Alexander Kulitz foi deputado Bundestag alemão, correspondente ao Parlamento. É o porta-voz do Partido Democrático Liberal (FDP) para as relações econômicas externas e comércio, além de membro da comissão de relações exteriores. Antes de sua eleição para o parlamento, Kulitz atuou como presidente da Wirtschaftsjunioren Deutschland e.V., a maior associação de jovens executivos e empreendedores da Alemanha. Ele é acionista e membro do conselho executivo da empresa familiar ESTA Apparatebau GmbH, advogado credenciado e presidente do conselho consultivo da RUF Automobile GmbH. Na última semana, o executivo e político alemão esteve em São Paulo e concedeu uma entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY sobre o atual relacionamento entre Brasil-Alemanha, o futuro da União Europeia, crescimento da extrema-direita na Europa, perspectivas de fechamento do acordo UE-Mercosul e outros pontos do comércio global e geopolítica atual.
Como o senhor vê a relação entre Brasil e Alemanha atualmente na questão comercial?
Eu observo um certo status quo no relacionamento bilateral entre os dois países que se dão muito bem, sem dúvida. De longe, são nossos principais parceiros na América do Sul. Acredito que existe um potencial de se fazer negócios com a América Latina como um todo, não apenas com o Brasil e por isso temos que incentivar organizações, associações, ONGs e outros players que acreditam na relação bilateral. Eles são especialmente importantes para superar os desafios que eventualmente aparecem, já que somos parceiros e devemos continuar assim.
O que o senhor pensa sobre o acordo entre Mercosul e União Europeia que deve ser fechado nos próximos anos?
A geopolítica atual inclui muitas organizações multilaterais e acredito que este tipo de acordo como o do Mercosul com a União Europeia é a melhor opção para os dois lados do Atlântico. É um caminho de cooperação para retirar barreiras sem necessidade. Aliás, eu adoro o termo “acordo de comércio”, já que isso significa que deve haver negociação e colocar questões comerciais na primeira página. Por isso que não gosto da ideia de que se coloquem questões de mercado de trabalho ou meio ambiente nestas negociações, já que estamos falando de algo estritamente comercial. Acredito ainda que o acordo deve ser concluído em breve e temos a função de convencer pessoas envolvidas sobre a importância da iniciativa. Muita gente mente sobre os impactos que o acordo traria e a história mostra que este tipo de ação que envolve cooperação sempre deu certo.
O afastamento do atual governo argentino das diretrizes do Mercosul tem o poder de minar o acordo?
Eu acredito que a maior parte das críticas ao acordo vem mais da Europa do que da Argentina, mesmo que o atual governo platino coloque alguns desafios para fechá-lo. Mas, de longe, minha grande preocupação vem de alguns países europeus que colocam entraves e isso não ocorre só na França, conhecida como o país mais resistente para fechar o acordo principalmente por questões agrícolas. Acredito que por mais que a gente mostre a importância dele ser fechado, fake news impedem empresas de apoiar o acordo UE-Mercosul, então, temos que trabalhar duro para afastar essa “ameaça abstrata” das companhias que atuam dos dois lados do oceano e mostrar a elas que só têm a ganhar caso ele se concretize.
Como o senhor vê a taxação de 50% de Trump aos produtos brasileiros?
O presidente dos EUA agiu de maneira errada ao achar que pode usar tarifas para alinhar os países às suas ideias. Mas, isso abre oportunidades para o Brasil no sentido de que abre mercados. Veja, por exemplo, o caso do etanol: com menos exportação aos EUA, o Brasil pode mandar mais deste produto para a Europa, especificamente para a Alemanha onde este pode ser usado para garantir uma economia sustentável. Até 2015 os alemães eram incentivados a utilizar combustíveis limpos, inclusive com redução de taxas, mas, isso mudou de lá para cá e o alemão precisa mudar seu comportamento sobre a importância do tema. Ao mesmo tempo, no Brasil, qualquer posto dá opção de gasolina ou etanol e isso é muito bom. Um outro ponto onde os brasileiros estão muito mais avançados que os europeus é na questão da digitalização das empresas. Então, o Brasil tem muito a nos ensinar sobre estes temas e precisamos nos esforçar para fazer a cooperação acontecer.
