O Brasil se prepara para dar um passo decisivo na regulação de seu mercado de carbono. Embora ainda não cobre impostos diretos sobre emissões, o país caminha para implantar um sistema de comércio de créditos que deve movimentar bilhões de reais nos próximos anos. A medida é vista como uma ferramenta essencial para reduzir gases de efeito estufa, mas também impõe desafios de governança, tecnologia e fiscalização que podem determinar o sucesso ou o fracasso dessa nova fronteira econômica.
Aprovado no fim de 2024, o marco legal do mercado regulado de carbono estabelece as bases do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). O projeto, segundo estimativas do Partnership for Market Readiness (PMR), pode gerar até R$ 128 bilhões em receitas. O plano de implementação, que ficará sob responsabilidade do Governo Federal, deve definir as regras para funcionamento, monitoramento e certificação dos créditos.
Esses créditos representam certificados monetários equivalentes a uma tonelada de CO₂ que deixou de ser emitida ou foi removida da atmosfera. São emitidos a partir de projetos de reflorestamento, energias renováveis, agricultura de baixo carbono e mitigação climática. No país, há dois tipos de mercado: o voluntário, já consolidado, e o regulado, que aguarda regulamentação final. No voluntário, empresas e pessoas físicas compram créditos por iniciativa própria para compensar emissões e reforçar compromissos ambientais. O regulado, mais complexo, definirá limites obrigatórios de emissão e exigirá o registro de inventários auditados.
A coordenação do SBCE será feita pela Secretaria Extraordinária de Mercado de Carbono, vinculada ao Ministério da Fazenda. A iniciativa deve impactar diretamente os setores de uso da terra, agricultura e indústria, responsáveis por mais de 75% das emissões brasileiras. O sistema permitirá ainda a utilização de metodologias certificadas de compensação, como os projetos REDD+, voltados à redução de emissões por desmatamento e degradação florestal.
Empresas e cidadãos poderão participar do mercado por meio de plataformas digitais como Gold Standard Marketplace, ONU Climate Neutral Now, BVRio e Carbonext. Companhias de grande porte tendem a operar por meio de corretoras especializadas e bancos, que negociam grandes volumes e ajudam a escolher projetos alinhados à estratégia ambiental corporativa.
De acordo com pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 44% dos empresários enxergam o novo marco legal como oportunidade de negócio e inovação. O estudo mostra ainda que 66% das indústrias têm interesse em linhas de crédito para investir em ações sustentáveis, índice que chega a 85% nas regiões Norte e Centro-Oeste.
O governo pretende apresentar durante a COP30, em Belém, um plano para integrar os mercados de carbono do mundo, criando uma coalizão internacional que estabeleça um preço comum de carbono para setores como aço, alumínio, cimento e fertilizantes. Países fora da aliança pagariam um ajuste de fronteira para exportar esses produtos, medida inspirada no mecanismo europeu CBAM, que entra em vigor em janeiro de 2026.
A lógica do mercado regulado é simples: a poluição tem um custo social que deve ser incorporado aos preços de mercado. O sócio da área ambiental do VLF Advogados e professor da UFMG, Leonardo Alves Corrêa, explica que “as emissões de gases de efeito estufa provocam danos ambientais e custos sociais não arcados por quem polui. Ao atribuir valor econômico às emissões, o Estado internaliza esse custo, tornando atividades mais poluentes menos competitivas e incentivando inovação e eficiência”.
Segundo o especialista, há dois modelos principais de precificação de carbono no mundo. O primeiro é o carbon tax, que define um tributo fixo por tonelada de CO₂ emitida. O segundo é o cap and trade, ou sistema de comércio de emissões, em que o governo estabelece um teto global e distribui cotas entre empresas. Quem emitir menos pode vender créditos a quem ultrapassar o limite. “O Brasil rejeitou o imposto sobre carbono, mas optou por criar um mercado regulado, com apoio significativo do setor empresarial”, destaca Corrêa.
A construção do mercado regulado, no entanto, é um projeto de longo prazo. O processo foi dividido em cinco fases progressivas, com conclusão prevista para 2027. O SBCE prevê a criação de um órgão gestor responsável por regulamentar e supervisionar o sistema. Contudo, ainda há indefinição sobre a estrutura institucional definitiva. O governo indica que, inicialmente, a gestão ficará sob responsabilidade da Subsecretaria de Desenvolvimento Sustentável (SDES), até que se decida sobre uma agência reguladora permanente.
Para Corrêa, essa indefinição expõe uma contradição no modelo brasileiro. “Ao optar pelo sistema de comércio de emissões e rejeitar o imposto sobre carbono, o país talvez não tenha dimensionado o custo de implementar um mercado funcional. Isso exige uma estrutura robusta, sistemas de monitoramento confiáveis e órgãos com independência técnica. Sem recursos e governança adequados, o sistema pode nascer frágil”, alerta.
Mesmo com a sanção da Lei nº 15.042/2024, diversos mecanismos ainda dependem de regulamentação. Um dos pontos mais sensíveis é definir se créditos do mercado voluntário poderão ser usados no regulado. A lei prevê essa possibilidade, desde que os créditos atendam a critérios de elegibilidade que serão definidos pelo órgão gestor.
O advogado pondera que essa integração pode gerar estabilidade de demanda e fortalecer economicamente o mercado voluntário, mas também traz riscos. “Projetos de créditos de carbono ligados a florestas podem gerar disputas fundiárias com comunidades tradicionais e povos indígenas se a repartição de benefícios não for justa. Sem certificação rigorosa, há o perigo de que créditos de baixa qualidade comprometam a credibilidade do sistema”, afirma.
O sucesso do mercado brasileiro de carbono dependerá, portanto, de sua capacidade de equilibrar ambição climática, segurança jurídica e viabilidade econômica. Se bem estruturado, o país pode transformar sua biodiversidade em vantagem competitiva e consolidar-se como potência verde global. Caso contrário, a promessa de uma nova economia verde pode se perder em meio à burocracia, à falta de governança e à instabilidade regulatória.