A Copersucar nasceu em 1959 como cooperativa, mas hoje já é uma multinacional instalada nos Estados Unidos e na Europa. É, atualmente, a maior comercializadora de etanol e açúcar do mundo, operando a logística de 38 usinas associadas. O presidente do Conselho da companhia, Luís Roberto Pogetti, participou de um painel no Congresso Brasileiro do Agronegócio, na última segunda-feira (11), em São Paulo. Após a apresentação, concedeu uma entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, na qual falou, entre outros pontos, sobre as cinco décadas do uso do etanol no país, os avanços sustentáveis para produção de energia e combustível, a concorrência com carros elétricos, o uso de combustível limpo em aviões e o impacto que o setor terá diante das tarifas de 50% impostas pelo governo dos EUA.
Nesta década completam-se 50 anos desde que o Brasil passou a investir em etanol. Que balanço o senhor faz desse período?
O Brasil, nos últimos anos, conseguiu ampliar gradualmente a participação de energia limpa na matriz energética. Hoje, cerca de 80% da matriz elétrica do país é limpa, algo que começou com a construção das hidrelétricas e evoluiu com a contribuição da energia de biomassa, eólica e fotovoltaica. Na agenda da mobilidade, cerca de 45% do combustível consumido no país para veículos leves vem de fontes limpas, enquanto o material orgânico obtido a partir da cana, chamado de biogás, substitui o diesel para caminhões que circulam pelo Brasil, com 90% menos pegada de carbono. O programa do Proálcool, na década de 1970, que incentivou o uso do produto na mobilidade, ganhou novo vigor em 2003, quando o Brasil começou a utilizar os carros flex, que hoje colaboram muito para a agenda de sustentabilidade. Destaco também que o investimento em etanol contribui para o abastecimento de alimentos do país, e não falo apenas do açúcar que vem das plantações de cana: o Brasil tem investido muito, especialmente no Centro-Oeste, no etanol obtido a partir do milho. O bagaço que sobra dele é utilizado para alimentação de bovinos, suínos e frangos, que depois são destinados ao consumo humano.
O Brasil ainda é considerado, aos olhos do mundo, um modelo a ser seguido em termos de investimento na produção de etanol?
O Brasil ainda está à frente de qualquer outro país no uso do etanol, já que somos o único onde ele é uma alternativa de 100% ao combustível fóssil. E, mesmo a gasolina, por lei, precisa ter pelo menos 30% de etanol em sua mistura. Em outros países que utilizam combustível limpo, ele não pode ser usado puro, apenas misturado à gasolina — e, mesmo assim, em índices menores que no Brasil. A Índia, por exemplo, está elevando a mistura para 20%, enquanto outros países oscilam entre 10% e 15%. Podemos dizer que os indianos estão copiando o modelo brasileiro.
Os investimentos em carros a bateria, visando aumentar práticas sustentáveis, podem ser uma ameaça ao setor que o senhor representa?
Os carros elétricos e os movidos a etanol têm a mesma intensidade de carbono, mas, se utilizarmos o conceito do “berço ao túmulo” — que mede a pegada de carbono desde a exploração de minerais para a produção das baterias e de outras peças até o descarte do veículo —, os carros movidos a etanol apresentam menor intensidade de carbono. E essa capacidade de abastecimento pelo etanol já está instalada no Brasil. Isso significa que carros elétricos podem levar 20 anos para alcançar o que o etanol já conquistou em termos de descarbonização, considerando que trabalhamos com isso há 50 anos.
Na década de 1970, ocorreram dois grandes choques do petróleo por causa de conflitos no Oriente Médio, que dispararam o valor do barril. A consequência foi o Brasil investir na produção de etanol. Considerando que, em 2025, ainda há guerras na região, o Brasil está preparado para aumentar sua capacidade de produção e depender menos de petróleo caso o valor do barril suba novamente?
O Brasil tem grande capacidade de ampliar sua oferta de etanol, já que atualmente ocupamos apenas 0,9% do território nacional com a cultura. Claro que as respostas não são imediatas, mas temos investido muito em produtividade. A perspectiva é que o setor entregue, até 2040, o dobro de açúcar e etanol na mesma área atual. Se aumentarmos para 2% as terras cultivadas no país, a entrega será quatro vezes maior que a de hoje, e assim por diante. O Brasil tem tecnologia, água, clima adequado e segue expandindo para outras regiões, inclusive em áreas degradadas que estão se tornando produtivas com a cana. São Paulo ainda representa 60% da produção de etanol, mas o Triângulo Mineiro tem se destacado muito nos últimos dez anos. Ou seja, se a demanda vier, conseguimos atender.
O aquecimento global crescente tem o poder de afetar os negócios dos produtores de cana por causa dos efeitos na terra?
Se não contivermos o aquecimento global, as terras ficarão mais áridas e improdutivas. Na contramão, temos a expansão demográfica, que ocasiona mais gente para alimentar. Desse jeito, os alimentos ficarão mais caros. Mas a cultura da cana ajuda a mitigar isso, pois coleta gás carbônico da atmosfera, contribuindo para a descarbonização. Com a moagem, temos a produção de etanol e açúcar e, com o que sobra, produz-se energia elétrica limpa. Além disso, os resíduos do bagaço da cana são ricos em sais minerais e podem ser utilizados na lavoura como adubo.
O senhor já vê a possibilidade de investimentos em etanol para aviação comercial no Brasil?
O abastecimento sustentável de aviação tem um processo de maturação mais longo. Temos conversas com a Embraer, Boeing e outras empresas, mas acredito que o fornecimento de biometano ou etanol para aeronaves comerciais deva acontecer em cerca de cinco anos. Utilizar combustíveis limpos em aviões é um movimento mundial, mas uma refinaria para atender a essa demanda pode custar US$ 1 bilhão. Por outro lado, aviões de pulverização agrícola já são movidos a etanol no Brasil.
As tarifas de 50% impostas aos produtos brasileiros pelo governo de Donald Trump impactaram os negócios de vocês?
Por enquanto, não. O impacto é baixo, já que o Brasil exporta pouco açúcar para os EUA, uma vez que a tarifa para esse produto já é alta há muitos anos, tornando o comércio com eles inviável. A produção de açúcar nos EUA, especialmente na Flórida, é bastante protegida do mercado externo.