Controle estratégico e intencional: como a Europa tem se posicionado no mundo da IA

O posicionamento europeu em IA representa uma aposta interessante: intencionalidade e controle estratégico para um ganho de médio e longo prazo em comparação com a velocidade pura de desenvolvimento de soluções de IA

Nicole Davila*
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Imagens: Divulgação

Nicole Davila esteve no 9º World Summit AI (WSAI), realizado em Amsterdam, em outubro

Nicole Davila esteve no 9º World Summit AI (WSAI), realizado em Amsterdam, em outubro

Em 2025, grandes empresas norte-americanas como OpenAI, Google e Meta têm liderado o mercado de inovação em Inteligência Artificial (IA), enquanto a China avança em investimentos que envolvem cultura, estratégia e execução. A Europa, por sua vez, tem optado por focar em outro aspecto: uso responsável, sustentável e ético da IA.

Com uma abordagem de adoção gradual, a União Europeia (UE) publicou em 2024 o AI Act, a primeira legislação abrangente sobre IA. O material estabelece diretrizes para IA de uso geral, focado em garantir o uso seguro da tecnologia e, por muitos, é considerada a legislação mais rigorosa atualmente. Mesmo assim, grandes empresas têm atendido às demandas da UE, apesar das ressalvas sobre o potencial impacto negativo que pode afetar os investimentos em inovação e adoção.

Embora este posicionamento possa gerar questionamentos sobre a competitividade europeia no mercado global de IA, apostas relacionadas à maior controle estratégico e uso responsável vem crescendo. Pude observar tudo isso de perto no 9º World Summit AI (WSAI), evento que ocorreu em Amsterdam em outubro. Entre os diversos conteúdos, o foco em controle estratégico e uso com propósito foram amplamente discutidos, tudo alinhado com o uso responsável e seguro da tecnologia.

Um tema que vem ganhando destaque mundial e se tornou popular nos fóruns de IA na Europa em 2025 é “IA Soberana” (Sovereign AI, no Inglês). O termo se refere à capacidade de uma nação, empresa ou organização de desenvolver, possuir, controlar e operar seus próprios recursos de IA. Apesar de não ser um tema recente, tais discussões têm se intensificado frente a tensões geopolíticas e de defesa nacional, com diversos governos ao redor do mundo investindo no assunto. Um exemplo de situação que vem gerando preocupação é a aproximação da Nvidia e OpenAI, grandes corporações americanas, com foco em avanços na infraestrutura computacional para evolução da IA. Apesar dos ganhos em inovação que tal proximidade pode gerar, a centralização do controle operacional, falta de regulação sobre acesso e uso de dados sensíveis gera inquietação.

A palestra de Karen Hao, jornalista americana, durante o World Summit AI 2025 se alinha com tais preocupações. Autora do livro “Empire of AI”, Hao argumentou que o movimento de IA é semelhante a antigos impérios: grandes empresas detêm o controle sobre pesquisa e desenvolvimento dos grandes modelos de larga escala, gerando uma dinâmica monopolista.

Segundo a jornalista, nós não temos exata noção das capacidades da IA, pois tanto os dados como as pesquisas estão centralizados em certas empresas. A proposta trazida pela palestrante é parar de focar na escala, retornando a discussões sobre “small, task-specific AI”, investindo em pesquisa básica e independente.

Um aprendizado das discussões sobre IA soberana e grandes impérios é que devemos focar no controle estratégico da IA. Alinhado com a visão de uso ético e responsável da tecnologia, que se reflete nas propostas de regulamentação, esse controle estratégico também considera sustentabilidade operacional e autonomia inteligente como diferencial competitivo. Isso significa identificar, dentro da empresa ou organização, quais tecnologias podem ser terceirizadas e quais devem ser mantidas sob controle.

Essa também é uma tendência listada pelo Gartner para 2026: chamada de “geopatriação”, vamos ver cada vez mais um movimento para ajudar organizações a mitigar riscos geopolíticos através da revisão de como estão alocados recursos tecnológicos.

O posicionamento europeu em IA representa uma aposta interessante: intencionalidade e controle estratégico para um ganho de médio e longo prazo em comparação com a velocidade pura de desenvolvimento de soluções de IA. Apesar dos pontos positivos e negativos da estratégia, ainda é cedo para estabelecer vitória ou derrota dessa alternativa.

Enquanto o mercado dos Estados Unidos investe em um ritmo acelerado de inovação (como exemplificado na parceria Nvidia e OpenAI) e a China aposta em um ecossistema empresarial e governamental apoiados em cultura e educação, a Europa segue um ritmo mais lento, priorizando uma adoção transparente, sustentável operacionalmente e que prioriza o bem-estar humano. Apesar da falta de clareza sobre o efeito que tal abordagem pode ter para uma liderança global no setor, as discussões observadas no continente europeu fomentam debates sobre como a IA pode servir a sociedade, o que já é um ganho para todos.

O Brasil, por sua vez, também começa a ver movimentos para investir em IA e posicionar o país como referência. Com investimentos anunciados pelo Governo Federal e interesse do setor privado, há grandes expectativas de que o país se torne referência em IA na América Latina. Contudo, faltam exemplos concretos no cenário nacional. Enquanto a Europa tem explorado uma estratégia diferente de EUA e China para se posicionar nas discussões e avanços da IA, ainda não fica claro como o Brasil pretende competir nesta corrida tecnológica.

*Nicole Davila é doutoranda em Ciência da Computação pela UFRGS, desenvolvedora backend e pesquisadora na Zup

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