Na atual fisiocracia da política brasileira, baseada em indicações políticas, Alexandre Padilha é um dos poucos exemplos de ministros de Estado de alto escalão que consegue unir o perfil político com o técnico. Formado em Medicina com especialização em Infectologia pela USP, filiou-se ao PT em 1988 e foi ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais do segundo mandato de Lula. Na gestão de Dilma Rousseff assumiu a pasta da Saúde e foi um dos criadores do Mais Médicos, polêmico programa de saúde pública que trazia médicos estrangeiros para regiões desassistidas no país. Em 2019 foi eleito deputado federal e reeleito em 2022, mas se licenciou do cargo para refazer o mesmo caminho que havia feito nos governos petistas anteriores: tornou-se titular da pasta de Relações Institucionais e desde fevereiro deste ano voltou ao Ministério da Saúde. Padilha concedeu entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMYonde falou dos desafios que enfrenta na sua nova passagem pela pasta, a articulação política do Governo Lula e seus planos para 2026.
Entrevista
“Meu plano para 2026 é ajudar Lula a vencer a direita negacionista na saúde”, diz Padilha
Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, o ministro da Saúde negou a possibilidade de candidatura nas eleições do ano que vem e disse que a prioridade é cuidar das mulheres
Como tem sido para o senhor lidar com o atual Congresso Nacional para aprovar pautas da saúde?
O principal destaque da minha gestão foi criar o ‘Agora Tem Especialistas’ que surgiu exatamente de uma Medida Provisória aprovada pelo Congresso Nacional. Em um curto período conseguimos transformar em realidade o que era um sonho do presidente Lula, já que ele leva carretas e unidades móveis para exames especializados em todo o Brasil e já realizou os maiores mutirões nacionais neste sentido. Isso vem reduzindo o tempo de espera de exames nas capitais brasileiras, por exemplo.
O senhor é conhecido como um grande especialista em saúde coletiva, mas voltado para o setor público. Como o capital privado tem colaborado com o Ministério da Saúde atualmente?
De várias maneiras, já que precisamos da iniciativa privada para superar os desafios da área. O próprio “Agora Tem Especialistas” permite a adesão de planos de saúde, onde os hospitais privados trocam suas dívidas por mais cirurgias, exames e consultas especializadas no SUS. Temos que usar a força do Ministério da Saúde para aumentar a tecnologia, o que nos permite voltar a produzir insulina, por exemplo. Nessa área tecnológica também destaco uma grande parceria para transferir a tecnologia dos hospitais inteligentes da China e da Índia para o Brasil.
O Brasil foi um dos países com mais mortos durante a pandemia e muitos especialistas creditam isso ao governo Bolsonaro. Quais seus principais desafios desde que reassumiu o ministério este ano?
São diversos, entre eles corrigir os atrasos e cancelamentos de cirurgias e exames ocorridos durante a pandemia e que criou um verdadeiro represamento que pressiona o SUS desde então. Também temos a batalha de derrotar o negacionismo na área da saúde, nos mostrar contrários a quem espalha mentiras, fortalecer o papel da ciência, defender a vacina e até e trazer o Zé Gotinha de volta. Estou muito animado, tanto para cumprir esta missão quanto para vencer esta batalha.
O senhor tem alguma prioridade até o fim da sua gestão?
Cuidar das mulheres é a prioridade do Ministério da Saúde, já que elas são a maioria da população, as que mais atuam na área e as maiores usuárias do SUS. São as que mais usam o sistema para cuidar da própria saúde, como fazer exames preventivos, mas quando um homem o utiliza acontece de ter uma mãe com o filho, a avó com o neto, filha com o pai. Introduzimos possibilidades de contraceptivos, inclusive implantes para garantir a prevenção da gravidez com no mínimo três anos, com uma tecnologia muito apropriada ao público adolescente. Também atualizamos as novidades para o tratamento contra o câncer de mama por meio de remédios oferecidos pelo SUS. Agora, nossa próxima agenda é cuidar das mulheres com menopausa do SUS. Organizamos ainda o Fórum para Mulheres na Saúde onde trouxemos grandes empreendedoras, como Luiza Brunet, Luiza Trajano, Claudia Raia, lideranças populares, estudiosas do tema da saúde da mulher, ativistas, entre outras referências. O objetivo é interagir com as ações que o Ministério da Saúde faz, sugerir nova ações e construir essa entrega de melhorar a saúde das mulheres em todo o Brasil.
O grande cartão de visitas do atual governo é a COP30, que será realizada este mês em Belém do Pará. Como seu ministério pode se aproveitar das discussões que serão feitas lá?
O Brasil vai apresentar ao mundo na COP30 o Plano de Ação Belém para adaptar os sistemas de saúde do mundo aos enfrentamentos das mudanças climáticas que já impactam a saúde das pessoas em todo o mundo. A grande transformação é que os sistemas de saúde sejam resilientes aos impactos destas mudanças. São potenciais modelos construtivos de unidades de saúde ou hospitais que sejam resistentes à desastres, como enchentes ou furacões. Exatamente para que o sistema de saúde não seja destruído quando se tem tragédias associadas às mudanças no clima. Queremos ainda que os planos de saúde sejam resilientes às mudanças climáticas para cuidar melhor da saúde das populações mais vulneráveis a essas transformações, como as ribeirinhas da Amazônia que sofrem com as secas, ou na região sul que tem pessoas impactadas pelas enchentes. Saindo do Brasil, temos exemplos de países que passaram a ter contato com doenças que antes não tinham, exatamente por causa do aumento da temperatura média da terra, como é o caso da circulação da chikungunya na Europa ou da doença de chagas nos EUA. A ideia é ter cada vez mais capacidade de dados preditivos para se antecipar aos impactos das mudanças climáticas e com isso poder planejar as ações da área da saúde.
O senhor já se candidatou ao governo de São Paulo, mas foi derrotado. Já tem planos políticos para o ano que vem?
Meu único plano político para 2026 é ajudar o presidente Lula a derrotar de vez a extrema direita negacionista na área da saúde. É apoiar não só o presidente, mas também parlamentares que defendem temas relacionados.
O senhor comandou a Secretaria de Relações Institucionais durante um período de instabilidade política no Brasil que foi o 8 de janeiro de 2023. De lá para cá muito se discute sobre anistia, como se aquela página ainda não tivesse sido virada. O senhor acredita que isso levou o presidente Lula a trocá-lo de pasta?
Minha principal experiência que tive nesta segunda vez onde ocupei a liderança na articulação política do presidente Lula foi, na época, construir a resposta institucional do Congresso, Judiciário, governadores e prefeitos à tentativa de golpe do dia 8 de janeiro. Mas, consegui aprovar a agenda econômica e social de reconstrução do Brasil, como o marco fiscal, reforma tributária, incentivo à transição ecológica e a reconstrução das políticas sociais, como o Mais Médicos, a retomada do Bolsa Família, ações da área da educação. Tudo isso foi aprovado no Congresso Nacional enquanto estive à frente da pasta da SRI até fevereiro de 2025.

