Poucos endereços no mundo reúnem tanta história cultural quanto o Les Deux Magots, café parisiense inaugurado em 1884. Foi ali, no boulevard Saint-Germain, que artistas, escritores e intelectuais se encontraram durante décadas, de Picasso a Hemingway, de Sartre a Simone de Beauvoir, de Oscar Wilde a Umberto Eco. Em 1933, nasceu em suas mesas o Prêmio Literário Les Deux Magots, até hoje um dos mais prestigiados da França. O local também serviu de palco a paixões que mudaram a história da arte (como a de Picasso pela fotógrafa Dora Maar) e testemunhou momentos de turbulência, como a revolta estudantil de maio de 1968, quando as pedras da calçada do café viraram munição contra soldados.
Depois de abrir filiais em Tóquio e Riad (Arábia Saudita), chegou a São Paulo em 2023, ocupando um endereço nobre em frente ao Clube Paulistano, no corredor formado pela Rua Augusta e Avenida Europa. O projeto arquitetônico recriou nos trópicos a atmosfera da Rive Gauche: cadeiras de rattan e palha trançada típicas dos cafés de Paris em um jardim envidraçado, salão de pé-direito alto cercado de folhagens e até uma pequena biblioteca, reforçando a vocação cultural da casa.

“Quando decidi trazer o Les Deux Magots para o Brasil, levei em conta três pilares: a história, o cardápio simples e replicável, e a mão de obra local capaz de executar essas receitas”, afirmou Frédéric Renaut, responsável pela operação brasileira. Passados 25 anos desde que chegou ao país, dos quais oito vividos em Búzios, Renaut havia percebido que o público paulistano tem especial apreço por marcas internacionais – mesmo quando a grafia do nome é tão complicada para os falantes da língua portuguesa quanto Les Deux Magots (le dê magô). Os dois magos são uma referência às esculturas do endereço original, também reproduzidas por aqui.
A aposta na grife gastronômica parisiense foi mais que certeira. Já na inauguração formavam-se filas diante da casa, que fica atrás de uma pequena praça e dá de fundos para o salão de beleza Casa Florah. Com apenas 100 lugares, o restaurante, que abre as portas para o café da manhã e segue até o jantar, chega a receber até 1.200 pessoas por dia.
Para quem chega cedo, as melhores pedidas são os famosos croques criados na casa e que fogem dos tradicionais Monsieur e Madame, a seleção de pâtisserie e o chocolate quente que ficou famoso como o mais saboroso de Paris. Ele é elaborado em São Paulo exatamente como na Cidade Luz – e é difícil encontrar um melhor na capital paulista.
Para o almoço, o chef Erick Grossi, que estreou no início de julho, agregou ao cardápio uma seleção de pratos do dia. São receitas francesas que incorporam referências à cozinha brasileira. Um bom exemplo é o Picadinho Clássique, servido às quartas-feiras: carne cortada na ponta da faca cozida no roti, arroz branco, feijão preto, farofa de bacon, ovo frito e banana caramelizada (R$ 90). Nos jantares, o menu pode ser apreciado ao som de piano – de preferência com um rótulo da bem montada adega, com opções do mundo todo.
A novidade mais recente é a área envidraçada no jardim lateral, que recebeu dois braseiros para preparar pratos como polvo, lagosta, ojo de bife e um colossal Tomahawk de 800 g. Os preços vão de R$ 130 (badejo) a R$ 450. Para Renaut, a proposta não é apenas gastronômica: “Queremos que o cliente se sinta em casa, em torno da brasa, mas dentro da atmosfera intelectual do Deux Magots”.
Na visão de Renaut, a cozinha é apenas uma parte dos valores que formam a marca. Está em estudo uma parceria com o maestro Roberto Minczuk para criar um prêmio de música clássica inspirado no literário francês. A ideia é oferecer ao vencedor uma viagem a Paris com curso em conservatório. “É uma forma de manter viva a vocação cultural do Les Deux Magots, mas com sotaque brasileiro.”