Com a Selic em 15%, inflação resistente e um tabuleiro político em reorganização, o setor produtivo brasileiro vive um teste de estresse. Para captar o pulso dessa travessia, o BRAZIL ECONOMY ouviu os presidentes de sete entidades-chave: Antonio Carlos Souza dos Santos (SESCON-SP), Roberto Mateus Ordine (ACSP), Flávio Roscoe (FIEMG), Ricardo Alban (CNI), José Roberto Tadros (CNC), Tirso Meirelles (Sistema FAESP/SENAR-SP e vice-presidente do SEBRAE-SP) e Tadeu Silva (ACREFI).
Do ponto de vista de todos, previsibilidade, menos burocracia e competição mais aberta são condições de base. As ênfases, porém, mudam conforme o setor: crédito e liquidez para pequenas e médias, eficiência e produtividade na indústria e no agro, e segurança regulatória para o comércio e serviços.
Selic em 15%: preservar investimento e emprego
Juro alto pressiona capex, margens e fornecedores. A resposta, segundo os dirigentes, passa por gestão mais enxuta no curtíssimo prazo e agenda estrutural para elevar produtividade.
- Flávio Roscoe (FIEMG): “O primeiro passo é aprimorar a gestão para reduzir custos e compensar a desaceleração.” O ganho de eficiência abre espaço para descontos e suaviza a queda nas vendas.
- Roberto Mateus Ordine (ACSP): “É preciso um choque de gestão ao longo de 12 meses para enfrentar o custo de capital e a provável retração da demanda.”
- Antonio Carlos Souza dos Santos (SESCON-SP): “Linhas de crédito subsidiadas preservam caixa e empregos no curto prazo.”
- Tadeu Silva (ACREFI): “Financiamento e capacitação dão segurança a empresários e equipes para manter a operação sem comprometer a sustentabilidade.”
- José Roberto Tadros (CNC): “Além do imediato, previsibilidade de longo prazo para que o comércio planeje expansão.”
- Tirso Meirelles (FAESP/SENAR-SP): “No agro, eficiência e tecnologia contrabalançam o encarecimento do crédito rural.”
A CNI considera o atual patamar de juros “incompatível com crescimento sustentável” e propõe três frentes:
- Emergencial: capital de giro acessível, antecipação de créditos tributários e suporte às MPEs.
- Em até 90 dias: ampliar BNDES para modernização e proteção do emprego.
- Em 12 meses: crédito de longo prazo, inovação e capacitação para ganhar resiliência.
Síntese: há consenso sobre medidas imediatas de liquidez e redução de custos combinadas a gestão, qualificação e inovação. Divergem as prioridades (caixa/margem vs. eficiência/tecnologia), mas todos defendem respostas rápidas e coordenadas.
Política, eleições e previsibilidade
Com 2026 no horizonte, a incerteza eleitoral afeta o cronograma de investimentos.
- CNC (Tadros): “Empresários adiam decisões estratégicas até terem clareza.”
- FAESP/SENAR-SP (Meirelles): volatilidade em subsídios e crédito rural freia planos no campo.
- ACSP (Ordine) e FIEMG (Roscoe): estabilidade regulatória e tributária é insumo de competitividade.
- SESCON-SP (Souza dos Santos) e ACREFI (Silva): pedem calendário regulatório anual e avanço de reformas (como a administrativa).
- CNI (Alban): propõe “pacto de nação” com diretrizes de 30 anos para emprego, ciência, tecnologia e inovação, redução do Custo Brasil e previsibilidade fiscal.
Ponto comum: segurança jurídica e coordenação de reformas para mitigar o “efeito eleição” sobre investimento, emprego e crescimento.
Tarifaço dos EUA e cadeias globais
Tarifas elevadas impostas pelos EUA reacenderam o debate sobre abertura e diversificação.
- FIEMG (Roscoe): maior abertura reduziria custos de insumos, máquinas e equipamentos.
- ACSP (Ordine): urge diversificar mercados e firmar acordos com Europa e México.
- SESCON-SP e ACREFI: apoio via compliance, tecnologia e crédito às empresas expostas.
- CNC (Tadros) e FAESP/SENAR-SP (Meirelles): ampliar destinos e fortalecer vendas regionais para diluir riscos.
- CNI: alerta para forte alcance do tarifaço sobre a pauta exportadora e articula três frentes: negociação com os EUA por exceções, parcerias em setores estratégicos (data centers, combustíveis sustentáveis, minerais críticos) e suporte técnico ao governo brasileiro.
