2024), tanto com os profissionais quanto com as categorias de base, para renovar esses talentos. Houve um aumento no valor das premiações… São indicativos que mostram a evolução dessa indústria. Mas as Olimpíadas ocorrem a cada quatro anos. O desafio de qualquer esporte, não só o nosso, é manter a relevância entre uma edição e outra dos Jogos.

Com todo o trabalho que está sendo realizado, marcas de outros segmentos têm se interessado pelo surfe. Como tem sido essa evolução?
Desde que o esporte começou a ser realmente difundido, na década de 1970, ele foi basicamente financiado por marcas de roupas de surfe, como Quiksilver, Billabong e Rip Curl, que promoviam eventos para impulsionar as vendas de seus produtos para surfistas e admiradores. Esse componente do estilo de vida do surfe sempre foi muito forte. Quando chegamos em 2019, havia essas marcas e apenas uma empresa de telecomunicações, a Oi. No futebol, existiam marcas como a TIM e a Vivo, que inclusive patrocina a Seleção Brasileira. Aos poucos, fomos trabalhando para trazer outras marcas.

Ativação de marcas na estapa da WSL no Brasil
Com modelo de negócio reformulado, a WSL promove ativação de marcas na etapa brasileira

Mas qual foi o caminho?
Primeiro, fomos aumentando nosso nível de exposição na mídia. Passamos a contar com a Globo. Criamos uma nova forma de falar de surfe dentro e fora da água. Passamos a dar mais oportunidades para os atletas mostrarem suas vidas, suas rotinas, com reportagens, séries… Claro que houve interesse pelas conquistas deles, mas fomentamos o conhecimento além das vitórias, com um novo olhar para abordar essas temáticas de forma mais ampla. Essa foi a nossa fórmula para ocupar mais espaços — e espaços diferentes — que o surfe nunca tinha ocupado. Fazendo isso, fomos capazes de atrair marcas como Banco do Brasil, Red Bull, Apple Watch, Unilever (com a marca Mãe Terra), a própria Vivo, que acabou entrando no lugar da Oi, Natura… Empresas que não pertenciam ao mundo original do surfe, mas, ao entenderem as mensagens que a modalidade leva ao público, enxergaram um potencial de negócio.

Em que ponto o produto, ou seja, o evento da WSL, teve de ser remodelado para atrair mais parceiros?
Tínhamos um conceito de que nosso esporte era realizado em janelas de 10 a 11 dias, devido à natureza e à oferta de ondas. O campeonato, de fato, acontece em três ou quatro dias. Antigamente, dividíamos os dias entre days on e days off. Nos days on, tudo bem, ótimo, funcionando. Mas, nos days off, percebíamos uma certa tristeza, uma decepção. Eram dias monótonos, nada acontecia. O que fizemos? Levamos o componente do entretenimento para a praia: música, ativações de marca, interação com os atletas, treinos fechados, inspirações diversas, em diferentes formatos. Tiramos como referência a NBA e a Fórmula 1. Com isso, conseguimos criar atrativos na praia mesmo quando não há competição. Antes, a competição era o evento. Hoje, existe um evento com várias atividades, e a competição é a parte mais importante. Transformamos o que era chato em uma oportunidade para as pessoas, para as marcas e para os parceiros comerciais. Aumentamos o impacto econômico, a motivação das pessoas de estarem na praia, a ocupação dos hotéis… Mudou tudo.

E pelas marcas o esporte também é disseminado. É uma via de mão dupla, não?
O patrocínio é uma forma de falar com uma comunidade. Quando o Banco do Brasil entrou no surfe, imediatamente escolheu embaixadores de marca. Ítalo Ferreira foi um dos escolhidos para ser uma das vozes da plataforma. No minuto seguinte, ele estava na capa do aplicativo do banco, acessado por 10 milhões de pessoas. Isso tem um valor enorme. Gabriel Medina, como garoto-propaganda da Vivo, apareceu em uma propaganda no intervalo do Jornal Nacional. Milhões de pessoas assistiram. Isso cria um efeito bola de neve positivo, com uma exposição que a modalidade nunca teve, atraindo marcas, parceiros e audiência. Neste domingo, teremos a etapa de Abu Dhabi transmitida ao vivo na TV Globo. O surfe nunca foi um produto de TV aberta. Estamos chegando a mais um lugar improvável, de uma maneira muito bonita.

A etapa brasileira da WSL no ano passado, a Vivo Rio Pro, em Saquarema, movimentou quase R$ 160 milhões na economia local. Qual a importância desse impacto do evento na comunidade?
Primeiro, visitamos cidades que normalmente não recebem grandes eventos, fora das capitais. Isso traz um desafio de produção, mas temos a característica de desenvolver fornecedores locais. Saquarema é o maior exemplo disso. Esse impacto econômico é direto e indireto, envolvendo turistas, consumo, hotéis, restaurantes, varejo e uma rede de fornecedores locais. Isso tem sido espetacular. Esses fornecedores acabam, depois, trabalhando para outros eventos que acontecem na cidade e mudando de nível.

Sobre as piscinas de onda, como na etapa de Abu Dhabi neste domingo (16), o que muda no esporte? Que benefícios podem ser atraídos?
É uma invenção espetacular. A piscina de Abu Dhabi e a de Lemoore, na Califórnia, utilizam tecnologia desenvolvida pela WSL. O Brasil tem três piscinas de onda em funcionamento e mais sete em construção. Em breve, será o país com o maior número de piscinas de onda do mundo. Até o final de 2027, todas estarão prontas. Isso gera dois grandes benefícios. Do ponto de vista do esporte profissional, proporciona maior capacidade de treinamento e aperfeiçoamento, pois são ondas infinitas, sem interrupções. Isso ajuda na correção de movimentos e no aprimoramento técnico dos atletas, algo que o oceano não permite da mesma forma. Já do ponto de vista do crescimento do esporte, é uma novidade bastante convidativa. Não posso dizer que é totalmente democrática, pois, em sua maioria, as piscinas estão dentro de comunidades fechadas, como condomínios de luxo — locais tradicionalmente associados a esportes como hipismo, tênis e golfe. No entanto, sem dúvida, essa expansão aumenta o número de praticantes. A piscina não substitui o mar, mas é um excelente complemento.

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