Brasil e Argentina são as duas maiores economias do Mercosul e já tiveram momentos de maior e menor intercâmbio comercial. Com Lula e Milei governando os dois países, muito se fala sobre as diferenças ideológicas de ambos e o impacto que isso pode causar ao bloco sul-americano de comércio.
Para entender melhor este cenário, o BRAZIL ECONOMY conversou com Bruno Saraiva, economista que atua no Banco Central brasileiro há mais de 30 anos e onde é considerando um dos principais especialistas em assuntos internacionais da instituição Com passagens pelo Banco Mundial, BID e FMI, voltou ao Brasil no último ano e atua como colaborador cedido ao Ministério da Fazenda, onde também atua em assuntos de caráter externo.
Para Saraiva, qualquer diferença ideológica entre os presidentes dos dois países é algo secundário se considerarmos um fator maior: as dificuldades macroeconômicas que a Argentina passa há algum tempo e que levou Milei a optar pelo afastamento do bloco. Ele acredita, porém, que a questão geográfica deve se impor e o país deve buscar um processo de integração industrial com o Brasil.
Entre outros pontos, o economista também falou sobre a aproximação do Brasil com o BRICS, relação com a Venezeula, crises diplomáticas recentes com os EUA e se mostrou otimista pela possibilidade da assinatura do tão sonhado acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia.
Falando sobre o Mercosul, o senhor acredita que as diferenças ideológicas entre Lula e Milei estão interferindo no bloco até que ponto?
O Brasil voltou a se esforçar na busca pela integração regional e acredito que precisamos exercer uma certa liderança no Mercosul. Claro que existem dificuldades em se relacionar com o atual governo argentino que não considera um bloco a ser fotalecido, mas a geografia se impõe e isso faz com que haja uma perspectiva de maior crescimento e integração entre países do Cone Sul com o objetivo de fazer maiores trcoas de manufaturados e incorporação das cadeias produtivas.
Acredito que a maior questão para que a integração dê certo é a estabilidade macroeconômicas dos países do bloco. Infelizmente a Argentina passou por momentos recorrentes de instabilidades macroeconômicas, então se avançamos para corrigir esse problema isso tem um papel fundamental na hora de colher frutos em termos de maior integração.
A consequência é que isso favorece o ambiiente de negócios e sua esfera regulatória. Acredito, portanto, que o Mercosul requer uma maior consolidação econômica dos parceiros para que dê certo e isso vai além da questão política. Vejo um enorme potencial de Brasil e Argentina fazerem uma integração industrial em áreas como energia e automobilística, o que pode ainda aproveitar da maior sinergia de outros mercados.
O governo Lula foi acusado de ser conivente com o regime de Nicolas Maduro por manter boas relações com a Venezuela em um momento onde a democracia era questionada naquele país. Como senhor vê o atual momento desse relacionamento?
A Venezuela é um vizinho importante do Brasil na região, mas temos uns compromissos importantes nos âmbitos da OEA que precisam ser pesados. Os laços economicos já tinham se enfraquecido nos últimos anos e aí abre espaço para que o aspecto político se sobreponha, causando prejuízo nestes relacionamentos.
O senhor enxerga algum risco na aproximação com o bloco do BRICS?
O Brasil sempre teve uma postura no cénario internacional de aprofundar o relacionamento com todos os tipos de países sem romper pontes. Então, o país transita em dierente espaços da geopolítica e deve continuar assim. A postura da atual gestão é de uma certa constância neste sentido. Se aproximar do BRICS é uma necessidade, já que a China é nosso maior parceiro comercial e o bloco como um todo representa 40% do PIB global, se utilizaremos como medida a paridade de poder de compra. Além disso, os fluxo financeiros do BRICS vem aumentando em termos de investimentos diretos também. Por isso, o equilíbrio é importante com o objetivo de não comprar as brigas dos outros em um momento de bipolarização da economia global.
Existe ainda uma outra jnaela de oportunidades no relacionamento com o BRICS: nota-se um bom espaço no Brasil para se avançar em transformação ecológica, considerando que a questão da preservação das florestas deveria contar com maior apoio de recursos externos e isso é conquistado a partir de acordos que busquem um bem global comum.
Existe alguma possibilidade de agravamento no relacionamento com os EUA pela aproximação do Brasil com os países emergentes?
É uma situação que temos que lidar, mas eu não vejo a possibilidade de ruptura jamais. A relação com os EUA é inescapável. Não há como o Brasil abrir mão desse relacionamento, um país que tem enorme estoque de investimentos direto aqui. Importante citar que nossa pauta de exportação é mais diversificada para os EUA que para a China, ou seja, nossas exportações para os norte-americanos tem um valor manufaturado e de alta tecnologia melhor que para os chineses. Mas, temos que fazer isso sempre mantendo nossa soberania lembrando que este acirramento não foi provocado pelo Brasil.
Diante da tarifa de 50% imposta por Trump aos produtos brasileiros, como o Brasil pode diversificar sua agenda de exportação?
Existem parceiros tradicionais que podemos aprofundar, como por exemplo a Europa onde temos que finalizar o acordo de livre-comércio com o bloco da União Europeia. Também há um potencial grande para materializar negócios importantes na África. Mas, sem dúvida, o foco maior deve ser o BRICS já que nos últimos 20 anos a contribuição maior do crescimento global veio deste bloco, especialmente China e Índia.
O Brasil tem que olhar para as oportunidades pensando em diversificação de pauta, tendo em vista que há questões ambientais até para continuar expandindo a produção agrícola. Em outras palavras: ela pode crescer, mas sem avançar sobre os biomas que precisam ser preservados. Então, para não depender apenas disso, temos que investir em outras pautas além da questão agrícola.
O Brasil pode aproveitar este momento para fechar a assinatura do acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia?
Não é um processo fácil, mas atualmente existe uma oportunidade dentro do contexto das tarifas do Trump que gera desconfiança global. Aí é o momento de buscar novos acordos e mostrar ao mundo que a confiança aumentou novamente.
E o senhor acredita em algum prazo para a assinatura?
Há uma boa expecativa de que pode ser concluído este ano.