“O crime virou empresa e está infiltrado do poço ao posto”, diz Emerson Kapaz, do ICL

O executivo reafirma que organizações criminosas estão comprando usinas, refinarias e fintechs, usando cripto para driblar o fisco e adulterando combustíveis em bombas

Compartilhe:

Imagens: Divulgação

Emerson Kapaz afirma que a ANP criou um problema ao liberar bomba branca em postos de bandeira

Emerson Kapaz afirma que a ANP criou um problema ao liberar bomba branca em postos de bandeira

Emerson Kapaz, presidente do Instituto Combustível Legal (ICL), tem acompanhado um cenário que vai muito além da sonegação no posto da esquina. Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, ele reafirma que as recentes operações da Polícia Federal mostraram: o crime organizado se infiltrou “do poço ao posto”, comprando participações em usinas e refinarias, operando por meio de fintechs com contas-bolsão, usando cripto para driblar o fisco e adulterando combustíveis com tecnologia embarcada em bombas. Ao mesmo tempo, Kapaz lista vitórias regulatórias que mudaram o jogo: a monofasia do ICMS para diesel e gasolina, o PIS/Cofins monofásico do etanol, a criminalização do não cumprimento de Créditos de Descarbonização (CBIOs) e a Operação Carbono Oculto, que já interditou quatro navios com 200 milhões de litros entre diesel, nafta e gasolina. Ele defende acelerar a monofasia do ICMS do etanol, banir a “bomba branca” da ANP e tornar obrigatórias bombas criptografadas, com financiamento do BNDES para a troca em escala. “Não precisa aumentar tributo: é cobrar de quem não paga”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Quais são hoje as principais frentes do Instituto Combustível Legal?
O ICL reúne 17 associados nacionais, entre as principais distribuidoras e empresas da cadeia: Petrobras, Raízen, Vibra, Ipiranga, ALE, RedeSIM, a Refinaria Riograndense, outras refinarias, as cinco maiores de lubrificantes e a Ultracargo, na logística. Esse escopo nos permitiu atuar do terminal ao varejo. Entre as vitórias, destaco a monofasia do ICMS no diesel e na gasolina, que estancou uma parte relevante da sonegação; e, no plano federal, o PIS/COFINS monofásico do etanol. Também avançamos para criminalizar quem não cumpre a obrigação de Cebios no Renovabio.

E o que falta no etanol na esfera estadual?
A monofasia do ICMS para o etanol. Hoje alguns estados operam substituição tributária com acúmulo de créditos e dificuldades de gestão, o Nordeste é um exemplo. A reforma prevê a mudança só para 2030; queremos antecipar por lei para já valer a partir do ano que vem. É crucial para fechar brechas de sonegação.

A imagem do setor foi arranhada pela lavagem de dinheiro. O que mudou com a Carbono Oculto?
A operação é um marco histórico porque integrou Receita Federal, MP, PF, PRF, Ministérios da Justiça e da Fazenda, procuradorias estaduais e muita inteligência compartilhada pelo ICL. Ficou evidente o tamanho do crime organizado no segmento. Não estamos falando apenas do posto. Eles compraram usina, refino, frota, transportadora. O crime organizado virou empresa e está infiltrado do poço ao posto. É uma cadeia empresarial do crime.

O senhor citou as contas-bolsão das fintechs. Esse problema está resolvido?
Está sendo resolvido. Eram contas únicas que recebiam bilhões; só o controlador da fintech sabia a origem dos recursos. Em quatro anos, circularam R$ 40 bilhões. Parte desse dinheiro rodava sem tributação no Brasil e parte saía em cripto. A primeira fase da Carbono Oculto travou esse mecanismo; o Banco Central ajustou regras logo em seguida. Não dá para generalizar, mas as fintechs envolvidas não foram inocentes.

Em que etapa está a operação hoje?
Já houve cinco fases, com cerca de trezentas buscas e apreensões. Na fase 3, quatro navios ligados à Refit-Manguinhos foram interditados no Rio: cerca de 200 milhões de litros entre diesel, nafta e gasolina. Houve pressão judicial pela liberação, mas o STJ, a pedido da PGFN, manteve as cargas interditadas. É um recado claro.

