RB Investimentos busca investidores para expandir ferrovias. China é potencial interessada

Segundo o relatório da plataforma financeira, os cinco maiores projetos somam 5.300 quilômetros e exigirão aporte de R$ 100 bilhões. Iniciativa privada deve ser responsável por 80% dos investimentos

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Imagens: Divulgação / Ricardo Botelho-MInfra

Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos: chineses são os mais interessados em investir nas ferrovias

Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos: chineses são os mais interessados em investir nas ferrovias

Depois de tantos anos negligenciando investimentos na malha ferroviária, o Brasil tem se movimentado um pouco mais para, enfim, avançar nesse setor. Para se aproximar de players da área e encontrar possíveis investidores, a RB Investimentos, que tem R$ 3 bilhões sob custódia, lançou um relatório para alertar o mercado sobre o momento positivo que o Brasil oferece para quem quer investir no modal ferroviário.

Para o economista Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, só há uma maneira de chamar a atenção de investidores para o fato de que o País finalmente quer investir nesse modal. “É necessário mostrar que o Brasil tomou decisões erradas no passado e que as ferrovias podem trazer grandes ganhos para o País. É a única maneira de tirar um pouco desse atraso”, enfatizou, ao comentar o relatório ao qual o BRAZIL ECONOMY teve acesso com exclusividade.

O governo federal prevê leiloar mais de 7.000 quilômetros de ferrovias até 2026, entre projetos novos, trechos remanescentes e renovações antecipadas, e precisa da iniciativa privada para ter sucesso nesse processo. Considerando apenas os cinco maiores projetos, o relatório destaca que, juntos, eles somam mais de 5.300 quilômetros e exigirão investimentos da ordem de R$ 100 bilhões, com expectativa de 20% desse valor provenientes do orçamento público e o restante da iniciativa privada.

“Nos dois primeiros mandatos do presidente Lula, o pré-sal trouxe muita riqueza e a percepção de que o Estado faria tudo. Hoje, a iniciativa privada é essencial para a viabilização dos principais projetos, e o governo atual entendeu isso, como mostram as posturas recentes do próprio presidente, do vice Geraldo Alckmin e do ministro dos Transportes, Renan Filho, que defendem um programa muito robusto de ferrovias para o Brasil”, afirmou Cruz.

Governo federal prevê leiloar mais de 7.000 quilômetros de ferrovias até 2026, entre projetos novos, trechos remanescentes e renovações antecipadas
Governo federal prevê leiloar mais de 7.000 quilômetros de ferrovias até 2026, entre projetos novos, trechos remanescentes e renovações antecipadas

Entre os mais importantes, destaque para o Ferrogrão, que terá 1.072 quilômetros e ligará Lucas do Rio Verde (MT) a Miritituba (PA). É um projeto estratégico, mas enfrenta entraves ambientais e disputas judiciais que ainda atrasam seu cronograma. Já a Ferrovia Transnordestina terá 620 quilômetros em um segmento previsto entre Eliseu Martins (PI) e Pecém (CE).

O projeto já foi licitado parcialmente, mas enfrenta dificuldades operacionais e renegociações contratuais. A Ferrovia de Integração Oeste-Leste terá mais de 2.000 quilômetros, e um dos trechos mais estratégicos é o que corta a Bahia, entre Ilhéus e Barreiras, visando conectar o interior produtivo do Oeste baiano ao litoral.

A construção do túnel submerso entre Santos e Guarujá, anunciada nas últimas semanas, também deve ajudar a destravar investimentos na malha ferroviária que liga São Paulo ao porto de Santos.

“Quanto mais completa a rede ferroviária, mais valor ela tem em termos estratégicos. Às vezes, uma determinada produção que fica mais perto dos portos de Ilhéus, na Bahia, ou Pecém, no Ceará, precisa ir até Santos (SP), já que não existem muitas ligações para esses portos no Nordeste. Se essas conexões forem feitas, é possível diminuir o fluxo de mercadorias escoadas pelo Porto de Santos e deixar espaço para que ele receba produtos de maior valor agregado produzidos no Sudeste”, disse Gustavo Cruz.

O estudo mostra que, atualmente, o Brasil mantém 63% de sua carga movimentada por caminhões. Essa dependência acentuada impõe pressões significativas sobre os custos logísticos nacionais, com impactos diretos sobre a inflação de alimentos, fertilizantes e insumos industriais, dada a centralidade do modal rodoviário na distribuição interna.

