A portas fechadas, CEOs dizem que Trump é ruim para os negócios e pedem MAGA alternativo

A crítica mais frequente foi que o presidente construiu intencionalmente um cenário de caos, medo e incerteza, que mina a previsibilidade dos negócios e desgasta a confiança em instituições

Jeffrey Sonnenfeld e Stephen Henriques (Fortune)
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Imagens: Getty Images

As tarifas comerciais impostas pelo presidente Donald Trump ocupam o centro das críticas

As tarifas comerciais impostas pelo presidente Donald Trump ocupam o centro das críticas

Enquanto os holofotes políticos em Washington giram em torno dos embates de Donald Trump com o Congresso, com a mídia e até com a própria Justiça, um grupo seleto de líderes empresariais norte-americanos tem feito duras avaliações sobre o impacto do atual governo na economia. A portas fechadas, em um encontro sob as regras de confidencialidade do Chatham House, mais de cem CEOs de algumas das maiores companhias do mundo foram diretos: as políticas de Trump não funcionam para os negócios.

O encontro ocorreu na capital americana, promovido pelo Yale Chief Executive Leadership Institute, no seu 155º fórum. A reunião juntou senadores dos dois partidos, autoridades do alto escalão do governo e executivos da Fortune 500. Mas, longe das câmeras, o tom não foi de reverência. Pelo contrário: o que se ouviu foi uma espécie de catarse coletiva, com executivos descrevendo Trump como um risco às bases do sistema econômico dos Estados Unidos.

A crítica mais frequente foi que o presidente construiu intencionalmente um cenário de caos, medo e incerteza, que mina a previsibilidade dos negócios e desgasta a confiança em instituições centrais como o Federal Reserve, o Pentágono e órgãos de inteligência como o FBI e a CIA. Para CEOs que valorizam estabilidade acima de tudo, esse ambiente equivale a areia movediça: cada decisão empresarial pode se tornar obsoleta em questão de semanas, dependendo de um novo decreto ou de tarifas súbitas.

Embora haja apoio pontual a medidas como o incentivo à manufatura nacional, a visão geral é de que os ganhos de curto prazo não compensam a destruição de longo prazo. “Estamos esvaziando a base econômica construída ao longo de décadas, sob governos democratas e republicanos”, resumiu um executivo.

As tarifas comerciais impostas por Trump ocupam o centro das críticas. Dois terços dos CEOs presentes afirmaram que elas prejudicaram diretamente seus negócios. Estimativas feitas no fórum apontam que 80% do impacto recai sobre empresas americanas e consumidores locais, e não sobre competidores estrangeiros.

Empresas como Gap, Ford, Stanley Black & Decker, Nike, Conagra, Procter & Gamble, Home Depot, Best Buy, Macy’s, Target e Walmart já se manifestaram publicamente contra os efeitos das medidas. Muitas vêm tentando amortecer os custos remanejando cadeias de suprimento, suspendendo contratações ou até promovendo demissões em massa. Mas o espaço de manobra diminui a cada mês.

Um dos depoimentos mais contundentes veio de um CEO do setor industrial:

“Se o governo quer proteger setores estratégicos, precisa dar condições para que eles prosperem. Não basta impor tarifas e imaginar que tudo vai voltar para os EUA. Há setores em que faz sentido produzir internamente, mas em outros, simplesmente não é realista.”

 

O resultado desse ambiente é um congelamento dos investimentos. Menos da metade dos CEOs declarou ter aumentado aportes em fábricas e infraestrutura nos EUA desde o chamado “Dia da Libertação”, marco das novas medidas protecionistas. E mesmo entre os que investiram, poucos acreditam que haverá retorno relevante.

A insegurança jurídica amplia esse efeito. Cerca de 75% dos executivos acreditam que as tarifas são ilegais, conforme já apontaram tribunais federais. Caso a Suprema Corte confirme esse entendimento, o colapso da estratégia econômica de Trump pode ser imediato — e as empresas, mais uma vez, teriam de refazer seus planos do zero.

A independência do Fed sob ataque

Outro ponto crítico é a pressão de Trump sobre o Federal Reserve. Mais de três quartos dos CEOs disseram que o presidente prejudica os interesses do país ao tentar forçar cortes de juros. Para a maioria, ele danificou de forma duradoura a independência da instituição — algo considerado vital para manter o dólar como moeda de reserva global.

Um banqueiro de um grande conglomerado foi taxativo:

“A única peça que garante a confiança internacional no dólar é a independência do Fed. Atacar isso é minar o próprio fundamento da moeda.”

Nem tudo é crítica. Houve reconhecimento a iniciativas que trouxeram resultados concretos, como a parceria de US$ 2,5 bilhões entre a Apple e a Corning no Kentucky, incentivada pelo governo. Mas esses elogios foram pontuais diante de preocupações mais amplas.

Os CEOs enxergam na guinada de Trump um estatismo de viés socialista, no qual o governo interfere diretamente no mercado, adquire participações em companhias privadas (como Intel e MP Materials), impõe cláusulas de divisão de receita e até exige “golden shares” para autorizar fusões estratégicas. “Isso se parece mais com a China do que com a América que conhecemos”, ironizou um executivo.

A crítica também extrapola a economia doméstica. O excesso de incerteza é visto como um presente para a China, que ganha espaço junto a fornecedores e clientes globais. Em março, 85% dos CEOs já apontavam essa vulnerabilidade; agora, dizem que ela se confirmou.

Nas relações com a Rússia e a Ucrânia, o pessimismo é semelhante: três quartos dos líderes afirmaram que a situação piorou desde que Trump reassumiu a presidência. A mesma proporção teme que os avanços diplomáticos no Oriente Médio, conquistados com os Acordos de Abraão, estejam sendo desperdiçados.

Chamado para restaurar a América

Esse coro empresarial ecoa pesquisas de opinião pública. Dados de institutos como Ipsos, Gallup e Quinnipiac mostram que a aprovação de Trump está entre as mais baixas já registradas para um presidente em seu primeiro ano de mandato, superando até os índices de impopularidade de George W. Bush no mesmo período.

Após nove meses de governo, há um desejo explícito de retorno à normalidade: respeito ao equilíbrio de poderes, reforço das alianças internacionais, valorização da independência técnica de especialistas, liberdade de expressão e fim da política de intimidação contra países, empresas e cidades.

Em resumo, o recado dos CEOs é claro: é hora de fazer a América ser a América de novo.

Quando um deles comparou o slogan “MAGA” ao movimento maoísta, não houve indignação ou discordância na sala. Muito pelo contrário.

 

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