Em 2025, grandes empresas norte-americanas como OpenAI, Google e Meta têm liderado o mercado de inovação em Inteligência Artificial (IA), enquanto a China avança em investimentos que envolvem cultura, estratégia e execução. A Europa, por sua vez, tem optado por focar em outro aspecto: uso responsável, sustentável e ético da IA.
Com uma abordagem de adoção gradual, a União Europeia (UE) publicou em 2024 o AI Act, a primeira legislação abrangente sobre IA. O material estabelece diretrizes para IA de uso geral, focado em garantir o uso seguro da tecnologia e, por muitos, é considerada a legislação mais rigorosa atualmente. Mesmo assim, grandes empresas têm atendido às demandas da UE, apesar das ressalvas sobre o potencial impacto negativo que pode afetar os investimentos em inovação e adoção.
Embora este posicionamento possa gerar questionamentos sobre a competitividade europeia no mercado global de IA, apostas relacionadas à maior controle estratégico e uso responsável vem crescendo. Pude observar tudo isso de perto no 9º World Summit AI (WSAI), evento que ocorreu em Amsterdam em outubro. Entre os diversos conteúdos, o foco em controle estratégico e uso com propósito foram amplamente discutidos, tudo alinhado com o uso responsável e seguro da tecnologia.
Um tema que vem ganhando destaque mundial e se tornou popular nos fóruns de IA na Europa em 2025 é “IA Soberana” (Sovereign AI, no Inglês). O termo se refere à capacidade de uma nação, empresa ou organização de desenvolver, possuir, controlar e operar seus próprios recursos de IA. Apesar de não ser um tema recente, tais discussões têm se intensificado frente a tensões geopolíticas e de defesa nacional, com diversos governos ao redor do mundo investindo no assunto. Um exemplo de situação que vem gerando preocupação é a aproximação da Nvidia e OpenAI, grandes corporações americanas, com foco em avanços na infraestrutura computacional para evolução da IA. Apesar dos ganhos em inovação que tal proximidade pode gerar, a centralização do controle operacional, falta de regulação sobre acesso e uso de dados sensíveis gera inquietação.
A palestra de Karen Hao, jornalista americana, durante o World Summit AI 2025 se alinha com tais preocupações. Autora do livro “Empire of AI”, Hao argumentou que o movimento de IA é semelhante a antigos impérios: grandes empresas detêm o controle sobre pesquisa e desenvolvimento dos grandes modelos de larga escala, gerando uma dinâmica monopolista.
Segundo a jornalista, nós não temos exata noção das capacidades da IA, pois tanto os dados como as pesquisas estão centralizados em certas empresas. A proposta trazida pela palestrante é parar de focar na escala, retornando a discussões sobre “small, task-specific AI”, investindo em pesquisa básica e independente.
Um aprendizado das discussões sobre IA soberana e grandes impérios é que devemos focar no controle estratégico da IA. Alinhado com a visão de uso ético e responsável da tecnologia, que se reflete nas propostas de regulamentação, esse controle estratégico também considera sustentabilidade operacional e autonomia inteligente como diferencial competitivo. Isso significa identificar, dentro da empresa ou organização, quais tecnologias podem ser terceirizadas e quais devem ser mantidas sob controle.
Essa também é uma tendência listada pelo Gartner para 2026: chamada de “geopatriação”, vamos ver cada vez mais um movimento para ajudar organizações a mitigar riscos geopolíticos através da revisão de como estão alocados recursos tecnológicos.
O posicionamento europeu em IA representa uma aposta interessante: intencionalidade e controle estratégico para um ganho de médio e longo prazo em comparação com a velocidade pura de desenvolvimento de soluções de IA. Apesar dos pontos positivos e negativos da estratégia, ainda é cedo para estabelecer vitória ou derrota dessa alternativa.
Enquanto o mercado dos Estados Unidos investe em um ritmo acelerado de inovação (como exemplificado na parceria Nvidia e OpenAI) e a China aposta em um ecossistema empresarial e governamental apoiados em cultura e educação, a Europa segue um ritmo mais lento, priorizando uma adoção transparente, sustentável operacionalmente e que prioriza o bem-estar humano. Apesar da falta de clareza sobre o efeito que tal abordagem pode ter para uma liderança global no setor, as discussões observadas no continente europeu fomentam debates sobre como a IA pode servir a sociedade, o que já é um ganho para todos.
O Brasil, por sua vez, também começa a ver movimentos para investir em IA e posicionar o país como referência. Com investimentos anunciados pelo Governo Federal e interesse do setor privado, há grandes expectativas de que o país se torne referência em IA na América Latina. Contudo, faltam exemplos concretos no cenário nacional. Enquanto a Europa tem explorado uma estratégia diferente de EUA e China para se posicionar nas discussões e avanços da IA, ainda não fica claro como o Brasil pretende competir nesta corrida tecnológica.
*Nicole Davila é doutoranda em Ciência da Computação pela UFRGS, desenvolvedora backend e pesquisadora na Zup

