Em meio a uma escalada da guerra comercial global, à ofensiva industrial da China e à abundância de matéria-prima barata nos Estados Unidos, a indústria química brasileira atravessa um de seus momentos mais desafiadores. O setor, que ocupa posição estratégica na economia por fornecer insumos essenciais para praticamente toda a cadeia produtiva, viu o déficit comercial atingir US$ 57 bilhões, resultado direto da perda de competitividade, da alta carga tributária e de entraves regulatórios históricos. À frente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Passos Cordeiro acompanha de perto esse cenário e defende a necessidade de uma política industrial clara, previsível e de longo prazo para evitar o esvaziamento produtivo do País. Nesta entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, o executivo analisa o diagnóstico de 2025, explica por que o Brasil ficou preso entre as potências globais do setor, detalha os gargalos no mercado de gás e matérias-primas, avalia os impactos do cenário geopolítico e comenta as expectativas em torno do Projeto de Lei 892/2025, considerado crucial para a sobrevivência e a sustentabilidade da indústria química nacional.
Qual é o diagnóstico da Abiquim para a indústria química brasileira em 2025?
Foi um ano bastante desafiador. Tivemos um crescimento expressivo das importações de produtos químicos, que somaram US$ 72 bilhões, alta de 13% em relação ao ano anterior, enquanto as exportações permaneceram estáveis em cerca de US$ 15 bilhões. Isso resultou em um déficit comercial de US$ 57 bilhões, um número muito significativo. Esse cenário reflete, sobretudo, a perda contínua de competitividade da indústria química brasileira em um ambiente internacional cada vez mais agressivo.
O que explica um déficit comercial tão elevado? É uma questão tributária, de investimento ou estrutural?
Não existe um único fator. Trata-se de uma combinação de elementos. De um lado, temos a atuação extremamente agressiva dos dois maiores produtores mundiais, China e Estados Unidos. A China responde por cerca de metade do faturamento global da indústria química, apoiada em subsídios pesados e acesso a matérias-primas baratas, especialmente petróleo e gás russos. Os Estados Unidos, por sua vez, construíram uma enorme vantagem competitiva a partir da exploração do gás de xisto, que garantiu gás natural e líquidos a preços muito baixos. O Brasil ficou no meio desse conflito global, com matérias-primas caras, alta carga tributária e pouca previsibilidade regulatória.
Como essa diferença de custo se traduz na prática para a indústria brasileira?
De forma muito direta. Um produto químico básico que custa cerca de US$ 400 por tonelada nos Estados Unidos pode custar entre US$ 1.100 e US$ 1.200 no Brasil. Isso acontece porque lá o gás custa algo entre US$ 2,50 e US$ 3 por milhão de BTU, enquanto aqui pode superar US$ 15. Além disso, a China ainda devolve impostos na exportação, chegando a um incentivo de até 36%. É uma concorrência completamente assimétrica.
O Brasil tem alguma política de incentivo comparável à desses países?
Não. Enquanto a China conta com cerca de 1.800 programas de subsídio para a indústria química, o Brasil teve basicamente um único instrumento, o Regime Especial da Indústria Química, com impacto muito limitado. Estamos falando de um desconto efetivo de apenas 0,73 ponto percentual sobre uma carga tributária de 9,25% de PIS/Cofins. É muito pouco diante do que nossos concorrentes oferecem.
Nesse cenário, a indústria química brasileira consegue sobreviver sem apoio do Estado?
Não consegue. Sem apoio do governo, a indústria química brasileira não sobrevive. E isso não é uma particularidade do Brasil. No mundo inteiro, a indústria petroquímica depende de algum grau de apoio estatal, seja por meio de subsídios, seja por políticas de garantia de suprimento de matérias-primas ou infraestrutura. A ideia de que a indústria anda sozinha não é o paradigma internacional. A indústria química brasileira, que oscila entre a quarta e a sexta maior do mundo, precisa de um olhar estratégico do Estado para continuar existindo.
Um dos pontos recorrentes é a questão regulatória do gás natural. Onde estão os principais gargalos?
O Brasil tem uma regulação frágil em toda a cadeia: produção, transporte e distribuição. São setores com monopólios naturais, e a função da regulação deveria ser simular um ambiente de concorrência para garantir tarifas justas. Além disso, faltam regras claras para infraestrutura de escoamento e processamento do gás e para temas como reinjeção e queima. Sem isso, não há previsibilidade nem ampliação consistente da oferta.
O uso do etanol como matéria-prima química poderia ser uma vantagem competitiva?
Poderia e deveria ser. O Brasil é líder na produção de eteno a partir do etanol, que é o principal bloco da cadeia química. O problema é regulatório. O etanol é incentivado para uso como combustível por meio do CBIO, mas esse incentivo não vale para o uso petroquímico. Na prática, isso encarece o etanol para a indústria química, criando uma distorção que precisa ser corrigida pelo Estado.
A aprovação do Projeto de Lei 892/2025 muda esse cenário?
Sem dúvida. O projeto cria o Programa Especial de Sustentabilidade da Indústria Química, com horizonte até 2031, o que traz mais previsibilidade. Ele foi aprovado pelo Congresso com amplo apoio de entidades empresariais e sindicais e aguarda sanção presidencial. Não resolve todos os problemas, mas cria uma base mais estável para investimentos de médio e longo prazo.
A volatilidade política brasileira é um risco adicional para o setor?
É um risco relevante. A indústria química é altamente intensiva em capital, com investimentos que levam mais de cinco anos para maturar e mais de 15 para ter retorno. Quando políticas mudam a cada ciclo de governo, isso desestimula novos projetos. O que defendemos é uma política de Estado, não de governo, para dar previsibilidade e segurança ao investidor.
Como o senhor avalia os impactos do cenário geopolítico, como o tarifário dos EUA e possíveis tensões na Venezuela?
O tarifaço americano afetou exportações brasileiras de diversos produtos químicos, embora algumas distorções tenham sido corrigidas ao longo do tempo. O lado positivo é que o governo brasileiro reagiu com medidas de defesa comercial, como elevação de tarifas e ações antidumping. Em relação à Venezuela, o impacto direto é limitado, mas qualquer escalada de conflito na região gera efeitos indiretos e aumenta a incerteza. Nossa expectativa é sempre por soluções pacíficas, porque a instabilidade geopolítica acaba prejudicando toda a indústria global.

