Todo mundo continua perguntando: “Estamos em uma bolha de IA?” Mas, com a mesma frequência, escuto outra pergunta, geralmente seguida de surpresa: “Espera, eles levantaram outra rodada?”
Neste ano, um punhado das principais startups de IA, algumas agora tão grandes que chamá-las de startups já parece quase irônico, levantaram não apenas uma rodada gigante de financiamento, mas duas ou mais. E, a cada rodada, suas avaliações estão dobrando, às vezes até triplicando, atingindo patamares impressionantes.
Veja a Anthropic. Em março, ela levantou uma Série E de US$ 3,5 bilhões a um valuation de US$ 61,5 bilhões. Apenas seis meses depois, em setembro, captou mais US$ 13 bilhões em uma Série F. Novo valuation: US$ 183 bilhões.
A OpenAI, a startup que desencadeou o boom da IA com o ChatGPT, segue ditando o ritmo. Ela atingiu uma avaliação inédita de US$ 500 bilhões em uma oferta secundária no mês passado. Isso representa um salto em relação ao valuation de US$ 300 bilhões captado em março e aos US$ 157 bilhões do início do ano, fruto de um aporte de outubro de 2024.
Em outras palavras, nos 12 meses entre outubro de 2024 e outubro de 2025, o valuation da OpenAI aumentou, em média, US$ 29 bilhões por mês, quase US$ 1 bilhão por dia.
E não são apenas os gigantes dos modelos de linguagem. Mais abaixo, mas ainda alto na cadeia alimentar da IA, a startup de recrutamento Mercor levantou, em fevereiro, sua Série B de US$ 100 milhões a um valuation de US$ 2 bilhões e, em outubro, captou mais US$ 350 milhões, elevando sua avaliação para US$ 10 bilhões.
Mais de uma dúzia de startups levantaram duas ou mais rodadas neste ano com valuations crescentes, incluindo Cursor, Reflection AI, OpenEvidence, Lila Sciences, Harmonic, Fal, Abridge e Doppel. Algumas, como Harvey e Databricks, estariam na terceira rodada.
Esses surtos de valorização, especialmente na casa dos bilhões e dezenas de bilhões de dólares, são extraordinários e levantam questões desconcertantes, começando por: Por que isso está acontecendo? Esse fenômeno reflete a força real dessas empresas, a oportunidade única gerada pela revolução da IA ou um pouco dos dois? E quão saudável é esse processo, que riscos essas startups e o mercado como um todo assumem ao captar capital tão rapidamente e inflar valuations nesse ritmo?
O espectro de 2021 ressurge. Segundo especialistas do setor, há mais em jogo do que apenas excesso de euforia. Embora a era dos juros zero, que atingiu o auge em 2021, também tenha registrado startups levantando rodadas consecutivas, as dinâmicas eram totalmente diferentes na época, até porque o ChatGPT ainda nem existia.
Tom Biegala, sócio-fundador da Bison Ventures, afirma que aquele cenário não se compara a agora. Ele diz que, em 2021, empresas levantavam rodadas não porque tivessem feito algum progresso real técnico ou comercial. O entusiasmo dos investidores era tão grande e o capital fluía com tanta facilidade que apenas a percepção de impulso já bastava para justificar múltiplas rodadas no ano.
E, para cada caso de sucesso como o Wiz, havia inúmeros exemplos de startups daquele período que levantaram rodadas consecutivas e hoje enfrentam dificuldades, como o aplicativo de entregas Jokr, o marketplace de NFTs OpenSea e a healthtech Cerebral.
Terrence Rohan, diretor-geral do Otherwise Fund, diz que as startups que fazem múltiplas rodadas hoje estão mostrando tração real. Segundo ele, o crescimento de receita visto em algumas empresas não tem precedentes e, em certos casos, pode-se argumentar que estamos diante de um novo tipo de startup.
Muitas das startups de IA em ascensão apresentam números impressionantes, mesmo considerando que métricas como ARR devem ser vistas com cautela. A Lovable, por exemplo, saiu de zero para US$ 17 milhões em ARR em três meses. A Decagon atingiu sete dígitos de ARR no primeiro semestre. E a mais famosa, Cursor, saiu de zero para US$ 100 milhões em ARR em apenas um ano.
Aydin Senkut, fundador da Felicis Ventures, vê esse ritmo como reflexo de um mercado de altíssima velocidade, em que os custos de errar nunca foram tão altos. Para ele, o prêmio agora vai para quem identifica e apoia esses outliers o mais cedo possível, porque estar no setor errado ou chegar tarde demais pode não apenas reduzir retornos, mas simplesmente eliminá-los.
O entusiasmo generalizado com a inteligência artificial generativa impulsiona essa sequência de rodadas de financiamento, mas as startups que lideram avanços em setores específicos estão entre as maiores beneficiadas.
A Cursor, uma das startups de codificação com IA mais comentadas do momento, terminou 2024 avaliada em US$ 2,6 bilhões. Em junho de 2025, sua avaliação saltou para US$ 10 bilhões após uma rodada de US$ 900 milhões. Neste mês, a empresa anunciou que agora vale US$ 29,3 bilhões, depois de captar mais US$ 2,3 bilhões com investidores como Accel, Thrive e Andreessen Horowitz.
A Harvey, focada em soluções de IA para o setor jurídico, captou um total de US$ 600 milhões em duas rodadas distintas apenas nos seis primeiros meses de 2025, elevando sua avaliação primeiro para US$ 3 bilhões e depois para US$ 5 bilhões. Em outubro, veículos como Bloomberg e Forbes noticiaram que a empresa levantou mais uma rodada, chegando a um valuation de US$ 8 bilhões.
