O PL nº 4/2025, atualmente em análise no Senado, propõe uma extensa atualização do Código Civil, com o objetivo de ampliar a autonomia contratual, modernizar as regras de governança e impulsionar o ambiente de negócios no país, estimulando o empreendedorismo, a concorrência e a atração de investimentos.
A proposta busca adequar o ambiente societário à realidade contemporânea das empresas, incorporando avanços da jurisprudência e da doutrina, e aproximando o Direito Societário das boas práticas internacionais. As mudanças terão impacto direto sobre quem empreende, investe ou administra sociedades no país.
O texto amplia a liberdade contratual entre os sócios, permite a constituição de sociedades entre cônjuges (independentemente do regime de bens adotado), redefine o sistema de responsabilidade civil e busca simplificar procedimentos de administração e dissolução de sociedades.
Um dos pilares da reforma é a flexibilização contratual. O projeto amplia o espaço para que os sócios definam, em contrato, suas próprias regras de deliberação, administração e resolução de conflitos, conferindo mais segurança jurídica e previsibilidade, um avanço importante em um país historicamente marcado pela burocracia enfrentada pelos empreendedores.
Essa autonomia permite adequar o modelo societário ao porte e à complexidade de cada empresa, estimulando a profissionalização da governança. Entre as novidades, destacam-se a possibilidade de contratação de pessoa jurídica para exercer a administração ou integrar o conselho fiscal, o reconhecimento expresso da validade dos acordos de sócios, a previsão legal de quotas preferenciais, a simplificação de quóruns de deliberação e a modernização das comunicações societárias, adaptando o rito societário à era digital.
O texto também moderniza o regime de responsabilidade dos sócios, reforçando a separação entre o patrimônio pessoal e o da sociedade, seguindo os princípios da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas e da limitação da responsabilidade, incorporando conceitos já consolidados no direito comparado.
Outro ponto relevante é a simplificação dos procedimentos de dissolução e liquidação de sociedades, especialmente nos casos de encerramento consensual. O projeto incorpora entendimentos jurisprudenciais que reconhecem a validade dos critérios contratualmente definidos de apuração de haveres, ainda que resultem em valores inferiores aos obtidos por outros métodos de avaliação. Além disso, estabelece parâmetros para o uso do balanço de determinação, que deverá avaliar, a preço de saída, os bens e direitos do ativo (tangíveis e intangíveis), bem como fixa critérios para a definição da data de resolução da sociedade. Essas medidas tendem a reduzir custos, burocracias e longas disputas judiciais.
O Código Civil de 2002 foi concebido em um contexto econômico anterior à digitalização, à expansão das startups e à consolidação dos fundos de investimento. Atualmente, diversos dispositivos se mostram insuficientes ou desatualizados para lidar com as estruturas empresariais contemporâneas.
Um ponto especialmente sensível é a retirada imotivada de sócio. A legislação vigente não prevê norma específica para a sociedade limitada, o que leva à aplicação subsidiária do artigo 1.029, relativo à sociedade simples, que admite a retirada apenas em sociedades por prazo indeterminado. O PL nº 4/2025 propõe sanar essa lacuna ao incluir o artigo 1.085-C, assegurando às limitadas o direito de retirada a qualquer tempo, de forma imotivada, desde que o contrato seja celebrado por prazo indeterminado.
Outro tema recorrente diz respeito ao critério de apuração de haveres, alvo de intensos debates judiciais, uma vez que a legislação atual permite amplas discussões sobre o assunto, mesmo quando o contrato social ou o acordo de sócios já estabelece critérios específicos para sua determinação.
Embora a sociedade limitada recorra subsidiariamente às regras da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76), persistem dúvidas sobre a extensão dessa aplicação. Muito já se discutiu, por exemplo, sobre a possibilidade de emissão de quotas preferenciais, a obrigatoriedade de publicação das demonstrações financeiras e a eficácia jurídica dos acordos de sócios. O projeto busca consolidar esses temas no Código Civil, conferindo-lhes tratamento expresso e eliminando controvérsias que há anos dividem a doutrina e a jurisprudência.
A ampliação da liberdade contratual tende, em princípio, a simplificar o ambiente de negócios, permitindo que os sócios estabeleçam regras mais adequadas à realidade e à dinâmica de cada sociedade. Entretanto, esse avanço exigirá assessoria jurídica qualificada, sob pena de resultar em contratos sociais excessivamente complexos, desequilibrados ou de difícil execução.
O grande desafio será conciliar autonomia privada e segurança jurídica, de modo a assegurar que a flexibilização normativa não comprometa a previsibilidade e a estabilidade das relações societárias. Trata-se de um tema que deverá orientar a atuação dos tribunais e dos advogados societários nos próximos anos, especialmente no contexto de uma nova cultura contratual fundada na liberdade e na responsabilidade negocial.
*Cindy Ikeda é especialista em Direito Societário, Planejamento Patrimonial e Sucessório e M&A do Salles Nogueira Advogados

