Agro brasileiro lamenta adiamento de acordo com UE, mas produtores de milho festejam

Enquanto produtores do grão reclamam do tratado com Mercosul, maioria do agronegócio local ainda se mostra favorável, apesar de salvaguardas

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Imagens: Divulgação

Oriente Médio está na lista de regiões que devem receber o milho brasileiro caso o acordo com UE seja aprovado

Oriente Médio está na lista de regiões que devem receber o milho brasileiro caso o acordo com UE seja aprovado

Enquanto o agronegócio francês conseguiu barrar o acordo entre União Europeia e Mercosul, inclusive com o fechamento de estradas por parte de produtores agrícolas, segue o esforço do presidente Lula pela concretização do tratado.

Diante de tamanha pressão, fica evidente o interesse do agronegócio brasileiro, principal exportador do Mercosul, em fechar o negócio o mais rápido possível para que seus produtos entrem de maneira mais fácil no mercado europeu. Mas, nem todos os setores defendem este ponto de vista e os produtores de milho são, entre os grandes, aqueles que mais criticam as negociações.

“O impacto é negativo, já que exportamos mais do que a conta estabelecida pelo acordo. Atualmente, só o Brasil envia para a UE de 3 a 4 milhões de toneladas de milho por ano, enquanto a Argentina exporta cerca de 300 a 500 mil toneladas anuais. Com o acordo, o bloco inteiro terá que exportar 1 milhão de toneladas a cada ano”, lamentou Paulo Bertolini, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho).

“O governo sabe bem esses dados e por isso é um um contrassenso para o nosso setor, sem qualquer lógica comercial. Considero um passo atrás. Três países tem milho de qualidade atualmente e representam cerca de 50% do grão exportado no mundo, que são Brasil, EUA e Argentina. Com esse acordo, a UE perde acesso a dois deles”, emendou o o presidente.

Ele lembra que o bloco europeu importa grandes quantidades de milho da Ucrânia que, por causa da guerra com a Rússia, também limitou os envios do grão. Isso deve impulsionar a produção interna da UE em países como Itália e Alemanha, onde o milho é usado para a produção de energia. “Existem 140 países que reconhecem a qualidade do milho brasileiro e onde temos grandes mercados, como no Oriente Médio e norte da África. Por isso, temos total capacidade de redirecionar nossas exportações”, disse Bertolini.

De acordo com Aurélio Pavinato, diretor-presidente da SLC Agrícola, uma das maiores produtoras de commodities agrícolas do Brasil, apesar das reclamações dos produtores de milho, o acordo é positivo e estratégico para o Brasil, sobretudo para o agronegócio.

“Ele amplia mercados, reduz tarifas historicamente elevadas, fortalece a competitividade internacional do País e sinaliza compromisso com a integração econômica de longo prazo. Para setores como frutas, suco de laranja, café, carnes e produtos processados, o potencial de ganho é concreto”, disse.

Enquanto o setor de milho reclama, outros criam expectativas: a imensa maioria do agro brasileiro torce pela assinatura do acordo nos próximos dias, como por exemplo os cafeicultores.

“O acordo entre UE e Mercosul deverá favorecer, principalmente, o setor dos cafés industrializados do Brasil, uma vez que o café in natura não é tarifado para entrar no bloco europeu. Confirmada a queda anual da taxação sobre os cafés solúveis e torrado e torrado e moído, até chegar a zero em quatro anos, o Brasil ampliará sua competitividade na UE, provavelmente ampliando seus embarques desses produtos para lá, em especial o solúvel”, disse Marcos Matos, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).

Só em 2024, o Brasil exportou quase US$ 11,4 bilhões em café, sendo que praticamente metade deste valor foi destinado à UE. A Alemanha por si só importou US$ 1,8 bilhão do produto brasileiro, enquanto a Bélgica e a Itália importaram cerca de US$ 1 bilhão cada.

