A Operação Carbono Oculto, deflagrada em agosto deste ano, revelou como o crime organizado invadiu o centro financeiro do país, a Avenida Faria Lima, utilizando fintechs e fundos de investimento em um sofisticado esquema de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. O caso acendeu um alerta vermelho sobre as fragilidades do setor e o papel das instituições financeiras na prevenção ao crime.
Em resposta, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) instituiu regras mais rigorosas para que os bancos bloqueiem movimentações suspeitas e encerrem imediatamente contas utilizadas em golpes e fraudes, bem como as contas de empresas de apostas online (bets) irregulares, ou seja, aquelas sem autorização da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda.
Pelas novas regras, os bancos terão de reportar os casos ao Banco Central, permitindo o compartilhamento de informações entre as instituições financeiras e criando um registro nacional. Surge aqui um questionamento legítimo: quais as garantias de que isso não acabe violando direitos individuais?
Essas medidas podem, de fato, contribuir para que o sistema financeiro não seja capturado por criminosos na realização de golpes, fraudes e ataques hackers. Contudo, a possibilidade de que pessoas ou empresas tenham sua conta bancária encerrada unilateralmente, e de que essas informações sejam automaticamente compartilhadas entre instituições, pode acarretar danos irreparáveis.
Há o risco de que, a pretexto de se combater o crime organizado, o sistema financeiro exerça um poder quase inquisitório, punindo sem contraditório, sem decisão judicial, sem julgamento. É fundamental que qualquer medida seja acompanhada de critérios objetivos, mecanismos de revisão e direito de contestação.
É essencial equilibrar a segurança do sistema com o respeito aos direitos individuais, sob pena de se causar uma espécie de “morte financeira” aos indevidamente afetados, inviabilizando negócios, salários, compromissos e a própria subsistência. Trata-se, literalmente, de uma pena aplicada sem o devido processo legal.
Sem regulação clara, há o risco de formação de um cadastro informal de suspeitos, do qual dificilmente se escaparia. A simples menção a uma investigação ou notícia negativa poderia bastar para excluir alguém do sistema financeiro?
Soma-se a esse cenário o avanço da inteligência artificial (IA) no sistema bancário. Pesquisa recente da própria Febraban revelou que 65% das instituições estão em estágio de exploração ou implementação inicial dessas tecnologias. Embora possa ser uma aliada poderosa no combate às fraudes, ainda há o risco de que decisões automatizadas sejam tomadas com base em parâmetros imprecisos ou enviesados, ampliando injustiças.
Nesse contexto, quanto maior o controle exigido das instituições financeiras, maior também a responsabilidade civil por falhas internas. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconhece que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados por falhas de segurança. Portanto, o reforço normativo não só legitima o controle, como amplia a obrigação de atuar de forma diligente e proporcional.
O Banco Central tem desempenhado um papel crucial na economia brasileira, com uma atuação que vai muito além da política monetária e da regulação tradicional do sistema financeiro. Nos últimos anos, tem capitaneado uma agenda de inovações, ampliando a inclusão financeira, promovendo a concorrência e reduzindo o custo do crédito para famílias, empresas e as próprias instituições financeiras. Resta saber se atuará firmemente na fiscalização da conduta dos bancos em relação às novas medidas anunciadas pela Febraban.
*Stéfano Ribeiro Ferri é sócio-fundador do Stéfano Ferri Advocacia, relator da 6ª Turma do Tribunal de Ética da OAB-SP e membro da Comissão de Direito Civil da OAB

