Nesta semana, a Kenvue, subsidiária de saúde do consumidor resultante do spin-off da Johnson & Johnson, se viu no epicentro de uma tempestade de mercado. Tudo começou quando o Wall Street Journal noticiou que Robert F. Kennedy Jr., conhecido por promover causas sem base científica relacionadas ao autismo, planejava associar o uso de Tylenol durante a gravidez à condição. A reação foi imediata: as ações despencaram quase 15% em um ponto do dia antes de reduzir perdas, mas ainda assim a Kenvue perdeu cerca de 9% de seu valor de mercado.
A turbulência foi ainda mais intensa porque Kennedy ocupa atualmente o cargo de secretário do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA (HHS) e lidera o movimento “Make America Healthy Again” (MAHA).
Apesar da pressão, analistas de Wall Street reforçaram a resiliência fundamental da Kenvue e recomendaram a compra na queda. Em relatórios distribuídos na segunda-feira, instituições como BofA Securities e Canaccord Genuity disseram que o movimento de venda é, na verdade, uma oportunidade de compra, e não sinal de uma ameaça duradoura aos negócios da empresa.
Os analistas do Canaccord afirmaram acreditar que o risco jurídico é mínimo, já que uma ação coletiva sobre alegações semelhantes “foi basicamente encerrada” em dezembro de 2023. Eles também citaram nota do HHS classificando como especulação qualquer ligação com um futuro relatório de Kennedy. Chamando a queda de mercado de “reação exagerada”, reforçaram não haver nenhum estudo confiável que associe o uso de paracetamol ao aumento do risco de transtorno do espectro autista. Segundo o banco, o risco mais palpável é perder uma pequena parcela de consumidores, e não enfrentar uma indenização bilionária.
O Canaccord também monitorou o sentimento público em diversas redes sociais, incluindo ambientes mais próximos do movimento MAHA de Kennedy. O resultado: nos canais tradicionais, não houve aceitação da tese. Já em fóruns “mais alternativos”, o sentimento foi misto, com parte dos usuários reforçando a ausência de provas e outros levantando teorias da conspiração já refutadas, como a de que vacinas causariam autismo.
Na mesma linha, analistas do BNP Paribas disseram acreditar ser improvável provar qualquer ligação com autismo, citando decisões anteriores de que o Tylenol é seguro. O FDA já declarou não haver evidências claras que relacionem o paracetamol a riscos de desenvolvimento, e o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas emitiu recomendações semelhantes. O FDA, no entanto, aconselha mulheres grávidas a consultarem seus médicos antes de usar o medicamento.
Sem “prova cabal”
Apesar de processos ainda em andamento, juízes federais concluíram até agora que as evidências científicas que associam o uso de paracetamol durante a gravidez a autismo ou TDAH são inconclusivas, levando ao arquivamento de vários casos de alto perfil.
A própria Kenvue nega categoricamente qualquer irregularidade e reforça o consenso regulatório. Em nota à BBC, a companhia afirmou: “Temos avaliado continuamente a ciência e seguimos acreditando que não existe relação causal entre o uso de paracetamol na gravidez e o autismo.”
Ainda assim, Wall Street reconhece que a polêmica pode gerar custos adicionais em advocacia e relações públicas, caso se prolongue.
Lições para o mercado
Para investidores atentos, a reação à controvérsia traz uma lição sobre como debates médicos repercutem no mercado financeiro. Manchetes podem abalar ações, mas análises mais nuançadas ajudam a restabelecer a perspectiva e até provocar recuperação.
Por ora, a saga da Kenvue em torno do Tylenol parece mais ruído do que sinal real. Pelo menos segundo os analistas pagos para acompanhar o caso.