Um presidente da República que gosta de gastar e um presidente do Banco Central (BC) que barra os gastos do governo por meio da Selic. Para especialistas ouvidos pelo BRAZIL ECONOMY, esta frase didática é o melhor resumo da economia brasileira em 2025.
A taxa de juros brasileira passou por subidas graduais este ano e estacionou em 15% em junho, índice que se encontra no momento. Enquanto isso, desde o início do atual governo, a receita líquida federal aumentou aproximadamente R$ 200 bilhões, mas as despesas cresceram R$ 300 bilhões no mesmo período.
O resultado é o mesmo: o BCl precisa manter a taxa Selic em patamares altos para controlar a inflação ocasionada pelos gastos. Ou seja, enquanto o governo acelera, o BC pisa no freio.
Isto favoreceu as grandes gestoras do mercado de capitais que em 2025 optaram por deixar muitos clientes na renda fixa, aproveitando sua segurança diante da alta na Selic, como explica Carlos Augusto Lopes, CEO da Uqbar, plataforma que conecta companhias com o mercado de finanças estruturadas.
“Com um cenário de juros altos por tanto tempo, as gestoras perceberam que havia um mundo ainda pouco explorado além de ações e multimercados. E este novo mundo para muitas é o mercado de crédito”, afirmou.
Porém, este ciclo está com os dias contados. De acordo com o último Boletim Focus do Banco Central, relatório que reúne estimativas de mais de 100 instituições financeiras e funciona como um termômetro das expectativas do mercado para a economia brasileira, a queda da Selic deve levá-la ao patamar de 12,25%, o que ainda está longe do ideal para estimular a economia.
As fontes ouvidas pelo BRAZIL ECONOMY acreditam que os cortes na Selic podem até começar em janeiro do ano que vem, mas o mais provável é que seja só em março.
“Essa possível divergência entre governo e BC é a maturidade e a independência formal do banco desde que foi criado o regime de metas de inflação, já que ele precisa alcançar essas metas e tem operado neste sentido. Do outro lado, está um governo que já não é mais o mesmo de 2002, com compromissos que dificultam fazer uma política fiscal contracionista”, disse o economista Fabio Andrade, professor da ESPM.
Otaviano Canuto, ex-diretor do Banco Mundial e do FMI, explica que a Selic no patamar de 15% faz parte de uma estratégia que ele chama de “pausa prolongada”, ou seja, a demora do BC em fazer novos cortes por motivos provocados pelo próprio governo.
“O IPCA deve terminar em 4,2%, ou seja, no limite superior da banda, enquanto existem projeções de déficit fiscal maior, dúvidas sobre cumprimento do arcabouço. Tudo isso pressiona o câmbio por um juro real maior”, disse Canuto que também atuou como secretário da Fazenda para Assuntos Internacionais no primeiro mandato do presidente Lula.
Os especialistas também apontam que todo este cenário de “briga” por visões econômicas distintas fez com que 2025 fosse marcado pela desmoralização do Arcabouço Fiscal, três anos após sua implementação. Criado no início do governo substituir o Teto de Gastos, na época foi tratado como “um calmante” para o mercado que necessitava de uma nova âncora contra possíveis gastos públicos desenfreados do governo petista.
“O Arcabouço Fiscal perdeu credibilidade em 2025, em razão de inúmeras exceções ao cumprimento da regra. A situação tende a piorar em consequência da ocupação do espaço fiscal pelos gastos obrigatórios, que deverão invadir o que resta de flexibilidade ao longo dos próximos dois ou três anos. Fracassou em sua principal missão que era a de estabilizar e depois reduzir a relação entre a dívida pública e o PIB, que é o melhor indicador de solvência do setor público”, disse o economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo de José Sarney.
Inflação, PIB e câmbio
Para 2025, a previsão para a inflação caiu pela sexta vez consecutiva, de 4,36% para 4,33%. Em relação ao crescimento da economia, o mercado elevou levemente a estimativa do PIB, de 2,25% para 2,26%. Já no câmbio, a expectativa para o valor do dólar ao fim deste ano foi revisada para cima, de R$ 5,40 para R$ 5,43, bem longe do que o mercado esperava há alguns meses.
Para Fabio Andrade, câmbio é justamente a variável mais difícil de se analisar já que ele depende de múltiplos fatores que o País as vezes não tem como controlar, caso das tarifas impostas ao Brasil por Donald Trump em julho. Mesmo neste cenário, ele comemora o desempenho da política cambial.
“O governo atravessou um alto período de turbulência internacional em virtude das políticas de tarifa dos EUA, que voltou atrás, o que afetou a entrada de dólares no Brasil, mas ao fim e ao cabo a taxa de câmbio terminou bem porque ela não se estabilizou em torno de R$ 6, como eram as expectativas dos operadores de mercado”, disse.
O professor reconhece a estratégia do governo de aumentar a arrecadação ao invés de cortar gastos, mas relativiza o impacto que estas divergências têm na economia brasileira quando se pensa em um projeto de País.
“Me preocupa menos esse ruído de curto prazo da economia brasileira e divergência entre Banco Central e do poder executivo. O que me preocupa mais do ponto de vista deste governo é a ausência de um grande plano para elevar a produtividade em alguns setores e diversificar a inserção do Brasil na economia internacional. Temos que participar de mais cadeias de valor global”, disse Fabio Andrade.
Desemprego
No meio dessa disputa entre BC e governo federal, como fica a situação do mercado de trabalho?
Os números são positivos: de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego está em 5,4%, o que significa que 5,9 milhões de brasileiros estão sem emprego, ao passo que 102,6 milhões estão ocupadas de alguma maneira. Porém, mesmo com dados que evidenciam pleno emprego, a popularidade do presidente Lula segue baixa.
“A taxa de desemprego do governo não está mais relacionada com a taxa de inadimplência das pessoas físicas. O desemprego é baixo já que qualquer um que perde seu emprego pode se conectar aos aplicativos e virar entregador do Mercado Livre, Amazon, Uber ou Ifood. Diante disso, a pessoa está até empregada, mas a situação financeira pessoal não melhora e ela entende que isso sim é um problema para o dia a dia”, afirmou Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos.
Com 2026 batendo à porta, todos esses debates vão se aprofundar com um fator novo: as eleições presidenciais, onde o próprio presidente Lula tentará a reeleição. Os especialistas ouvidos pela reportagem acreditam que é justamente o período eleitoral que deve impulsionar ainda mais os gastos do governo e a fuga de medidas antipopulares.
“A salvação do arcabouço fiscal depende de complexas e impopulares medidas estruturais, principalmente a desvinculação permanente entre o salário mínimo e os benefícios previdenciários, e a eliminação dos pisos para os gastos com educação e saúde. Mais tarde, uma nova reforma da previdência. Ocorre que o atual governo se opõe veementemente a tais medidas”, disse o ex-ministro Maílson da Nóbrega.