O senhor defende que combate à sonegação substitui aumento de impostos. Quanto isso representa?
O Fórum Nacional de Segurança Pública estimou que o crime organizado fatura R$ 160 bilhões por ano em ouro, bebidas, fumo e combustíveis. Só combustíveis, R$ 60 bilhões, quase três vezes o faturamento com drogas (R$ 21 bilhões). Se arrecadarmos o que já é devido, aliviamos o déficit fiscal sem elevar alíquota. É competição leal e caixa para o Estado.

Além de sonegar, há adulteração. Que casos chamaram atenção?
A operação identificou metanol entrando por Paranaguá; houve mistura ao etanol e à gasolina. Parte desse etanol adulterado foi parar em bebidas clandestinas, com mortes. É o retrato do “bandido enganando bandido” que mata gente. E há tecnologia de fraude em bomba: chip para entregar 35 litros quando o consumidor paga 40.

Dá para estimar o tamanho da fraude nas bombas?
Percentual exato, não. Mas já existe resposta concreta: o IPEM-SP firmou convênio para identificar e divulgar postos com bombas criptografadas, são 470 no Estado, 15 na capital. Três dos quatro fabricantes já produzem apenas bombas criptografadas. Custam cerca de 15% a mais, porém são invioláveis e dão segurança ao consumidor.

Tornar a criptografia obrigatória é viável?
Nossa proposta ao Inmetro é simples: flagrou adulteração, o posto deve trocar todas as bombas por criptografadas. Para escala, queremos alavancar financiamento do BNDES, há linhas de inovação que podem se aplicar. O Brasil tem 43 mil postos; com média de quatro bicos por posto, falamos de aproximadamente 150 mil bombas. É um investimento significativo, mas o ganho de arrecadação e de confiança paga.

Como as grandes bandeiras reagiram à Carbono Oculto?
Não houve citação direta às distribuidoras reconhecidas. O que aparece são casos em que o dono do posto, franqueado da marca, cedeu à tentação de comprar combustível adulterado. Aí as bandeiras precisam rescindir contratos, é briga judicial. Uma delas retirou cerca de mil postos da rede em um ano por mau uso de marca e irregularidades. É duro, mas necessário.

Por que tantos postos migram para bandeira branca?
Em parte, porque as marcas apertaram o compliance. E há um problema criado pela própria ANP em 2022: a regra da bomba branca permite que um posto de marca venda, numa bomba específica, combustível que não é daquela bandeira, bastaria uma plaquinha de aviso que quase ninguém vê. Isso abriu avenida para enganar consumidor e para adulteração. O MP do Triângulo Mineiro ganhou ação contra a prática, mas a disputa segue. A ANP precisa rever a portaria. Fiscalização custa caro e é escassa; eliminar a bomba branca reduziria o risco na origem.

A moralização é um projeto com fim ou uma corrida sem linha de chegada?
É combate permanente. A Carbono Oculto foi o primeiro passo e novas fases virão. O crime espalha-se por fármacos, garimpo, fumo, bebidas, construção, transporte. Mas no combustível ficou mais difícil crescer: monofasia fecha brechas, enforcement melhora, fintechs descontinuaram contas-bolsão, cargas foram interditadas. Se consolidarmos bombas criptografadas, revermos a bomba branca e anteciparmos a monofasia do ICMS do etanol, daremos o próximo salto.

Qual é a mensagem final para governo e consumidor?
Para o governo: integrar dados, blindar a regulação e cobrar de quem não paga. É mais eficiente do que criar imposto. Para o consumidor: informação é poder. Consulte a lista de postos com bombas criptografadas, desconfie de promoções milagrosas e entenda que preço bom demais pode custar o motor e a vida, como vimos no caso do metanol. A boa notícia é que a faxina começou e tem resultado. O ICL vai continuar empurrando a porta.

E para o setor?
Compliance como vantagem competitiva. Quem joga dentro das regras quer previsibilidade, competição leal e fiscalização que funcione. É assim que o mercado fica mais eficiente e que a sociedade ganha, com combustível de qualidade, arrecadação em dia e menos espaço para o crime que virou “empresa”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

ASSINE NOSSA NEWSLETTER E
FIQUE POR DENTRO DAS PRINCIPAIS NOTÍCIAS DO MERCADO

    Quer receber notícias pelo Whatsapp ou Telegram? Clique nos ícones e participe de nossas comunidades.