O Movimento Edy Mussoi de Defesa do Consumidor e o Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor ingressaram com uma Ação Civil Pública (ACP) contra a XP Investimentos e o Banco XP. As entidades acusam o grupo financeiro de manter falhas estruturais e recorrentes na comercialização de Certificados de Operações Estruturadas (COEs) de Crédito Internacional, com uso de documentação considerada incorreta e enganosa. O pedido inclui a suspensão da venda desses produtos, a realização de auditoria independente e o pagamento de indenização coletiva de R$ 100 milhões por danos ao mercado.

De acordo com a ação, os problemas identificados não se restringem aos COEs lastreados em títulos da Ambipar, que geraram perdas de até 93% aos investidores, mas teriam sido replicados em produtos vinculados a dívidas de ao menos outras sete grandes companhias. Entre elas estão Braskem, Cosan, Minerva, FS Luxembourg, Iochpe-Maxion, Aegea e Movida, além de outras que ainda podem ser identificadas em auditoria.
Procurada pela reportagem do BRAZIL ECONOMY, a XP informou, por meio de nota após a publicação da matéria, que a “XP Investimentos e o Banco XP atuam em conformidade com as normas regulatórias aplicáveis à oferta de produtos de investimento, incluindo os Certificados de Operações Estruturadas (COEs). A companhia analisará o conteúdo da ação mencionada e prestará os esclarecimentos necessários no âmbito adequado. A XP reforça que seus processos de estruturação, documentação e distribuição de COEs seguem critérios rigorosos de governança, com informações disponibilizadas aos investidores no momento da oferta. A empresa permanece à disposição das autoridades e do Judiciário para prestar os esclarecimentos necessários.”
Segundo o advogado Adilson Bolico, sócio do escritório Mortari Bolico Advogados e um dos signatários da petição, a investigação jurídica aponta a existência de uma prática sistemática de erros nos Documentos de Informações Essenciais (DIEs). “Foram utilizados, por anos, documentos oficiais com informações claramente incorretas, imprecisas e enganosas. Em COEs atrelados a títulos de dívida de empresas privadas, a descrição de risco reproduzia texto típico de títulos soberanos, afirmando que o ativo subjacente era um ‘título da dívida pública externa’ ou emitido pelo ‘Tesouro Nacional’”, afirma.
A ação sustenta que essa descrição equivocada não foi um episódio isolado, mas um padrão repetido em diferentes ofertas. Para as associações, o caso envolvendo a Ambipar exemplifica os efeitos práticos dessa conduta. Com o agravamento da situação financeira da empresa, os títulos sofreram forte desvalorização, levando ao vencimento antecipado dos COEs. Como resultado, investidores receberam cerca de 7% do capital aplicado, acumulando perdas reais de aproximadamente 93%.
Na avaliação dos autores da ação, os episódios revelam falhas graves de compliance e suitability. O presidente das associações, Cláudio Pires Ferreira, que também atua como advogado no processo, afirma que investidores com perfil conservador ou moderado foram expostos a risco corporativo de alto rendimento, com maior probabilidade de inadimplência, sem a devida clareza. “Houve venda de produtos de risco elevado com descrição documental típica de risco soberano. Além disso, os documentos omitiram ratings relevantes, como a classificação BB-, de grau especulativo, no caso da Ambipar, informação essencial para a tomada de decisão do investidor de varejo”, diz.
Outro ponto levantado na ação é a alegada inconsistência quanto à exposição cambial. Embora os documentos indicassem na capa que não havia exposição ao dólar, as cláusulas de perda total estariam vinculadas à variação do preço dos ativos em moeda estrangeira, o que, segundo as entidades, induziu os consumidores a erro sobre o risco efetivo da operação.
Além da indenização coletiva, a ACP requer a suspensão imediata da comercialização de novos COEs de Crédito Internacional até que a XP comprove, por meio de auditoria independente, a correção integral dos DIEs. O pedido inclui ainda a divulgação da lista de todos os produtos emitidos nos últimos 24 meses com a cláusula considerada incorreta, a retificação formal das informações e a comunicação individual aos clientes afetados.
As associações também solicitam a declaração de nulidade dos documentos viciados, o que pode abrir caminho para pedidos individuais de ressarcimento por vício de consentimento. A indenização pleiteada de R$ 100 milhões, segundo a ação, deverá ser destinada ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, como forma de compensar o dano coletivo causado à confiança e à integridade do mercado de serviços financeiros.

