O Banco Central intensificou, nos últimos dias, articulações junto à cúpula dos principais bancos privados do País e a entidades representativas do setor financeiro para conter um movimento que, na avaliação interna da autarquia, pode representar um abalo direto à sua autoridade técnica e à independência institucional. Em jogo está o processo que envolve o Banco Master e seu controlador, Daniel Vorcaro, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo fonte do BC ouvida pelo BRAZIL ECONOMY, sob condição de anonimato, diretores da instituição passaram a buscar apoio explícito dos chamados “bancões” e de associações do setor para reforçar, nos bastidores, a legitimidade das medidas de fiscalização, intervenção e liquidação adotadas contra o Banco Master. O objetivo é criar um ambiente de pressão institucional que desestimule o Supremo a anular ou relativizar decisões técnicas tomadas pelo regulador do sistema financeiro.
A preocupação ganhou corpo às vésperas de uma audiência marcada para esta terça-feira (30), determinada pelo ministro Dias Toffoli, que convocou uma acareação considerada incomum no âmbito do Judiciário. O encontro colocará frente a frente o diretor de Fiscalização do Banco Central, Ailton de Aquino Santos, o próprio Daniel Vorcaro, atualmente monitorado por tornozeleira eletrônica, e o ex-presidente do BRB (Banco de Brasília), Paulo Henrique Costa.
No Banco Central, a leitura é de que a audiência extrapola o padrão tradicional de análise judicial de atos administrativos e abre espaço para ingerência direta sobre decisões técnicas de supervisão bancária. “Há um temor real de desmoralização da autoridade monetária. Se decisões desse tipo forem revistas dessa forma, cria-se um precedente extremamente perigoso para todo o sistema financeiro”, afirmou a fonte.
O receio não se limita ao caso específico do Banco Master. Internamente, diretores avaliam que uma eventual anulação das medidas pode sinalizar fragilidade institucional do Banco Central diante do Judiciário, abrindo brechas para que outros controladores de instituições financeiras passem a questionar, judicialmente, atos de fiscalização e punições aplicadas pelo órgão regulador. Na avaliação técnica do BC, isso comprometeria a previsibilidade regulatória e elevaria o risco sistêmico.
Esse temor explica a mobilização mais ampla do setor financeiro. No sábado (27), quatro entidades que representam bancos, financeiras e fintechs divulgaram uma nota conjunta em defesa da atuação do Banco Central no caso da liquidação do Banco Master. O documento pede a preservação da autoridade técnica e da independência institucional do regulador, em meio a questionamentos sobre as decisões adotadas no processo.
Assinam a nota a Associação Brasileira de Bancos (ABBC), a Acrefi, a Febraban e a Zetta. Juntas, as associações afirmam representar mais de 100 instituições, cerca de 90% do setor financeiro e aproximadamente 98% dos ativos do sistema.
No comunicado, as entidades afirmam que a existência de um regulador técnico e independente é um dos pilares para a manutenção de um sistema financeiro sólido e resiliente. Segundo o texto, o Banco Central vem exercendo esse papel com “supervisão bancária atenta e independente, de forma exclusivamente técnica, prudente e vigilante”. As associações alertam que uma eventual revisão das decisões técnicas do regulador por outros órgãos levaria a um “terreno sensível de instabilidade regulatória e operacional”, com insegurança jurídica e prejuízos à confiança no sistema financeiro.
Em nota separada, a Anbima, que representa os mercados financeiro e de capitais, também manifestou apoio à autonomia do Banco Central, afirmando que decisões de liquidação são técnicas, baseadas em critérios prudenciais, e que sua eventual reversão comprometeria a confiança nos pilares do sistema financeiro brasileiro.
Além do respaldo institucional, ex-dirigentes do próprio Banco Central também passaram a se manifestar publicamente sobre o caso. O ex-diretor de Política Monetária do BC, Luiz Fernando Figueiredo, hoje sócio e conselheiro da Jubarte Capital, afirmou que a gravidade da situação financeira do Banco Master tornou a liquidação a única alternativa possível.
Figueiredo explica que, historicamente, o Banco Central sempre buscou soluções preventivas antes de chegar a uma medida extrema como a liquidação, mas que, no caso específico do Master, não havia mais margem para negociação. “É sempre uma grande dúvida quando o Banco Central toma uma atitude como essa. Mas, no caso do Banco Master, ele estava em uma situação tão crítica que a liquidação foi a única solução”, afirmou.
Segundo o ex-diretor, o banco apresentava um quadro de insolvência profunda, sem ativos capazes de sustentar uma recuperação. “O banco não estava apenas quebrado, ele estava muito quebrado. Com mais de R$ 40 bilhões em ativos que não valem nada, não havia como reverter a situação”, ressaltou Figueiredo, reforçando a avaliação técnica que embasou a decisão do regulador.
O episódio ganhou ainda mais ruído político após a revelação de que o ministro Dias Toffoli teria viajado para a final da Libertadores em avião particular ao lado de um advogado ligado ao caso Banco Master. Embora não haja, até o momento, qualquer acusação formal de irregularidade, o fato elevou o nível de desconforto dentro do Banco Central e entre agentes do mercado, que veem risco adicional de desgaste institucional.
Para especialistas do setor financeiro, o desfecho do caso pode se tornar um marco relevante na relação entre reguladores e o Judiciário. A autonomia do Banco Central, formalizada em lei nos últimos anos, depende não apenas de dispositivos legais, mas também do reconhecimento, por outros Poderes, de que decisões técnicas de supervisão não devem ser substituídas por avaliações políticas ou casuísticas.
Enquanto isso, o clima no BC é de tensão e cautela. A avaliação interna é de que qualquer recuo imposto pelo STF pode reverberar negativamente no mercado, afetando a confiança de investidores, a credibilidade da regulação bancária e, no limite, a própria percepção de risco do sistema financeiro brasileiro. A audiência desta terça-feira é vista, portanto, não apenas como mais um capítulo do caso Banco Master, mas como um teste institucional de grande alcance para o Banco Central e para o arcabouço regulatório do País.

