A decretação da falência da Oi S.A., em novembro, e sua posterior reversão reacenderam um debate relevante para a compreensão do regime jurídico das telecomunicações no Brasil: o que ocorre quando uma das maiores operadoras do país entra em colapso financeiro?
Após quase dez anos sob recuperação judicial e com dívidas estimadas em R$ 1,7 bilhão, a Justiça reconheceu a insolvência técnica da Oi e determinou a convolação da recuperação em falência. Embora tenha sido deferido efeito suspensivo em recurso, a decisão em primeira instância destacou a necessidade de preservar a continuidade de operações cuja interrupção poderia gerar sérios riscos à ordem social.
As diversas funções essenciais desempenhadas pela companhia evidenciam que, no setor de telecomunicações, a falência de uma prestadora não representa meramente o encerramento de suas atividades, mas um evento potencialmente disruptivo para a administração pública, para a segurança do país e para milhões de usuários. Assim, abre-se espaço para uma análise mais ampla sobre quais serviços devem obrigatoriamente ser mantidos durante a falência de uma operadora e quais fundamentos jurídicos impõem essa continuidade.
A continuidade dos serviços essenciais de telecomunicações em casos de insolvência empresarial não decorre apenas de prudência administrativa do Judiciário: trata-se de uma exigência jurídica fundada em normas constitucionais, legais e regulatórias. Esses dispositivos vinculam tanto o Estado quanto as prestadoras e estruturam o tratamento que deve ser adotado quando uma empresa essencial entra em colapso econômico.
A Constituição Federal, em seu art. 175, determina que incumbe ao Poder Público garantir a prestação de serviços públicos essenciais, seja diretamente, seja por meio de concessão, permissão ou autorização. Ainda que os serviços de telecomunicações não se enquadrem integralmente como “serviço público” em todas as modalidades, a diretriz constitucional de continuidade, regularidade e universalidade orienta a atuação estatal no setor.
Além disso, a Lei Geral de Telecomunicações (LGT – Lei nº 9.472/1997) aprofunda esse comando. O art. 2º, incisos I e II, estabelece que o Poder Público deve assegurar o acesso às telecomunicações e estimular sua expansão, enquanto o art. 3º, inciso I, consagra expressamente o direito à continuidade dos serviços com qualidade e regularidade. Esses dispositivos formam a base normativa que impede a interrupção abrupta dos serviços, mesmo quando a prestadora enfrenta insolvência grave.
A essencialidade das telecomunicações também é reforçada por normas gerais, como a Lei nº 7.783/1989 (Lei de Greve), cujo art. 10 inclui as telecomunicações no rol de atividades essenciais, indicando que sua paralisação compromete necessidades inadiáveis da comunidade. De modo complementar, o Decreto nº 10.282/2020, que definiu atividades essenciais durante a pandemia de Covid-19, reconheceu a internet e os serviços de telecomunicações como indispensáveis para o funcionamento do país, reforçando o caráter crítico dessas operações.
Já no contexto empresarial, a Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência) prevê, no art. 47, que a recuperação judicial visa preservar a empresa, sua função social e os interesses dos credores; e, na falência, o art. 99 autoriza o juiz a adotar medidas para a continuidade temporária das atividades, quando necessário à preservação dos valores econômicos e sociais envolvidos. Quando aplicada ao setor de telecomunicações, essa regra ganha contornos ampliados, pois envolve a garantia de serviços essenciais para o Estado e para a sociedade.
Com base nessas normas, o Judiciário tem entendido que, mesmo em situação de falência, a operadora deve manter equipes técnicas, contratos essenciais e rotinas operacionais até que outra prestadora assuma a continuidade ou até que seja implementada uma transição segura.
Ainda que a falência da Oi tenha ganhado um novo capítulo quando a decisão foi suspensa pela 1ª Câmara de Direito Privado do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), com o processo retornando ao regime de recuperação judicial, o caso representa um marco para a compreensão contemporânea do sistema de insolvência brasileiro, especialmente quando aplicado a empresas inseridas em setores regulados e essenciais.
A sentença que decretou originalmente sua falência oferece um exemplo concreto de como o Judiciário pode atuar para assegurar a continuidade dos serviços essenciais de telecomunicações durante a insolvência de uma grande prestadora. Na ocasião, embora tenha reconhecido a inviabilidade econômico-financeira da companhia, a juíza responsável determinou expressamente que todas as operações críticas deveriam ser mantidas, sob gestão do administrador judicial, até que outras empresas assumissem os serviços ou até que a transição fosse formalmente concluída.
A decisão listou diversos serviços cuja interrupção foi considerada inaceitável, como a infraestrutura que conecta a Caixa Econômica Federal às lotéricas de todo o país e outros contratos essenciais de dados e voz, autorizando a manutenção das equipes técnicas e das operações de campo, bem como a preservação dos contratos operacionais, e determinando que a massa falida continuasse ativa até que outra prestadora assumisse os serviços com plena capacidade técnica e logística.
A experiência demonstra que a falência, nesse setor, não implica desligamento: implica, sobretudo, gestão judicial orientada à continuidade. Os desdobramentos futuros, incluindo eventual revisão do plano de recuperação, apuração de responsabilidades societárias e estruturação de um modelo definitivo para a continuidade dos serviços, serão decisivos para definir o destino da companhia e para consolidar diretrizes importantes na atuação jurisdicional em casos de grande relevância econômica.
Trata-se, portanto, de um episódio paradigmático, cujos efeitos ultrapassam os limites da Oi e projetam repercussões sobre a disciplina da insolvência empresarial, a atuação de grandes credores e o papel do Estado na preservação de setores essenciais.
*Leonardo Camiza Machado é advogado especializado em Telecomunicações, Direito Público e Regulação, do escritório Silveiro Advogados

