Em meio ao acirramento das tensões comerciais e políticas entre Brasil e Estados Unidos, o investidor e membro da Câmara de Comércio Brasil-EUA, Will Landers, defende que o caminho para evitar prejuízos mútuos passa necessariamente por um diálogo técnico de alto nível. Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, da sede da entidade, em Nova York, ele fala sobre os impactos das tarifas, o papel das empresas na mediação do conflito e os riscos de inflação global. Confira, a seguir…
Como sr. avalia o atual momento da relação comercial entre Brasil e Estados Unidos?
Acho que estamos diante de uma situação inédita nesses mais de 200 anos de relações comerciais. Apesar de os Estados Unidos não serem mais o maior parceiro do Brasil, já que a China ocupa esse posto, continuam sendo relevantes. Hoje, o peso do mercado americano nas exportações brasileiras equivale ao Mercosul. O que nos preocupa é a falta de diálogo sênior entre os dois governos. Hoje, parece um jogo de sinuca entre ambos, e é urgente encontrar uma maneira de reiniciar esse diálogo.
Na sua visão, quem perde mais com essas tarifas?
Na prática, ninguém ganha. Tarifas altas impactam diretamente o consumidor, geram inflação no país que compra e no que vende. Em um cenário global já marcado pela desglobalização e inflação estrutural mais alta, isso só agrava a situação. A consequência pode ser juros mais altos globalmente, inclusive dificultando a volta dos juros médios de um dígito no Brasil e nos Estados Unidos.
Já é possível perceber efeitos concretos dessas medidas na economia americana?
Sim. Os dados de inflação desta semana mostram alta em produtos que já enfrentam tarifas. O estoque anterior, livre de tarifas, está acabando, e o novo já chega mais caro. Além disso, a incerteza sobre quando e como essas medidas serão aplicadas prejudica o investidor e o empresário. No fim, quem sente mais é o consumidor.
A classe média americana já sente essa pressão?
Quem vive com o orçamento apertado já começa a perceber que consegue comprar menos. A pressão deve crescer no segundo semestre, se as tarifas forem mantidas ou ampliadas. O governo Biden, por exemplo, já sofreu com a percepção de que os preços estavam fora de controle. Perdeu a eleição. Agora, uma insatisfação do consumidor americano pode gerar problemas para Trump. Por isso uma negociação é essencial para benefício de todos os lados.
Mas o curioso é que os Estados Unidos têm superávit comercial com o Brasil, diferentemente de sua relação com a maioria dos países. Isso não enfraquece o argumento americano?
Sim, essa é uma contradição clara. Nos últimos 15 anos, o superávit acumulado dos Estados Unidos com o Brasil ultrapassa US$ 100 bilhões. Isso deve pesar nas conversas. Grandes empresas americanas que dependem de produtos brasileiros, como café e suco de laranja, tendem a pressionar o governo. Se o café da manhã americano ficar mais caro, o consumidor vai sentir.
E as empresas brasileiras, como têm reagido?
Algumas estão tentando negociar diretamente. A JBS, por exemplo, está dialogando com autoridades americanas, já que é a maior produtora de carne do mundo e os Estados Unidos, seu maior mercado. Um aumento de tarifa afeta os dois lados: encarece o produto nos Estados Unidos e reduz a competitividade da empresa brasileira.
O sr. acredita que esse tipo de negociação entre empresas e governos tem mais força do que o diálogo entre os governos?
Na prática, sim. Quando grandes corporações como JBS, Starbucks ou companhias aéreas pressionam, o impacto é real. A Delta e a United Airlines, entre muitas outras, são grandes compradoras de aviões da Embraer. Elas têm dados concretos e influência direta. Esperamos que isso leve a uma solução mais racional do que os 50% de tarifa anunciados.
O sr. está otimista com a possibilidade de uma solução negociada?
Sim. Acho que, como em outras situações, a tendência é que o embate entre Brasil e Estados Unidos encontre uma saída negociada. Mas isso exige vontade política e técnica dos dois lados. O primeiro passo essencial seria o início de uma conversa técnica em alto nível, o que ainda não aconteceu.
Mas é possível estabelecer alguma conversa de alto nível com Trump?
Realmente é difícil de prever suas ações ou prever suas estratégias, mas o Brasil tem condições de restaurar um diálogo maduro nesse atual conflito.
Existe risco de o impasse ganhar contornos políticos ou até envolver contrapartidas no campo diplomático?
Espero que não. O ideal é que a discussão se concentre no comércio, deixando a política para os políticos. Uma escalada política só tende a piorar. Por enquanto, acredito mais numa solução via empresas e pressões internas nos Estados Unidos.
A Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos tem atuado nesse processo?
Não fazemos lobby, mas promovemos o diálogo. Esta semana, realizamos um webinar com economistas, advogados e representantes da indústria, como a Suzano, para debater o impacto das tarifas e a legalidade do processo. Estamos tentando criar um espaço técnico para discussão.
Essas tarifas são legais segundo a legislação americana?
Existe um caminho para implementá-las legalmente, sim. As cortes americanas, em um comportamento quase inédito, têm dado muito espaço para o governo Trump implementar suas decisões. São raros os casos de contestação. Mas não é algo automático. Há um processo a ser seguido. Pelo que entendemos dos especialistas, elas podem ser aplicadas dentro da lei americana, mas há margem para contestação.
Há risco de judicialização do caso?
Tudo é possível, mas ações na Justiça americana são lentas. E, historicamente, as cortes têm dado espaço para o Executivo aplicar medidas e depois discutir. Não parece ser o caminho mais rápido ou eficaz neste momento.
O sr. acredita que os Estados Unidos podem recuar, como já aconteceu com outros países?
Historicamente, sim. Já houve recuos nas negociações com China, União Europeia, entre outros. Mas isso exige vontade de negociar. O sinal mais positivo seria ouvir que os dois governos começaram a conversar de verdade, o que ainda também não aconteceu.