O Google está disparando na corrida da IA? O preço de suas ações indicam que sim

A forte valorização dos papéis evidencia como uma estratégia integrada de IA colocou a empresa à frente de Apple, Amazon, Microsoft e Meta

Jeff John Roberts e Jeremy Kahn (Fortune)
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IS GOOGLE RUNNING AWAY WITH THE AI RACE ITS STOCK PRICE SURE SEEMS TO SAY SO | Brazil Economy

Investir nas grandes empresas de tecnologia costumava ser simples e direto. Bastava montar uma cesta com os cinco gigantes da internet Apple, Amazon, Microsoft, Meta e a Alphabet, controladora do Google e contar com um desempenho acima do mercado. As ações não se moviam exatamente em sincronia, mas havia uma correlação setorial clara. Na era da inteligência artificial, porém, esse cenário ficou para trás.

Ao observar o desempenho das ações do chamado Big Five neste ano, é difícil acreditar que essas empresas pertençam à mesma categoria. Três delas estão ligeiramente atrás do índice S&P 500, que caminha para uma alta de cerca de 16% em 2025. Microsoft, Apple e Meta avançam aproximadamente 13%, 12% e 10%, respectivamente. A quarta, a outrora queridinha do mercado Amazon, fica muito atrás, com um ganho modesto de 1%. Já o Google se destaca. Com valorização em torno de 62%, figura entre as ações de melhor desempenho de 2025.

Essa divergência acentuada entre os maiores nomes da tecnologia está diretamente ligada ao desempenho de cada um em inteligência artificial. Nos últimos dois anos, a IA tornou-se uma obsessão para investidores e levou todas essas empresas a gastar somas vultosas em talentos e infraestrutura. O Google, contudo, parece ser o único que conseguiu transformar esses investimentos em uma estratégia de negócios vencedora. Isso levanta a questão de como a gigante das buscas conseguiu esse feito e se as quatro concorrentes atrasadas poderão fazer o mesmo e entregar ganhos semelhantes a seus acionistas.

O flywheel de IA do Google

Os ganhos das ações do Google impulsionados por IA são impressionantes, especialmente considerando seus tropeços iniciais com a tecnologia. O mais notório ocorreu em fevereiro de 2024, quando, ao tentar se equiparar às capacidades do popular ChatGPT, da OpenAI, o Google reformulou seu chatbot Bard e lançou uma IA multimodal rebatizada como Gemini. Os resultados cheios de erros e vieses políticos explícitos, incluindo a representação de nazistas como pessoas de cor, levaram investidores a punir a ação e a temer que a empresa tivesse perdido a corrida da IA.

Esse discurso, porém, mudou rapidamente. O Google voltou à prancheta, promoveu uma reformulação profunda do Gemini e lançou versões muito superiores no segundo semestre do ano passado. Paralelamente, integrou recursos de IA de forma quase imperceptível ao seu principal produto de busca e criou expectativa em torno de novos serviços, como o gerador de imagens Nano Banana, lançado neste verão no hemisfério norte.

Esses lançamentos ajudaram a impulsionar o preço das ações, mas são apenas parte de uma história mais ampla de sucesso em IA. O motivo pelo qual o Google está se distanciando dos rivais é sua capacidade de explorar diversas forças em IA e construir um flywheel, um ciclo virtuoso, que gera melhorias contínuas.

Para começar, a empresa conta com um poderoso laboratório de pesquisa, o Google DeepMind, que lhe permitiu desenvolver modelos competitivos frente à OpenAI. Além disso, possui sua própria plataforma de nuvem, o Google Cloud, que fornece a infraestrutura necessária para atender às enormes demandas de energia e computação da IA em escala. De forma crítica, essa pilha de infraestrutura inclui chips próprios, as Tensor Processing Units, o que dispensa o Google de disputar os escassos chips da Nvidia no mercado global. Longe de serem uma tecnologia de segunda linha, as TPUs já estão em sua sétima geração. A mais recente, chamada Ironwood, vem sendo procurada por outros grandes players de IA.

Tudo isso posiciona o Google de maneira singular entre os rivais do Big Tech para se destacar em tecnologia e conhecimento em IA. Ao mesmo tempo, o desempenho recente dissipou temores de que a ampliação da oferta de IA canibalizaria a receita do negócio central de buscas. Ao contrário, a empresa demonstra que a IA pode ser incremental, permitindo inclusive cobrar mais dos anunciantes com o argumento de que cliques associados a ferramentas como o AI Overview refletem maior intenção de busca.

Melhor ainda, o Google dispõe de inúmeros produtos nos quais pode testar e refinar suas soluções de IA, como YouTube, Maps e a própria busca. Embora não seja tradicionalmente visto como uma empresa corporativa, ferramentas como Google Docs, Sheets e Gmail oferecem milhões de oportunidades para testar IA no ambiente de trabalho. Por fim, a companhia tem uma posição relevante em dispositivos, onde muitos acreditam que se dará a próxima disputa pela dominância em IA, graças aos smartphones Pixel e à longa atuação no sistema Android.

Enquanto isso, todos os rivais do Big Tech carecem de alguns ou da maioria dos componentes que formam o flywheel de IA do Google. Ainda assim, a história do Vale do Silício é marcada por disrupções constantes, o que significa que qualquer uma dessas empresas ainda pode encontrar caminhos para retomar a liderança.