Diagnóstico: só abertura gradual, diversificação e suporte às exportadoras reduzem a vulnerabilidade e protegem a competitividade no médio e longo prazo.
Pacto fiscal e trajetória dos juros
A equação é conhecida: credibilidade fiscal reduz prêmio de risco e abre espaço para cortes sustentáveis da Selic.
- FIEMG (Roscoe): o arcabouço atual não conteve a dívida; isso encarece tudo.
- ACSP (Ordine): regra rígida e estável possibilitaria queda consistente dos juros em cerca de um ano.
- CNC (Tadros): rever renúncias ineficientes e vincular novos gastos a fontes claras.
- FAESP/SENAR-SP (Meirelles): previsibilidade para investimentos de longo prazo no agro.
- SESCON-SP e ACREFI: segurança jurídica para MPEs e investidores.
- CNI (Alban): responsabilidade fiscal deve caminhar com agenda de produtividade e inovação, para que os cortes de juros sejam sustentáveis.
Convergência: um pacto fiscal crível destrava investimento, emprego e crescimento — desde que respeitado e bem comunicado.
Políticas sociais: proteção com foco em autonomia
Todos convergem: inflação baixa, educação e capacitação ancoram a proteção aos vulneráveis sem romper a consolidação fiscal.
- FIEMG (Roscoe) e ACSP (Ordine): controlar a inflação é a melhor política social.
- CNC (Tadros) e FAESP/SENAR-SP (Meirelles): qualificação e empregabilidade reduzem dependência de auxílios.
- SESCON-SP e ACREFI: microcrédito produtivo, simplificação tributária e assistência técnica fortalecem pequenos negócios.
- CNI (Alban): políticas sociais conectadas a inovação e infraestrutura social ampliam oportunidades e fortalecem a base produtiva.
Trinca essencial: inflação sob controle, educação e emprego — combinados a inclusão financeira para os menores.
Investimento público e reformas: recuperar a competitividade
O caminho de longo prazo: infraestrutura física e digital, capital humano e ambiente de negócios simples.
- FIEMG (Roscoe): atacar o Custo Brasil (logística, inovação, qualificação).
- ACSP (Ordine): carência de mão de obra qualificada é gargalo reincidente.
- FAESP/SENAR-SP (Meirelles): tecnologia e assistência técnica elevam produtividade no campo.
- CNC (Tadros): modernização administrativa e simplificação tributária aliviam custos do comércio.
- SESCON-SP e ACREFI: digitalização, inovação e previsibilidade regulatória atraem capital.
- CNI (Alban): sem programa robusto de infraestrutura e abertura comercial, o Brasil perde terreno externo.
Prioridades setoriais variam, mas a estratégia integrada (infraestrutura + inovação + qualificação + reformas) é consenso.
Banco Central: autonomia com coordenação mínima
Há acordo amplo sobre a autonomia técnica do BC como pilar de credibilidade.
- ACSP (Ordine) e SESCON-SP (Souza dos Santos): autonomia com coordenação institucional limitada e transparente.
- FIEMG (Roscoe) e FAESP/SENAR-SP (Meirelles): independência técnica é prioridade absoluta.
- ACREFI (Silva) e CNC (Tadros): transparência e comunicação clara reduzem incerteza.
- CNI (Alban): sem previsibilidade fiscal e estabilidade política, a política monetária perde efetividade.
Essencial: BC autônomo, política fiscal crível e comunicação consistente para equilibrar inflação, atividade e confiança.
O quadro geral
Da indústria ao agro, do comércio aos serviços e ao crédito, emerge uma agenda comum:
- Previsibilidade (fiscal, regulatória e eleitoral).
- Liquidez de curto prazo para manter empresas e empregos.
- Produtividade via gestão, tecnologia e qualificação.
- Abertura e diversificação para reduzir vulnerabilidade externa.
- Autonomia do BC com comunicação clara e coordenação mínima.
- Políticas sociais ancoradas em educação e empregabilidade.
O recado é direto: o Brasil tem potencial para crescer, mas precisa sincronizar política monetária, fiscal e social; acelerar infraestrutura e reformas; e oferecer regras claras que reduzam risco e atraiam investimento. A confiança do setor privado (e a continuidade de uma economia real capaz de gerar empregos) dependerá da capacidade de transformar essa pauta consensual em execução consistente.