Em meio à escalada de tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos, o presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), José Roberto Tadros, defende o diálogo diplomático como caminho para evitar prejuízos econômicos. Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, Tadros critica a aproximação do Brasil com regimes autoritários dentro do BRICS, cobra reformas estruturantes no país e avalia que, diante de juros altos e baixa renda da população, o Brasil está distante de ser uma sociedade de consumo robusta. Segundo ele, o comércio será duramente impactado pelo novo tarifário americano, e cabe ao governo Lula encontrar uma solução negociada, sem antagonizar com a maior potência do mundo. Confira, a seguir, sua entrevista…
Como o senhor avalia esse momento de tensão comercial entre Brasil e Estados Unidos? Qual o impacto econômico?
Isso não é bom. As nações têm que se entender. Quando não se entendem, acontecem guerras, como a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais. A diplomacia serve justamente para evitar conflitos. O Brasil sempre foi uma economia ocidental, aliada aos Estados Unidos. Historicamente andamos de mãos dadas. É preciso restabelecer esse entendimento.
O presidente Lula designou o vice-presidente Alckmin para negociar com os EUA. Isso é suficiente?
Acho que sim. Alckmin é uma pessoa hábil, inteligente, respeitada. Tenho esperança de que ele consiga reverter essa situação. Não podemos entrar em confronto com os Estados Unidos. A história do Davi contra Golias aconteceu uma vez, e ninguém sabe se é verdade. Normalmente, Golias vence.
O senhor vê erro na aproximação do Brasil com os Brics, que inclui ditaduras como Rússia, China e Irã?
Os Brics não foram criados para confrontar o Ocidente. Isso nasceu da visão de um economista americano sobre o potencial dos países emergentes. O Brasil é ocidental, com raízes europeias, diferentemente de China e Rússia. Se esses países querem se contrapor aos EUA, tudo bem. Mas o Brasil não pode entrar nesse contexto de confronto. Somos uma democracia.
Então o senhor é crítico aos Brics?
Não sou crítico aos Brics como ideia. Mas acredito que o Brasil deve participar de forma independente, sem antagonizar os Estados Unidos. O Brasil tem que afirmar sua posição como democracia, sem se misturar com regimes autoritários.
Como o senhor vê a postura do ex-presidente Trump ao vincular o julgamento de Bolsonaro ao aumento de tarifas?
É uma questão política complexa. Só quem está no dia a dia pode avaliar corretamente. Mas eu não concordo com isso. O presidente Lula agiu corretamente ao enviar Alckmin para negociar. Essa é uma conversa entre governos. Nós, da CNC, não temos autoridade para intervir, a não ser que sejamos convidados.
Qual será o impacto desse tarifário, que entra em vigor em dois dias, sobre as exportações brasileiras?
Vai afetar muito, especialmente as empresas de médio porte. Precisamos evitar pagar para ver. Não podemos permitir que 35% das exportações para os EUA sejam taxadas dessa forma. Isso prejudicaria o comércio e toda a economia.
Qual a relação atual da CNC com o governo Lula?
A CNC é uma entidade privada, com atuação sindical, não política-partidária. Temos boas relações com todos os governos. A CNC não foi prejudicada nem no governo anterior nem neste. Eventuais conflitos foram pontuais e não envolvem a nossa instituição.
Houve críticas ao Sistema S no governo anterior. Isso mudou?
Há muito desconhecimento no Congresso. Muitos acham que o Sistema S é do governo, mas é o contrário. Os recursos são privados, arrecadados compulsoriamente pelas empresas, e passam pelo INSS, que ainda cobra 3,5% de taxa de repasse. Esses recursos servem para qualificar a mão de obra (Senac) e dar cidadania ao trabalhador (Sesc), oferecendo lazer, cultura, saúde e alimentação a preços acessíveis.
Como o senhor avalia o atual cenário econômico com a Selic a 15%? Isso impacta o comércio?
Claro que impacta. Nosso desafio é criar uma sociedade de consumo moderna, com trabalhadores bem remunerados. Hoje, temos 60 a 70 milhões de trabalhadores, mas muitos mal conseguem alimentar suas famílias. Isso impede o fortalecimento do mercado interno. A taxa de juros está alta porque o Estado gasta mais do que arrecada. Antes de fazer reforma tributária, o governo deveria ter feito a administrativa.
Mas o consumo está crescendo, mesmo com juros altos. Como explicar isso?
Porque os gastos do governo estão altos e querem aumentar tributos. Se o governo arrecadasse o suficiente, não haveria essa pressão. Gastar mais do que se arrecada leva à inflação. O Banco Central está certo em conter o consumo para evitar uma crise maior. Já vivemos crises assim: petróleo, subprime, Dilma. Não podemos repetir.
O que a CNC pode fazer para ajudar na negociação com os EUA?
Esse é um assunto entre governos. Só atuaremos se formos convocados. O Trump não vai receber empresários para ouvir argumentos. Essa conversa tem que ser entre Lula, Alckmin, chanceleres e diplomatas. Nós não temos essa autoridade.