Um plano simples para fazer crescer (ou destruir) a economia do Brasil

Prejudicar a geração distribuída pode parecer uma solução. Porém, este movimento vai esfriar os investimentos justamente quando o Brasil mais precisa

Ty Eldridge*
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Imagens: Divulgação

"Entendo a política, mas como empresário, afirmo que esse é um diagnóstico tornará o Brasil mais pobre"

"Entendo a política, mas como empresário, afirmo que esse é um diagnóstico tornará o Brasil mais pobre"

Mudei de Tóquio para São Paulo em 2017 porque acreditava (e ainda acredito) que o Brasil é um dos mercados de energia mais importantes do mundo. Vim como executivo e investidor estrangeiro e, ao longo desses oito anos, ajudei a atrair mais de R$ 2 bilhões em capital, grande parte internacional, para projetos que abastecem residências, empresas e comunidades brasileiras. Esse capital não chegou porque os investidores gostam de correr riscos. Ele veio porque o Brasil oferecia uma promessa simples: regras claras, contratos estáveis e um caminho de crescimento.

No entanto, uma campanha em curso ameaça esse cenário próspero. Concessionárias e geradoras centralizadas estão articulando para reduzir os principais benefícios da GD (Geração Distribuída), inclusive por meio de mudanças discutidas em torno da MP 1.304 e debates relacionados da Aneel. Entendo a política, mas como empresário, afirmo veementemente que esse é um diagnóstico equivocado que tornará o Brasil mais pobre.

Se olharmos os números, fica claro. Em 2024, o fornecimento interno de eletricidade do Brasil atingiu aproximadamente 763 TWh (terawatt-hora), um aumento de 5,5% em relação a 2023. O consumo final de eletricidade foi de cerca de 650 TWh. Essa diferença não é o “problema da GD”. A questão central é fornecer energia onde e quando ela é necessária, especialmente à medida que os padrões de demanda mudam com a indústria, o transporte elétrico e a próxima onda de data centers. Punir a GD não resolve o problema de tempo e localização. Apenas assusta o investidor.

Isso é importante porque as economias mais fortes funcionam com energia barata, abundante e confiável. Veja os Estados Unidos e a China: décadas de crescimento foram construídas com base em energia abundante a preços competitivos. O Brasil tem vantagens naturais (hidrelétricas, corredores eólicos, irradiação solar de classe mundial) e já alcançou uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta. Porém,  o caminho para o crescimento sustentável não é pressionar as famílias e pequenas empresas que investiram em seus próprios painéis. E sim, aumentar o fornecimento total e tornar a rede mais inteligente.

Quanto à GD em si, ela não é mais um nicho. O Brasil ultrapassou 5 milhões de unidades consumidoras que se beneficiam da geração distribuída, sendo a grande maioria pequenos sistemas domésticos. Isso não é um erro de arredondamento. É uma parcela significativa das famílias brasileiras cujas contas e resiliência melhoraram porque a política  permitiu que elas investissem. Quando você enfraquece a GD, não está “corrigindo uma distorção”. Você está dizendo a milhões de consumidores que eles fizeram a aposta errada, e está dizendo aos investidores estrangeiros que podem levar seu dinheiro para outro lugar.

Então, qual é o verdadeiro problema? E a solução? O problema é a entrega: levar a energia elétrica de uma rede até o ponto onde ela é distribuída. Isso significa usar baterias e ter uma rede moderna. O planejamento mais recente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE),  do Ministério de Minas e Energia (MME) e do Plano Decenal de Expansão de Energia 2034 PDE 2034) projeta uma expansão em grande escala e sinaliza o impacto crescente dos data centers, cerca de 2,5 GW de carga adicional até 2037. Atender a essa demanda com segurança exige  investimentos da ordem de bilhões de reais em transmissão e distribuição ao longo de uma década, além de regras claras que atraiam o capital privado.

O Estado não pode (e não deve) arcar com tudo. Precisamos incentivar os investimentos em capital fixo na rede: simplificar os leilões, acelerar o licenciamento e permitir um modelo de tarifas e retorno que reflita o risco real. O próprio PDE 2034 sinaliza uma necessidade de investimento de cerca de R$ 153 bilhões na próxima década para o setor de energia. Se fingirmos que esses investimentos podem ser financiados e, ao mesmo tempo, minarmos a confiança dos investidores em segmentos adjacentes (como a GD), estaremos nos enganando.

E quanto à justiça? Os críticos dizem que a GD “transfere custos”. A resposta não é matar o paciente, mas sim precificar os serviços adequadamente, preservando o sinal de investimento. Em todo o mundo, os reguladores evoluíram para estruturas de valor da energia distribuída, créditos variáveis no tempo e taxas modestas de serviço de rede que mantêm as famílias engajadas sem colapsar a economia. O Brasil pode fazer o mesmo. De fato, a Aneel já está se movimentando para esclarecer as regras de armazenamento de energia, que é justamente onde devemos nos concentrar para equilibrar a oferta e a demanda, e aliviar a rede nos horários de pico.

Há também um ângulo estratégico. O Brasil quer ancorar aqui a manufatura avançada, a IA e a infraestrutura em nuvem. Os data centers consomem muita eletricidade e são sensíveis ao tempo de atividade. Se quisermos esse investimento (e os empregos qualificados que ele traz), precisamos de mais energia perto dos centros de carga e  mais flexibilidade (baterias, resposta à demanda), e não uma transferência de custos mais direta; de mais capital, não de manchetes sobre mudanças retroativas nas regras. Os investidores não exigem perfeição. Eles exigem previsibilidade.

Como executivo estrangeiro que apostou sua carreira (e o futuro de sua família) no Brasil, faço um apelo: não foquem na resolução de algo que não está errado. Se o objetivo é reduzir a conta de luz de todos e aumentar a produtividade, o caminho é claro:

  1.  Manter as regras da GD estáveis e modernizar a forma como avaliamos a eletricidade ao longo do tempo e da localização
  2.   Mobilizar capital privado para transmissão e distribuição com incentivos financiáveis de longo prazo
  3.  Dimensionar o armazenamento para transferir energia renovável barata para os horários caros
  4. Acelerar as aprovações para que a energia se mova na velocidade da economia.

Prejudicar a geração distribuída pode parecer uma solução. Porém, este movimento vai esfriar os investimentos justamente quando o Brasil mais precisa deles. A atitude certa, especialmente para os autores da política, é mirar no gargalo – ou seja, na distribuição, não a geração – e enviar uma mensagem clara às famílias e aos investidores globais: o Brasil cumpre sua palavra. É assim que se obtém energia mais barata, forte crescimento e um país pronto para as indústrias baseadas em dados que podem tirar milhões da pobreza.

É a pura e simples economia, que também funciona quando se trata de energia. Vamos garantir que ela chegue onde é necessária sem quebrar a confiança daqueles que financiam o futuro do país.

*Ty Eldridge é CEO da Brasol, companhia com atuação consolidada em ativos de transição energética, tendo a Siemens e BlackRock como principais acionistas

 

 

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