O boom da IA é insustentável, a menos que os gastos se tornem esporádicos

O alerta partiu do Deutsche Bank, que acendeu a luz amarela sobre a dependência da economia em relação aos investimentos de Inteligência Artifcial

Jim Edwards (Fortune)
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Imagens: Fu Ding/Beijing Youth Daily/VCG via Getty Images

Deutsche Bank concluiu que o nível atual de investimentos em IA é tão elevado que está evitando a recessão nos EUA

Deutsche Bank concluiu que o nível atual de investimentos em IA é tão elevado que está evitando a recessão nos EUA

Nos últimos dois anos, a inteligência artificial deixou de ser apenas uma promessa para se tornar protagonista do debate econômico, empresarial e até político. A corrida por maior capacidade de processamento, impulsionada por modelos generativos cada vez mais sofisticados, transformou empresas de tecnologia em motores da economia global, com destaque para os Estados Unidos. Mas, na mesma velocidade em que os números impressionam, surgem os alertas sobre a sustentabilidade desse movimento. O mais recente veio do Deutsche Bank, que em nota a clientes afirmou que o boom da IA só será sustentável se os gastos em tecnologia seguirem em ritmo “parabólico” ou esporádico, algo considerado altamente improvável.

George Saravelos, chefe de estratégia global do Deutsche Bank, foi enfático: “Em um sentido quase literal, as máquinas de IA parecem estar salvando a economia americana neste momento”. O raciocínio é simples. Sem os investimentos bilionários em infraestrutura tecnológica (servidores, data centers, energia elétrica), os Estados Unidos estariam muito próximos de uma recessão já em 2025.

Esse diagnóstico ajuda a explicar o peso que empresas como Nvidia, Microsoft, Google e Amazon assumiram no crescimento do PIB americano. A Nvidia, em especial, tornou-se um símbolo dessa transformação. Hoje, a fabricante de chips de alto desempenho é vista como a principal fornecedora de equipamentos essenciais para a expansão da IA, a ponto de, segundo Saravelos, “carregar o crescimento econômico dos EUA nas costas”.

Se por um lado o Deutsche Bank acendeu a luz amarela sobre a dependência da economia em relação aos investimentos de IA, outro estudo adicionou preocupação. O relatório global de tecnologia da Bain & Co. revelou que, até 2030, o mundo precisará gerar cerca de US$ 2 trilhões em receitas anuais adicionais apenas para financiar o poder computacional necessário para atender à demanda prevista de IA.

O problema é que, mesmo considerando os ganhos de eficiência proporcionados pela própria inteligência artificial, a conta não fecha: haverá um déficit estimado em US$ 800 bilhões. Essa lacuna sinaliza que o atual ritmo de investimentos pode não se sustentar a longo prazo, criando riscos não apenas para empresas de tecnologia, mas para a economia global como um todo.

Boa parte dessa escalada nos mercados tem nome e sobrenome: as “Magníficas 7” (Apple, Microsoft, Alphabet-Google, Amazon, Nvidia, Meta e Tesla). Juntas, elas concentraram grande parte dos ganhos do S&P 500 em 2025. Enquanto o índice subiu 13,81% até setembro, a versão de igual peso, que considera todas as companhias listadas sem privilégio às maiores, avançou apenas 7,65%.

Em outras palavras, foram essas gigantes que puxaram o mercado para cima, deixando os outros 493 papéis em posição secundária. A concentração preocupa analistas. Para Torsten Sløk, da Apollo Management, o otimismo em torno da IA está inflado: “As revisões positivas de lucro para 2026 do S&P 500 vêm inteiramente das Magníficas 7. O restante da economia mantém expectativas deprimidas”.

O contraponto otimista do Goldman Sachs

Nem todos os bancos de investimento compartilham do pessimismo. O Goldman Sachs publicou na mesma manhã uma visão mais otimista, projetando que a IA pode trazer ganhos expressivos de produtividade. Segundo Manuel Abecasis e sua equipe, os avanços tecnológicos devem acrescentar 0,4% ao PIB nos próximos anos, chegando a um impacto acumulado de 1,5% no longo prazo.

A lógica é que, à medida que a IA se populariza e se torna parte do dia a dia das empresas, trabalhadores e organizações poderão produzir mais com os mesmos recursos. Essa eficiência elevaria a chamada produtividade total dos fatores (TFP), motor fundamental do crescimento econômico.

Independentemente das projeções, um dado chama a atenção: a escala dos investimentos em infraestrutura de IA. Segundo cálculos do Goldman Sachs, os gastos de capital (Capex) somaram US$ 368 bilhões até agosto de 2025. Esses números envolvem não apenas aquisição de chips e servidores, mas também a construção de data centers e redes de transmissão de energia capazes de suportar o consumo voraz da IA.

Esse esforço massivo levanta outra questão: o crescimento atual não vem necessariamente da aplicação prática da IA, mas da corrida para construir capacidade. “Estamos expandindo fábricas e data centers para suportar a IA. O crescimento econômico advém disso, e não ainda do valor efetivamente gerado pela tecnologia”, apontou Saravelos.

O alerta do Deutsche Bank não se limita ao impacto macroeconômico. Segundo Jim Reid, analista do banco, a dependência de poucos papéis tecnológicos está distorcendo o mercado acionário americano. Essa superexposição pode gerar vulnerabilidades no caso de uma correção repentina, sobretudo se as expectativas de receita futura não se confirmarem.

A concentração extrema no S&P 500 reforça esse risco. Se uma ou duas dessas companhias sofrerem queda significativa, os reflexos podem ser desproporcionais para o índice e, por extensão, para a confiança dos investidores globais.

Cenário internacional e criptomoedas

Enquanto analistas debatem a sustentabilidade do boom da IA, os mercados globais seguem em movimento. Antes da abertura em Nova York, os futuros do S&P 500 estavam estáveis, após o índice atingir recorde histórico de 6.693,75 pontos. Na Europa, o STOXX 600 subia 0,48%, enquanto o FTSE 100 de Londres avançava 0,35%.

Na Ásia, o Nikkei 225 do Japão teve alta de 0,99%, o KOSPI da Coreia do Sul ganhou 0,51% e o CSI 300 da China ficou estável. Na Índia, o Nifty 50 encerrou a sessão também sem grandes variações. Já o Bitcoin continuou em sua trajetória de valorização, cotado a US$ 113,1 mil.

A discussão sobre a sustentabilidade do boom da inteligência artificial está apenas começando. De um lado, instituições como o Deutsche Bank e a Bain & Co. alertam para o risco de que a conta não feche, caso os investimentos não consigam se manter em curva exponencial. De outro, casas como o Goldman Sachs projetam um futuro de ganhos de produtividade que podem transformar a IA em um dos maiores vetores de crescimento do século XXI.

O que parece certo é que o mundo vive uma corrida sem precedentes. Seja para sustentar os avanços atuais, seja para evitar que o sonho tecnológico se transforme em bolha, empresas, governos e investidores precisarão equilibrar expectativas e realidades financeiras. A inteligência artificial promete revolucionar a economia – mas, como mostram os relatórios recentes, o preço dessa revolução pode ser mais alto do que se imaginava.

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