A sinalização mais cautelosa do Comitê de Política Monetária de manter a Selic, taxa de juros básica da economia, em 15% e as incertezas decorrentes das imposições feitas pelos Estados Unidos em relação a tarifas comerciais têm adicionado uma pressão extra ao custo do crédito. Esse cenário empurra as famílias brasileiras para um dos maiores patamares de endividamento.
Em julho, a Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), apurada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), mostrou que 30% das famílias têm dívidas em atraso, sendo que 12,7% declaram não ter condições de quitar esses compromissos. Os índices são os mais elevados desde dezembro de 2024, quando o percentual das famílias que assumiram a impossibilidade de pagar as dívidas em atraso chegou a 13%. O levantamento apura dados referentes a cerca de 18 mil consumidores em todas as capitais do Brasil e no Distrito Federal.
Esses fatores têm influenciado o segmento que faz a aquisição de operações de créditos inadimplentes, também conhecido como NPL (Non-Performing Loans), que vem crescendo ano a ano e se tornando um recurso para ampliar a negociação desses débitos no país. Até o fim deste ano, o volume de operações realizadas no Brasil envolvendo carteiras inadimplentes deve ultrapassar R$ 34 bilhões, um montante 23% acima do registrado no ano passado.
Tradicionalmente, a transação de carteiras inadimplentes era uma operação muito concentrada em instituições financeiras. No entanto, nos últimos cinco anos, esse mercado tem alcançado mais verticais, como varejo, veículos, cooperativas e educação. Dessa forma, o mercado de NPL, que em 2019 era centralizado em 15 cedentes de carteiras, atualmente conta com mais de 45 instituições participantes.
Esse crescimento é decorrente de mudanças orgânicas na dinâmica do mercado que transaciona créditos inadimplentes. A cessão do crédito acaba atuando como um aliado resiliente no processo de recuperação da saúde financeira das empresas cedentes.
Anteriormente, esse mercado era sinônimo de negociações com descontos muito altos em prazos curtos. Agora, o cenário mudou. Hoje em dia, a recuperação desse crédito implica uma negociação mais longa, o que beneficia o cliente que não tem condições de assumir parcelas com tíquete mais alto ou quitar à vista. Com isso, o segmento está se adequando à nova realidade da camada da população mais endividada, criando condições favoráveis para que esse cliente recupere sua saúde financeira.
Somente na base da Recovery, temos mais de 33 milhões de clientes com dívidas ativas. Nos últimos doze meses, verificamos o aumento de 10% no percentual de clientes que apresentaram mais de uma dívida sob nossa gestão. Temos visto também a queda no tíquete médio das dívidas negociadas: em julho de 2024, esse valor era de R$ 793 e, agora, no segundo semestre de 2025, está em R$ 716. Outra realidade é o aumento no número de clientes que preferem parcelar a dívida, que subiu 11,4%.
Apesar de falarmos cada vez mais sobre a negociação de créditos inadimplentes como uma solução de cunho econômico e financeiro positiva para as empresas que concedem crédito, pouco se discute sobre as mudanças feitas por esse segmento em relação ao cliente que possui uma dívida em atraso. Mas é importante destacar a transformação que está acontecendo na forma como o segmento de NPL vem se relacionando com esse cliente, abrindo mais espaço para o diálogo.
A expansão desse mercado, principalmente nos últimos cinco anos, não beneficia só o cedente de crédito que tem urgência em receber. Esse mercado tem condições de operar e prosperar olhando para o momento de vida do cliente devedor e, assim, partir para uma rodada de negociações mais viáveis, um relacionamento que rende dividendos para toda a economia. Ao restabelecer a capacidade de tomar crédito dessas famílias, a economia, consequentemente, ganha mais fôlego.
*Bruno Russo é CEO da Recovery, empresa do Grupo Itaú especializada em recuperação de crédito no Brasil