COP30 acende pressão por metas ambientais auditáveis no setor privado brasileiro

Ainda que, ao longo da última década, reguladores internacionais e entidades independentes tenham buscado estabelecer padrões para coibir o uso de iniciativas de sustentabilidade como mero recurso de marketing, o Brasil só entrou de fato nesse movimento recentemente

Plínio Pereira*
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Imagens: Divulgação

Plínio Pereira é gerente de Certificação na TÜV Rheinland

Plínio Pereira é gerente de Certificação na TÜV Rheinland

Com o encerramento da COP30 na capital paraense, o setor privado brasileiro volta para casa com um recado: metas ambientais só têm valor quando podem ser verificadas. Ao longo da conferência, governos, organismos multilaterais e a instituições financeiras foram uníssonos ao afirmar que a transição climática depende de dados confiáveis, metodologias padronizadas e auditoria independente.  O encontro não criou novas regras, mas consolidou uma diretriz que vinha se formando nos últimos anos, metas ambientais só possuem valor quando podem ser verificadas.

Isso também significa que os compromissos climáticos de qualquer país só poderão ser cumpridos se empresas de todos os setores apresentarem métricas robustas de emissões, uso de recursos e impacto ambiental. A conferência radicou uma realidade – a transparência deixou de ser voluntária e passou a ser exigência para competir, financiar e participar das cadeias globais.

Durante os debates na COP30, países reforçaram que a execução de suas metas climáticas dependerá de dados corporativos confiáveis e auditáveis, alinhados a padrões internacionais. Instituições financeiras endureceram o discurso ao afirmar que deixarão de financiar empresas incapazes de comprovar suas métricas ESG. Ou seja, o setor privado passa a operar sob a expectativa global de transparência total, em que metas ambientais só têm legitimidade quando sustentadas por informações verificáveis e comparáveis, capazes de resistir a auditoria e de dialogar com as exigências dos mercados internacionais.

O esgotamento da tolerância ao greenwashing

Segundo uma pesquisa global da EY, publicada em dezembro de 2024, ao menos 85% dos investidores afirmaram que o greenwashing é hoje um problema mais grave do que há cinco anos, um indicador que expõe a deterioração da confiança nas informações socioambientais divulgadas pelas empresas.

O levantamento também mostrou que 80% dos investidores apontaram falta de comparabilidade e precisão nas divulgações ESG, dificultando a incorporação desses dados nas análises de risco; 87% disseram preferir empresas cujas métricas ambientais passam por verificação independente, o que reforça que a auditoria deixou de ser diferencial e passou a ser requisito; e 93% declararam acreditar que as empresas deveriam cumprir as metas climáticas que anunciam, independentemente de serem obrigatórias por lei.

Esses números mostram que o mercado financeiro não aceita mais narrativas ambientais sem lastro técnico. Greenwashing deixou de ser visto como falha reputacional e passou a ser interpretado como risco financeiro direto, seja pela dificuldade em precificar exposição climática, seja pela possibilidade de litígios, sanções regulatórias ou perda de acesso a mercados.

A resposta brasileira

Ainda que, ao longo da última década, reguladores internacionais e entidades independentes tenham buscado estabelecer padrões para coibir o uso de iniciativas de sustentabilidade como mero recurso de marketing, o Brasil só entrou de fato nesse movimento recentemente. A transição ganhou força quando a CVM estruturou sua Política de Finanças Sustentáveis, em 2023, com o objetivo explícito de reduzir práticas de greenwashing e elevar a confiabilidade das informações ESG.

O marco mais importante veio com a Resolução CVM 193, que incorporou ao mercado brasileiro os padrões do ISSB e tornou obrigatória, a partir dos exercícios iniciados em 2026, a divulgação de relatórios de sustentabilidade auditáveis por todas as companhias abertas.

Além disso, nem todas as empresas estão no mesmo estágio de preparação. Uma pesquisa da Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) indicou que 71% das companhias brasileiras de capital aberto ainda não concluíram nem o diagnóstico inicial para se adaptar às novas normas de relato climático. Outro levantamento da KPMG apontou 76% das empresas em estágios iniciais ou intermediários de implementação ESG.

