Falar que um tema deve ser chato, embora confiável, pode até parecer algo estranho para quem é um entusiasta dele, mas de acordo com Gustavo Gorenstein, CEO da Jeeves no Brasil, “isso é o melhor elogio possível em finanças”. A Jeeves é uma plataforma global de infraestrutura financeira que atende cerca de 5 mil empresas em mais de 20 países com contas multimoedas, cartões corporativos e pagamentos internacionais, incluindo por meio das stablecoins, os criptoativos lastreados em moedas como dólar, euro e até ouro.
Gorenstein lidera a operação da companhia em São Paulo para fazer do Brasil um dos principais motores de crescimento, acelerando produto e adoção local. A expectativa da empresa é fechar os próximos anos com mais US$ 500 milhões de processamento por meio de sua infraestrutura de stablecoins em todo o mundo. Empreendedor com mais de 15 anos em tecnologia e serviços financeiros, antes da Jeeves fundou a bxblue, marketplace de crédito consignado adquirido pelo PicPay em fevereiro de 2023. Também criou a Poup.com.br, uma das primeiras plataformas de cashback do país, comprada pelo Banco CBSS. É administrador, com MBA em Marketing pela FGV e Mestrado em Technology Entrepreneurship pela University College London (UCL). Em conversa exclusiva com o BRAZIL ECONOMY, Gorenstein analisou como as stablecoins são vistas pelo mercado brasileiro atualmente. Confira:
Como você analisa o momento de stablecoins no Brasil em 2025?
Em 2025, o Brasil vive um amadurecimento acelerado com stablecoins deixando de ser “coisa de cripto” e passando a ser infraestrutura prática para câmbio, pagamentos internacionais e liquidação. Há também um movimento forte de stablecoins locais atreladas ao real ganhando tração, com estimativas de volumes on-chain relevantes. Nós acabamos de inaugurar uma nova rota de stablecoin entre Brasil e Estados Unidos, que permitirá às empresas brasileiras realizarem pagamentos internacionais em minutos, reduzindo em até 80% os custos de câmbio e eliminando os limites de horário do sistema bancário tradicional. Além disso, o próprio debate regulatório evoluiu de “se vai regular” para “como regular para crescer”, o que tende a aumentar a confiança institucional.
O que esperar para 2026?
Dois vetores devem dominar o tema em 2026. Em primeiro lugar, mais institucionalização e consolidação com regras mais claras. Exigências de capital e governança tendem a favorecer players mais estruturados e levar o mercado para padrões parecidos com os do sistema financeiro tradicional. Em segundo, stablecoins devem se firmar como trilho de pagamentos e não ativo de investimento. A tendência é o uso aumentar em operações de comércio exterior, pagamentos B2B e liquidações 24/7, com maior atenção do regulador.
As criptomoedas “normais” já são populares no Brasil, mas o mesmo não se pode dizer das stablecoins. Como popularizar esse tema no País?
Stablecoin deve ser tema chato e confiável para popularizar, o que é o melhor elogio possível em finanças. Isso dá transparência e qualidade de lastro com reserva líquida, auditoria, atestações, direito de resgate claro. A experiência não pode ser simples, já que o usuário não quer “blockchain” apenas, ele quer pagar e receber, com custo menor e previsibilidade. É necessário ainda uma integração com o mundo real, com compliance robusto e clareza de responsabilidades regulatórias. Esse manual é o que países com marcos mais maduros vêm exigindo, porque confiança é o principal gargalo.
Quais países têm boas experiências com stablecoins que o Brasil pode se inspirar?
Eu destacaria três modelos que ajudaria o Brasil a se calibrar: a União Europeia, que trouxe um arcabouço específico para tokens referenciados e stablecoins, com aplicação faseada e foco forte em proteção e governança. Singapura, com um framework focado em estabilidade de valor, composição e custódia de reservas e padrões de transparência e por fim Hong Kong, com um regime de licenciamento para emissores de stablecoins fiat-referenciadas, com exigências claras de reserva, resgate, controles e governança.
O Banco Central do Brasil tem bom diálogo com as empresas do setor?
No geral, sim. O sinal mais objetivo disso é o caminho escolhido com regulamentação e consulta pública. Isso é um formato de diálogo institucional já que o BC publica a agenda, abre consulta, recebe contribuições e ajusta a regra. A publicação de normas e minutas ao longo do processo indica um regulador que quer fomentar a inovação e concorrência, reduzindo risco sistêmico.
Então, a regulamentação vai no caminho correto?
Eu vejo que sim, já que o Brasil saiu do vácuo e está construindo um arcabouço que enquadra stablecoins dentro de preocupações reais em torno da proteção do consumidor, principalmente quando o uso vira câmbio e pagamento internacional.
Recentemente diversas fintechs se tornaram alvos de investigações por causa de possíveis relações com o PCC. O que as companhias que trabalham com stablecoins fazem para reforçar o compliance?
Segurança é sempre uma questão essencial. A Jeeves atua de acordo com a regulação local e normas estabelecidas por lei e os benchmarks globais da companhia, para reforçar o compliance. Não dá para tratar stablecoin como tecnologia neutra e pronto. O padrão de prevenção precisa ser de nível bancário. O que empresas sérias fazem, e o que esperamos do setor, é uma combinação de camadas incluindo avaliação de risco por área, monitoramento transacional, identificar padrões suspeitos, governança e trilha de auditoria, com políticas de reporte e cooperação com autoridades quando necessário. É necessário controles com nossos parceiros porque o risco nunca está apenas em um lugar. Esse reforço vem junto com a tendência global de maior foco regulatório em stablecoins. Compliance com essas moedas tem que ser igual ou melhor que no sistema financeiro tradicional, porque a velocidade do trilho exige ainda mais controle.
Quais os potenciais riscos de se investir em stablecoins no Brasil em um cenário desafiador como o ano de 2026?
Stablecoins oferecem segurança técnica por meio criptografia e blockchain, além de estabilidade de valor pareada a moedas como o dólar, por exemplo. Mas, possuem riscos de colapso de lastro, custódia e incertezas regulatórias. A segurança depende da transparência das reservas, auditorias e da regulamentação crescente, como no Brasil, para garantir proteção contra fraudes e lavagem de dinheiro. Por exemplo, pode haver risco operacional e de custódia com falhas de segurança, smart contracts, gestão de chaves, fraude ou ainda risco de uso ilícito, como lavagem, evasão, sanções, se não houver controles e monitoramento robustos.