Como o senhor vê a situação política atual do Brasil?
Temos que respeitar a soberania de cada país, mas não é segredo que a Alemanha em sua maioria é contrária a Bolsonaro e tudo de ruim que ele fez, a ponto das principais lideranças políticas não terem coragem de ir ao Brasil se encontrar com ele. Por outro lado, com a volta de Lula ao poder, os europeus como um todo comemoraram a retomada das boas relações. Mas, a questão é que o Brasil tem seus próprios interesses e isso não cabe a nós europeus interferirmos. Sobre a situação atual, acredito que o entusiasmo com a volta de Lula diminuiu por causa de algumas decisões dele que não concordamos na Alemanha, especialmente na priorização de termos ecológicos, mas a parceria entre os dois países deve continuar de maneira saudável. A percepção do momento é que as eleições do ano que vem têm o poder de fazer grandes mudanças e claro que os países europeus têm seus candidatos preferidos e acompanham de perto, mas ao mesmo tempo a decisão do povo brasileiro deve ser respeitada, não só em nível federal, mas outras esferas. Vejo o estado de São Paulo com grande potencial de aprimorar a cooperação com a Alemanha, por exemplo. No geral, o que importa é que a Alemanha ou qualquer outro país europeu não ensine o Brasil como agir e fique apenas na esfera diplomática.
O crescimento da extrema-direita é algo que te preocupa como um defensor do livre-comércio?
Existe uma razão para entender os motivos de tantas pessoas apostarem neste projeto político e eu não acredito que é necessariamente por elas gostarem das ideias da extrema-direita. Eu acho que é mais uma decepção com a falta de alternativas dos outros lados, inclusive aqueles que estão no governo. E isso não é apenas na Alemanha e sim um fenômeno global por meio de movimentos populistas e nacionalistas. Veja por exemplo o caso da França onde a extrema-direita me assunta mais que na Alemanha. A ideia da maior parte destes movimentos é reforçar as ideias nacionalistas dos países e reduzir o papel da União Europeia, o que é algo muito perigoso inclusive para que os países europeus mantenham suas relações comerciais com outras regiões do mundo, inclusive o Brasil.
Angela Merkel foi a grande liderança da Alemanha neste século até o momento e agora seu partido (Conservador) voltou ao poder com Friedrich Merz. Como o senhor analisa o cenário político alemão atual?
Merz e Merkel são do mesmo partido, mas tem uma visão completamente diferente de governabilidade e de ver a economia. Eles nunca foram amigos e nunca serão. Acredito que Angela Merkel posicionou a Alemanha de uma boa maneira no cenário internacional, considerando a história do país, e isso levou a muitos ganhos. Mas, quando falamos do que ela fez internamente, não sou um grande fã do seu trabalho, especialmente na parte econômica. Olaf Scholz também não fez um bom trabalho e agora o partido de Merkel voltou com Friedrich Merz e temos que dar uma chance a ele, mas está muito no começo para saber como será. O que sei é que são muitos desafios, como a questão da segurança pública e a importância de aumentar investimentos em áreas que sempre foram importantes para a Alemanha, como a indústria automotiva. Na área internacional, acredito que ele quer construir e manter uma boa relação com outros países, inclusive com o Brasil e a América Latina.
Como o senhor vê o futuro da União Europeia?
Eu estou muito preocupado, principalmente sobre a França, onde eles enfrentam grandes problemas econômicos e como eu disse sofrem com o avanço da extrema-direita, o que ameaça a União Europeia. Mas, ainda acredito que este bloco europeu ainda é o melhor projeto que temos e é importante apontar seus erros para melhorá-lo. Veja o caso do Reino Unido, Polônia e Hungria que criticam a União Europeia por causa de seu excesso de burocracia, o que é um problema, junto com excesso de regulações que o bloco ainda faz. Isso nos afasta de trazer investimentos importantes, como em inteligência artificial. O que falta é fazer nossa própria lição de casa para lidar com outros blocos que vem ganhando força, como o próprio BRICS.