Os outros gigantes conseguem alcançar?

O valor das empresas de tecnologia, como o de qualquer companhia, é determinado por múltiplos fatores. Ainda assim, o desempenho relativamente fraco das ações de Amazon, Apple, Microsoft e Meta parece decorrer diretamente da incapacidade de demonstrar retornos expressivos sobre seus investimentos maciços em IA.

A Amazon, de longe a mais atrasada, possui um atributo evidente que a torna competitiva. A liderança da AWS em computação em nuvem a posiciona bem para operar IA em escala. Contudo, a empresa fica aquém em outros aspectos. Produz chips próprios, os Trainium, para reduzir a dependência da Nvidia, mas eles parecem longe de ser referência, algo evidenciado pela decisão de sua parceira próxima, a Anthropic, de utilizar chips do Google.

No campo dos modelos de linguagem, a Amazon tem soluções próprias, mas também investiu US$ 8 bilhões na Anthropic, refletindo a necessidade de construir capacidade estratégica para acompanhar os líderes. Além disso, tem poucas frentes para aplicar a expertise adquirida. O comércio eletrônico, seu principal negócio, é apenas uma aplicação estreita em um universo muito mais amplo, enquanto dispositivos como Alexa e Echo têm alcance bem inferior ao de vários produtos do Google. Para completar, a empresa não soube explorar plenamente as oportunidades que possui. As avaliações do novo Alexa+ com marca de IA foram mornas.

A Meta, por sua vez, é o segundo pior desempenho entre os cinco em 2025, apesar de ter mostrado potencial inicial em IA. Esse potencial foi mais evidente na família de modelos abertos Llama, distribuídos em plataformas como Facebook, WhatsApp e Instagram. As versões mais recentes, porém, não conseguiram acompanhar os avanços dos concorrentes, mesmo com a empresa gastando cifras expressivas para contratar pesquisadores de destaque.

Pesam contra a Meta a ausência de uma plataforma de nuvem própria e a capacidade limitada de chips internos, o que a levou a recorrer ao Google como fornecedor. Embora sua enorme base em redes sociais seja um canal natural de distribuição, analistas observam que a empresa já utiliza IA de forma intensiva para otimizar anúncios e pode ter extraído a maior parte dos ganhos relevantes nessa frente. Além disso, reportagens indicam tensões internas entre pesquisadores interessados em avançar a ciência da IA e executivos focados em retornos financeiros concretos.

A Microsoft, que mais se aproxima do desempenho do S&P 500 entre as atrasadas, compartilha a vantagem da nuvem com Amazon e Google. Também foi uma das pioneiras em IA, graças ao investimento pesado na OpenAI. Nos últimos tempos, porém, a relação com Sam Altman tornou-se mais tensa, o que pode complicar o caminho futuro da empresa.

Diferentemente do Google, a Microsoft não é conhecida por excelência em chips e depende fortemente das GPUs da Nvidia. Apesar de ter ampla distribuição por meio de produtos como Office, Bing e LinkedIn, ainda não conseguiu vitórias expressivas. Isso inclui o segmento corporativo, tradicionalmente dominado pela empresa, onde o Copilot não empolgou.

Por fim, há a Apple, cujo histórico em IA tem sido limitado e frustrante. Isso chama atenção diante de sua reconhecida expertise em hardware e longa experiência em serviços de nuvem. A empresa, porém, enfrenta desafios específicos, como o compromisso com a privacidade como pilar da marca. Embora atraente para consumidores, essa postura dificulta a coleta massiva de dados necessária para treinar grandes modelos de IA.

Dois potenciais fatores de virada para investidores

A percepção crescente de que o Google está se distanciando na corrida da IA se reflete tanto no sentimento do mercado quanto no preço de suas ações. Há, porém, outro indicador que sugere espaço para novas altas. O múltiplo preço sobre lucro, métrica tradicional para avaliar se uma ação está cara, gira em torno de 30 para o Google. É um nível semelhante ao da Meta e da Amazon e inferior ao de Microsoft e Apple, o que indica que o mercado talvez ainda não tenha precificado totalmente a capacidade do Google de transformar seu desempenho em IA em crescimento de receita.

Mesmo liderando entre seus pares históricos da internet, dois movimentos podem redesenhar a corrida da IA no Big Tech. O primeiro seria uma grande aquisição por parte de um concorrente para reforçar sua posição. Isso, no entanto, não é simples, já que restam poucas startups relevantes. A Anthropic seria um alvo óbvio, mas sua avaliação pode ser grande demais até mesmo para um gigante da tecnologia.

O segundo fator é a mudança no comportamento do consumidor. Há especulações de que novas formas de interação com a IA ganhem espaço, como dispositivos vestíveis ou integrados. Startups já vendem pingentes com IA, e a Meta aposta em óculos inteligentes no estilo Ray Ban. As vendas, contudo, têm sido modestas, e não está claro se esses produtos vão se popularizar. É plausível que consumidores continuem usando smartphones e relógios no futuro próximo, até que um novo paradigma surja, possivelmente envolvendo chips internos e biometria.

Em resumo, os contornos da economia da IA ainda estão se formando, e novas tecnologias e empresas surgirão para atendê-la. Até lá, porém, os gigantes do Big Tech seguirão no centro desse mercado, com o Google ocupando posição de destaque.

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