Essas empresas representam bem seus setores. Tanto a IA jurídica quanto a IA aplicada à programação vivem um momento de forte aceleração. A Norm AI captou US$ 50 milhões da Blackstone em novembro, meses depois de levantar US$ 48 milhões em sua Série B, realizada em março. Na área de programação, a Lovable levantou US$ 15 milhões em sua rodada seed em fevereiro e, poucos meses depois, fechou uma Série A de US$ 200 milhões a uma avaliação de US$ 1,8 bilhão.
O setor de saúde aliado à IA também está em alta. A OpenEvidence captou US$ 210 milhões em julho em uma Série B que avaliou a empresa em US$ 2,5 bilhões e, em outubro, levantou mais US$ 200 milhões a uma nova avaliação de US$ 6 bilhões. Abridge, avaliada por último em US$ 5,3 bilhões, e Hippocratic AI, avaliada em US$ 3,5 bilhões, também fazem parte desse movimento.
Para Max Altman, cofundador e sócio-gerente da Saga Ventures, o fenômeno não se resume ao entusiasmo de investidores despejando dinheiro onde veem potencial. Em alguns casos, ele afirma que levantar rodadas em rápida sucessão faz parte de um plano estratégico claro, que inclui eliminar espaço de manobra para os concorrentes.
Segundo Altman, o que essas empresas estão fazendo é, de maneira muito inteligente, saturar o terreno para os adversários. O prêmio é tão grande neste momento, com tanta gente disputando o mesmo espaço, que uma estratégia altamente eficaz é absorver todo o capital disponível e atrair os melhores fundos para dentro de casa. Assim, eles deixam de investir nos concorrentes. Ele lembra que a Stripe fez isso muito cedo e que foi uma jogada extremamente inteligente. A empresa se tornou uma força da natureza grande demais para falhar.
Isso não significa, porém, que toda empresa que atrai uma enxurrada de capital seja necessariamente uma vencedora em potencial.
Quando a base não está pronta, levantar muitas rodadas em sequência pode se transformar em uma grande armadilha. Jennifer Li, sócia da Andreessen Horowitz, afirma que essas captações consecutivas podem dar muito certo, mas também podem dar muito errado.
Segundo ela, funcionam quando o capital é usado diretamente para ampliar o ajuste entre produto e mercado e melhorar a execução. Isso ocorre, por exemplo, quando a empresa utiliza os novos recursos para expandir infraestrutura, melhorar modelos ou atender uma demanda crescente.
E quando é que dão errado? Li responde de forma direta: quando o foco migra da construção do negócio para a captação de recursos antes que a base esteja solidificada.
Assim como um arranha-céu erguido sobre terreno instável, uma startup que não consegue sustentar um valuation excessivamente elevado corre o risco de enfrentar uma dolorosa correção. As avaliações de algumas das startups de IA mais badaladas podem parecer insustentáveis, talvez até desconectadas da realidade, caso cheguem ao mercado público um dia. Esse processo de recalibração pode resultar em queda drástica no valor das ações dos funcionários, gerando riscos de retenção e contratação de talentos. Muitas das maiores ofertas públicas iniciais de 2025, como as da Chime e da Klarna, representaram cortes significativos de valuation em relação aos picos de 2021.
No mercado privado, rodadas muito rápidas também podem deixar a estrutura societária excessivamente complexa, à medida que a participação dos fundadores se dilui aceleradamente. E há ainda talvez o maior risco de todos: o de que algumas dessas startups hiperfinanciadas acabem com taxas de queima de caixa insustentáveis, incapazes de retroceder caso o cenário mude e o capital se torne escasso. Isso pode levar a demissões ou até algo pior.
Ben Braverman, cofundador e sócio da Saga Ventures, afirma que esse fenômeno é, no fim das contas, uma história sobre concentração de capital em IA e sobre como os fundos de venture capital mudaram suas estratégias após o período de excessos de 2021. Ele lembra que o venture capital sempre funcionou segundo a chamada Lei do Poder, na qual os grandes vencedores continuam vencendo, mas que isso se intensificou nos últimos anos, com investidores perseguindo cada vez mais os favoritos do consenso.
Segundo Braverman, a história de 2021 até agora, em todos os lados do mercado, é uma fuga para a qualidade. Ele diz que muitos fundos tomaram a mesma decisão no ciclo recente: concentrar a maior parte de seus recursos em um pequeno grupo de empresas muito confiáveis. Isso, naturalmente, gera suas próprias consequências.
Uma dessas consequências é que mais capital do que nunca está fluindo para um conjunto limitado de queridinhas da IA. E, embora os contratos estejam sendo assinados em ritmo frenético, até mesmo investidores otimistas reconhecem que, como em qualquer ciclo, haverá vencedores e perdedores.
Tom Biegala, da Bison Ventures, afirma que, nesse ambiente, investidores às vezes caem na armadilha de acreditar que toda nova empresa de modelos de IA vai se parecer com a OpenAI ou a Anthropic. Ele diz que muitos estão atribuindo valuations enormes a essas empresas com base no valor implícito da possibilidade de se tornarem o próximo grande fenômeno da IA. Mas ele alerta que muitas delas provavelmente não crescerão o suficiente para justificar essas avaliações e que certamente veremos perdas significativas.