A paralisação dos caminhoneiros em 2018 expôs de forma aguda a fragilidade da elevada dependência energética e modal da economia brasileira. O resultado é um sistema de transporte caro, ineficiente, com baixa capilaridade de modais integrados e gerador de grandes externalidades negativas nas áreas ambiental, social e econômica.

“A malha rodoviária no Brasil é bem mais desafiadora, ineficiente e cara. Transportar por ferrovia custa quatro vezes menos e, nas conversas com empresários, isso já vem sendo dito, ao contrário de antes. A gente olha para Bolívia, Paraguai ou mesmo países da África que sofrem com a falta de acesso ao mar e são totalmente dependentes dos vizinhos. Por isso, não faz sentido que o Brasil não explore seu litoral, que é enorme, por meio de ligações ferroviárias.”

O material deixa claro como o sucesso do desenvolvimento econômico de alguns países está diretamente ligado ao investimento em diversificação nos modais de transporte: os EUA e a China têm 43% de suas cargas transportadas via ferrovias e 32% por rodovias, enquanto no Brasil esse índice é de 24% e 68%, respectivamente. A União Europeia, por outro lado, chega a 40% de transporte de cargas via hidroviário. Já países vizinhos subdesenvolvidos têm índices parecidos com o do Brasil: a Colômbia tem 69% do transporte de cargas feito por rodovias, enquanto na Argentina esse número chega a 90%.

Interesse de chineses

Gustavo Cruz acredita que o momento é ideal para receber investidores interessados no potencial ferroviário do Brasil: “Há algum tempo existia uma animosidade grande de investidores estrangeiros em olhar para a malha ferroviária brasileira, mas a leitura é que hoje se precisa do capital externo. Nesse cenário, a China é o país mais interessado.”

Como exemplo, ele cita a ligação entre o Acre e o porto de Chancay, no Peru, que deve se tornar um dos projetos de engenharia mais ousados do século XXI: o cruzamento da Cordilheira dos Andes. O Brasil e a China firmaram, em julho de 2025, um acordo para estudar a construção dessa ferrovia, que se chamará Corredor Bioceânico Ferroviário. O objetivo é criar uma rota alternativa de exportação para o Oceano Pacífico, reduzindo em até 12 dias o tempo de escoamento de mercadorias brasileiras para a Ásia.

A proposta, que envolve também a estatal Infra S.A. e a China Railway, prevê a realização de estudos técnicos e ambientais ao longo de um traçado que poderá ultrapassar 4.500 quilômetros. Além de abrir novas frentes logísticas para o agronegócio e a mineração, o projeto reforça a estratégia de integração regional e internacional do Brasil, conectando sua malha ferroviária ao mercado asiático por meio de um eixo terrestre bioceânico.

Transporte de passageiros como sonho distante

Gustavo Cruz também falou sobre o atraso nos projetos de transporte de passageiros por trens. Ele lembrou que, na época da Copa do Mundo de 2014, muito se falou sobre a possibilidade de um trem-bala ligando São Paulo e Rio de Janeiro, o que não saiu do papel. Porém, Gustavo destaca que esse tipo de investimento é extremamente importante para um país de dimensões continentais, como o Brasil. O relatório da RB Investimentos aponta que apenas 1% do modal de transporte de passageiros no país é composto por ferrovias, enquanto na China esse índice chega a 30%.

“Nosso relatório também traz um ângulo que pensamos em provocar no mercado: a importância de se investir na malha ferroviária em termos de transporte de passageiros. Algumas rotas de trens seriam importantes, como entre São Paulo e Brasília, São Paulo e Porto Alegre ou ainda ligando as capitais do Nordeste pelo interior”, disse.

Sejam produtos ou passageiros, é inegável que a composição da matriz de transporte revela uma estratégia de Estado adotada pelos países há muitas décadas. Os dados evidenciam o profundo desequilíbrio da matriz de transporte brasileira em comparação com as principais economias globais. E a opção histórica pelo rodoviarismo compromete a eficiência logística e eleva os custos operacionais sistêmicos.

Outros países, por sua vez, adotaram estratégias de diversificação modal com foco na mitigação de gargalos, redução de emissões e menor vulnerabilidade estrutural. O relatório da RB Investimentos aponta exatamente para esse caminho.

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