A educação executiva em Harvard atravessa uma transformação profunda, ainda que discreta. A universidade que consagrou o método do estudo de caso, os programas residenciais de longa duração e o tradicional MBA de dois anos passou a adaptar seus modelos a um ambiente empresarial marcado por decisões em ritmo acelerado, ciclos de inovação cada vez mais curtos e uma economia orientada por tecnologia e informação. Executivos chegam hoje à sala de aula interessados em discutir fatos ocorridos na véspera ou mesmo poucas horas antes, em um contexto no qual apostas estratégicas ganharam escala e impacto inéditos.
Sem abandonar seus formatos clássicos, Harvard vem ampliando a atuação da Division of Continuing Education (DCE), responsável por programas de educação continuada e executiva. A unidade passou a oferecer cursos intensivos, de dois ou três dias, com forte ênfase em inteligência artificial, que se consolidou como um dos pilares dessa nova abordagem. Os programas combinam frameworks analíticos, debates em tempo real e experiências práticas, cada vez mais apoiadas por ferramentas de IA.
Uma dessas iniciativas contou com a participação da Unico, maior rede de verificação de identidade da América Latina, em um programa da DCE voltado a estratégia, liderança e inovação. Segundo Jon Fay, instrutor de Business Strategy no Professional & Executive Development da DCE, a evolução do modelo responde a duas demandas centrais da nova educação executiva: recência e velocidade. Com o apoio da IA, afirma Fay, tornou-se possível trabalhar com casos que viraram notícia dias antes e, em alguns casos, poucas horas antes da discussão em sala. Para ele, os formatos curtos não substituem os programas tradicionais, mas ampliam o portfólio ao permitir a geração de aprendizado intenso em pouco tempo.
A mudança também reflete uma transformação estrutural no próprio conteúdo de estratégia. De acordo com Fay, a lógica industrial baseada em ganhos marginais de eficiência, margem ou participação de mercado perdeu espaço para a economia da informação, na qual empresas de tecnologia e plataformas digitais competem em modelos de winner take most. Nesse ambiente, decisões estratégicas tendem a ser mais instáveis e de alto risco. Não se trata mais de disputar pequenos pontos percentuais de market share, mas de decisões que definem se a empresa será extremamente bem-sucedida ou um fracasso total. Para esse cenário, a educação executiva precisa ser mais ágil, atual e conectada à realidade dos negócios.
Unico em Harvard
A Unico participou do programa intensivo da DCE com 32 colaboradores, na maior imersão internacional já promovida pela empresa. Ao longo de três dias, o grupo analisou casos curtos de companhias como Taiwan Semiconductor, Uber, Netafim, OpenAI e Mistral, com foco em decisões estratégicas recentes. Diferentemente do modelo tradicional, baseado em estudos de caso de uma década atrás, as discussões partiram de eventos ocorridos poucos dias antes das aulas.
A inteligência artificial foi central para viabilizar esse formato acelerado. As ferramentas utilizadas sintetizaram casos em minutos, produziram dossiês para os grupos, geraram um podcast em português com os principais aprendizados e criaram chatbots exclusivos a partir de fontes selecionadas pelos instrutores.
Essa combinação de velocidade e profundidade permitiu recriar uma versão condensada do experiential learning, método amplamente adotado por Harvard no passado, mas que demandava projetos longos e logística complexa. Segundo Fay, o novo modelo entrega benefícios semelhantes em ciclos muito mais curtos. Os participantes recebem o framework analítico, discutem um caso e, em seguida, aplicam os conceitos em grupo, muitas vezes com apenas uma hora para concluir a atividade.
Formação de líderes globais
A experiência em Harvard integra uma trilha internacional de desenvolvimento da Unico, que já incluiu imersões na Estônia e na China. Em 2021, na Estônia, referência global em identidade digital, líderes da empresa discutiram infraestrutura, segurança e modelos de autenticação com autoridades locais. No ano passado, a UExpedition levou colaboradores e clientes ao ecossistema de inovação de Pequim e Xangai, em um programa de cinco dias.
Para Rafaela Provensi, diretora sênior de Operações & People, a imersão em Harvard reforçou competências essenciais para a inovação, como autonomia e segurança psicológica. Segundo ela, para estimular a inovação, líderes precisam dar espaço para que as pessoas decidam, errem e acertem, mantendo proximidade para ajustar a rota com clareza estratégica.
Gabriela Dias, diretora sênior de Produto e Segurança, destaca que a experiência também fortaleceu valores centrais da empresa, como responsabilidade técnica, diversidade, segurança e visão sistêmica. Para ela, criar um vocabulário comum entre os participantes amplia o alinhamento estratégico e transforma cada colaborador em um multiplicador dos aprendizados.
O novo contexto das decisões estratégicas
No modelo tradicional, professores controlavam o fluxo de informações dos casos de forma gradual. Hoje, participantes chegam à sala com amplo acesso a dados atualizados ou os obtêm em segundos com o apoio da inteligência artificial. Os programas intensivos surgem como resposta a esse novo cenário ao acelerar o pensamento crítico, trazer decisões atuais para o debate e refletir uma fronteira estratégica marcada por apostas grandes e muitas vezes irreversíveis.
Para Jon Fay, o objetivo desses programas é provocar reflexão e manter o debate estratégico vivo mesmo após o término da imersão. A expectativa, segundo ele, é que as discussões iniciadas no campus continuem influenciando decisões no cotidiano das organizações.

