A transformação digital vive um ponto de inflexão: a inteligência artificial (IA) deixou de ser promessa para se tornar motor de mudança em empresas, governos e na vida das pessoas. Poucas companhias estão tão no centro dessa revolução quanto a Microsoft. E, no Brasil, a missão de conduzir essa agenda cabe a Priscyla Laham, presidente da operação local desde 2023. No cargo, ela carrega uma dupla responsabilidade: representar a Microsoft no Brasil e representar o Brasil dentro da Microsoft. Uma função que, segundo a própria, é movida por duas paixões. À frente de uma empresa que, globalmente, já investiu mais de US$ 13 bilhões na OpenAI e que lidera projetos de IA corporativa, Pryscila vê no País não só um mercado consumidor, mas também um polo de criação e exportação de soluções tecnológicas. Nesta entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, ela detalha o compromisso de R$ 14,7 bilhões até 2027 em infraestrutura de nuvem e IA no Brasil, explica como o País se destaca em setores como o financeiro e o varejo, defende uma regulação responsável para IA e projeta um cenário em que empresas brasileiras possam disputar a liderança global em inovação.
A sra. costuma dizer que representar a Microsoft no Brasil e o Brasil na Microsoft são duas paixões. O que isso significa na prática?
É uma combinação muito especial. De um lado, liderar uma empresa de tecnologia capaz de contribuir de forma concreta para o País, especialmente com inteligência artificial, que pode aumentar a competitividade, criar novos mercados e desenvolver talentos. Do outro, é mostrar para a matriz global por que o Brasil é um mercado tão estratégico. Temos características únicas: abundância de energia limpa, ecossistema de inovação emergente e uma população que adota novas tecnologias rapidamente. Recentemente, discutimos com executivos de grandes grupos brasileiros, como a Votorantim, sobre o papel do País em sustentabilidade e como isso atrai data centers, infraestrutura crítica para IA e nuvem.
Hoje, a inteligência artificial é a principal frente estratégica da Microsoft no Brasil?
Com certeza. Mas é importante lembrar que IA e nuvem andam juntas. Para rodar modelos avançados, é preciso uma capacidade massiva de computação. Por isso, nosso foco está em construir data centers de última geração, garantindo performance e segurança. E fazemos isso sempre respeitando as regras e necessidades locais. A Microsoft está há 36 anos no Brasil e, ao longo desse tempo, adaptou suas soluções às particularidades de cada mercado. Além disso, globalmente defendemos que a IA seja regulada de forma responsável, criando segurança jurídica para que empresas e governos invistam sem medo.
O Congresso brasileiro discute um projeto de lei para regular a IA. Essa agenda está alinhada com o que vocês defendem?
Acompanhamos esse tema muito de perto, com equipes especializadas e participação em associações que reúnem empresas de tecnologia. Nosso posicionamento é claro: defendemos uma regulação que incentive inovação, proteja usuários e crie segurança jurídica. É fundamental que se crie uma regulação clara e segura para o uso de IA no Brasil. Não podemos ter um cenário em que empresas façam investimentos pesados e, anos depois, descubram que parte de suas soluções se tornou proibida. É preciso pensar o longo prazo. E mais: países que melhor implementarem e disseminarem a IA terão vantagem competitiva. Eu não quero que o Brasil perca essa onda.
Sam Altman, CEO da OpenAI, disse que a regulação é necessária para evitar impactos negativos sobre empregos e economia. A sra. concorda?
Sim, mas é fundamental ter clareza sobre o objetivo. A IA deve expandir a capacidade humana, não substituí-la. Na Microsoft, acreditamos nesse modelo. Hoje, nos projetos com nossos clientes, vemos ganhos de produtividade claros: eliminação de tarefas repetitivas, processos mais rápidos e decisões mais embasadas. Um estudo nosso mostra que 72% dos brasileiros estão sem energia ou tempo para executar plenamente suas funções. A IA pode mudar esse cenário, liberando tempo para trabalhos de maior valor agregado.
Quais são as frentes de atuação prioritárias da Microsoft no Brasil hoje?
O Copilot é central, por ser a interface entre o usuário e a inteligência artificial. Temos o Copilot Chat, gratuito, e o Copilot Studio, ferramenta low-code para que empresas desenvolvam seus próprios agentes. Nossa plataforma Azure oferece quase 2 mil modelos de LLMs, com governança e segurança. E o Microsoft Fabric integra dados de qualquer origem para projetos de IA, mesmo que hospedados em sistemas de concorrentes. Reestruturamos nossas soluções em três áreas: nuvem e IA, incluindo Azure, Fabric e serviços de dados; soluções de negócios com IA, com produtividade, CRM e desenvolvimento low-code, e cibersegurança, um investimento prioritário global. Satya Nadella costuma dizer: ‘se houver dúvida entre investir em inovação ou em segurança, escolha segurança’.
Não é arriscado investir tanto em IA sem saber quais serão as regras?
É um dilema que toda empresa de tecnologia enfrenta. Mas tomamos a decisão de integrar IA em todo o portfólio e isso nos colocou numa posição competitiva. Sempre nos adaptamos às regras de cada mercado. Lembro quando criamos o Windows Starter Edition para mercados emergentes, como o Brasil, algo equivalente a um ‘carro popular’ no software, para democratizar o acesso.
Um estudo da McKinsey mostra que 80% das empresas ainda não percebem ganhos financeiros diretos com IA. Isso não ameaça o ritmo de adoção?
É difícil medir impacto financeiro de forma isolada, porque lucratividade envolve muitos fatores. Mas há resultados concretos. No nosso call center, reduzimos custos de forma significativa com IA. A BIA, assistente virtual do Bradesco que usa nossa tecnologia generativa, aumentou em 80% a resolução de casos no primeiro atendimento. Isso melhora a satisfação do cliente e a retenção. Mesmo que o ganho não apareça imediatamente no balanço, ele é real.
O Brasil é considerado um “laboratório” para a Microsoft?
Prefiro dizer que lideramos em certos setores, como o financeiro. O Pix é um caso que surpreende executivos em qualquer lugar do mundo. Já ouvi elogios públicos do Satya Nadella ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por causa dessa inovação. Isso influencia o desenvolvimento e a adaptação de produtos. E é por isso que anunciamos o investimento de R$ 14,7 bilhões em infraestrutura de nuvem até 2027, junto com a meta de treinar 5 milhões de brasileiros em IA. Já alcançamos 3,9 milhões.
Além do setor financeiro, quais setores brasileiros têm mais potencial para IA?
O varejo, pela possibilidade de personalizar a experiência do cliente em larga escala, e a indústria, pelo uso de IoT e pela revisão de processos. Temos um Innovation Hub onde aplicamos design thinking para repensar processos do zero à luz da IA generativa. Essa combinação de tecnologia e conhecimento de negócio é a chave para resultados transformadores.
O Copilot ainda não é tão conhecido pelo público quanto outros nomes como ChatGPT. Isso preocupa?
Nosso foco é B2B. Claro que, como marqueteira, eu adoraria mais visibilidade. Mas nossa prioridade é oferecer soluções seguras e escaláveis para empresas. Temos o hábito de sermos customer zero das nossas soluções, testando internamente antes de levar ao mercado. Isso garante qualidade e aderência às necessidades corporativas.