Aumento da pressão regulatória na Europa

Na União Europeia, o avanço regulatório se acelerou nos últimos três anos. A Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD) já está em vigor desde janeiro de 2023 e passou a ser aplicada, de forma obrigatória, para o primeiro grupo de empresas que reporta exercícios iniciados em 1º de janeiro de 2024, com divulgação efetiva a partir de 2025.

A diretiva ampliou de forma significativa o universo de organizações que devem publicar relatórios ESG auditados, seguindo um padrão único e comparável em todo o bloco, exigência que alcança inclusive multinacionais de fora da Europa com operações relevantes no mercado europeu. Neste ano, a União Europeia aprovou ainda a chamada “Stop-the-Clock Directive”, que ajusta os prazos de entrada em vigor para ondas posteriores, sem alterar o núcleo da obrigatoriedade: empresas precisarão reportar indicadores socioambientais com o mesmo rigor aplicado às demonstrações financeiras.

Paralelamente, o bloco implementou o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM), considerado um dos instrumentos regulatórios mais ambiciosos já adotados no comércio internacional. O mecanismo está em fase transitória desde outubro de 2023, período no qual importadores de produtos intensivos em carbono, como aço, alumínio, cimento, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio, devem reportar as emissões incorporadas nos bens enviados à Europa.

A partir de 1º de janeiro de 2026, o CBAM entra em sua etapa definitiva: empresas que exportam para a União Europeia terão de comprar certificados de carbono proporcionais às emissões declaradas, alinhando de forma direta o custo do CO₂ às relações comerciais.

O Brasil, como grande exportador de produtos intensivos em carbono, especialmente aço, alumínio, fertilizantes e derivados da indústria de base, tem que se adaptar às novas exigências.

A corrida por certificações e padrões internacionais de verificação

Essa mudança de expectativa global tem acelerado, no Brasil, a adoção de normas e sistemas de gestão ambiental que garantem rastreabilidade, padronização e auditoria independente.

Empresas de diversos setores têm preparado suas operações para obter a ISO 14001, que exige monitoramento contínuo dos impactos ambientais, definição de indicadores de desempenho e processos de melhoria permanente auditados por organismos independentes. Em paralelo, cresce a procura por metodologias robustas de mensuração de emissões e de certificações alinhadas à ISO 14064, que padroniza a quantificação e a verificação das pegadas de carbono em diferentes escopos.

O movimento se estende a outras frentes. Organizações com alta dependência energética têm investido em programas de gestão segundo a ISO 50001, que estrutura processos para medir, otimizar e comprovar ganhos de eficiência energética. Já setores industriais orientados para o mercado externo, especialmente alimentos, manufatura, química e bens de consumo, têm adotado a ISO 14067, focada na pegada de carbono de produtos, requisito cada vez mais solicitado por compradores internacionais que exigem comprovação de emissões associadas a itens específicos.

Essas normas não operam isoladamente: elas se conectam diretamente ao novo arcabouço regulatório brasileiro. A Resolução CVM 193, ao incorporar os padrões do ISSB, exige que companhias abertas apresentem métricas socioambientais com base técnica sólida e documentação capaz de resistir à verificação independente.

Sistemas de gestão e certificações ambientais funcionam como a espinha dorsal desse processo, oferecendo métodos formais, fronteiras bem definidas e trilhas de auditoria que permitem transformar compromissos climáticos em evidências concretas.

Ao final, o efeito combinado dessas forças – COP30, pressão de investidores, endurecimento regulatório internacional e adaptação da legislação brasileira –coloca o setor privado diante de uma nova realidade: metas ambientais só têm valor quando podem ser medidas, verificadas e auditadas. O discurso deixou de bastar. A competitividade de empresas brasileiras, tanto no mercado interno quanto em cadeias globais, passa agora pela capacidade de demonstrar impacto real, sustentado por dados confiáveis e alinhado a padrões internacionais. Em um cenário em que transparência se tornou condição de acesso a capital, mercados e reputação, permanecer fora desse movimento significa, simplesmente, ficar para trás.

Plínio Pereira é gerente de Certificação na TÜV Rheinland

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