“Além da melhoria nos volumes e receitas com as exportações, outro fator que será relevante é o potencial aumento dos investimentos nas indústrias de cafés industrializados no Brasil, sendo este um ponto de geração de empregos e renda nas regiões dessas fábricas, o que vem ao encontro da relevância social da cafeicultura brasileira, melhorando os índices de desenvolvimento humano das populações locais”, concluiu Matos.

O BRAZIL ECONOMY também procurou a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (ABRAFRUTAS) e Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), mas ambos disseram que só irão se pronunciar se o acordo for fechado.

Na visão do economista Moacir Teixeira, sócio fundador da Ecoagro, especializada no relacionamento entre players do agronegócio brasileiro e o mercado de capitais, o consumidor local tem muito a ganhar, já que o Brasil é o maior exportador líquido de alimentos do mundo e os produtos são reconhecidos pela alta qualidade e preços mais baixos. Porém, o caso do milho é uma exceção de impacto negativo que pode ser revertido a longo prazo.

“O milho de fato não tem o impacto que vemos no café e centenas de outros produtos, mas com esse grão está acontecendo um movimento diferente em que o consumo interno cresce mais do que as exportações, dados os crescimentos na produção de proteínas e também de biocombustíveis. A Europa vai demandar mais proteína e ali na frente combustível renovável, o que impactará o milho com mais contundência”, disse.

Entenda o atual momento das negociações

O presidente Lula tinha interesse em fechar este acordo com a UE no próximo sábado durante a Cúpula do Mercosul, que será realizada em Foz do Iguaçu (PR).

A ideia era que a assinatura ocorresse em novembro, após mais de 25 anos de negociações, mas países do bloco pediram ao presidente brasileiro que a data fosse adiada em um mês para que as discussões se aprofundassem antes de concretizar aquele que criará o maior bloco de livre-comércio do mundo, envolvendo os 27 países da UE e os cinco do Mercosul.

Segundo fontes diplomáticas das agências AFP e da Reuters, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, comunicou aos líderes do bloco que a conclusão do acordo não ocorrerá neste sábado e foi adiada para janeiro. E o principal motivo para essa demora e relutância é o mesmo: o impacto do agronegócio de ambos os lados.

“A razão para o acordo entre UE e Mercosul não avançar é justamente o impasse agrícola. A pressão interna para manter o mercado europeu de produtos agropecuários fechados é fortíssima, porque não há competitividade contra economias como a do Brasil. Os argumentos ambientais são só uma forma de protecionismo por barreiras não-tarifárias”, afirmou Alexandre Pires, professor de economia e relações internacionais do IBMEC.

A reclamação dos franceses é que o acordo deve ser acompanhado por mais salvaguardas aos produtos europeus, como forma de proteger o agronegócio local dos produtos sul-americanos

“O acordo nasce politicamente condicionado. As salvaguardas aprovadas pela UE revelam que a abertura comercial europeia tem limites claros quando confrontada com interesses agrícolas domésticos. Embora não anulem o tratado, essas medida introduzem incerteza, elevam custos de conformidade e criam o risco de que exigências ambientais e sanitárias se transformem em barreiras não tarifárias recorrentes”, afirmou Aurélio Pavinato da SLC Agrícola.

Após as salvaguardas serem aprovadas pelo Parlamento Europeu, o Conselho do bloco precisa que 15 dos 27 países da União Europeia, que representam 65% dos habitantes, aprovem a assinatura final.

De um lado, o presidente francês Emmanuel Macron disse que não assinará o acordo, junto com Polônia, Hungria e Itália. Já do lado dos que defendem a assinatura nos próximos dias, fazendo coro ao presidente Lula, estão Alemanha, Espanha e Portugal.

Nos próximos capítulos desta saga de mais de 25 anos saberemos quem ganhou a guerra: o milho ou a imensa maioria dos produtos agrícolas brasileiros.

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