“Corte da Selic seria gatilho para destravar financiamentos”, diz CEO da Traton

Eduardo Portas, CEO da Traton Financial Services, explica como o novo braço financeiro da Volkswagen Caminhões e Ônibus enfrenta o crédito caro, os desafios do agro e a incerteza eleitoral

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Imagens: Divulgação

Eduardo Portas: "Quando a nossa matéria-prima, que é o dinheiro, encarece, o preço precisa ser repassado"

Eduardo Portas: "Quando a nossa matéria-prima, que é o dinheiro, encarece, o preço precisa ser repassado"

O ciclo de juros altos redesenhou o mercado de caminhões no Brasil. Com a Selic estabilizada em 15% e a inflação próxima de 5%, o juro real gira em torno de 10%, um dos maiores do mundo. Nesse cenário, o financiamento tradicional perdeu força, abrindo espaço para vendas à vista e consórcios, que dobraram de participação nas entregas. Ao mesmo tempo, o agronegócio, historicamente o motor das vendas de caminhões extrapesados, atravessa um período de inadimplência recorde e recuperação judicial em alta, o que também reduziu o apetite por crédito.

É nesse contexto que opera a Traton Financial Services (TFS), o braço financeiro do Grupo Traton, conglomerado global que reúne as marcas Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO), Scania e MAN. Criada para oferecer soluções de crédito, leasing e seguros para os clientes da VWCO no Brasil, a TFS iniciou suas operações em julho de 2025, sob o comando de Eduardo Portas, ex-diretor do Banco Volkswagen. Ele liderou o processo de criação da nova instituição do zero: licença junto ao Banco Central, sistemas, estrutura e equipe. Em apenas quatro meses, o banco já formou uma carteira de R$ 2 bilhões e traçou uma meta ambiciosa: financiar 70% das vendas de caminhões e ônibus Volkswagen no país.

Nesta entrevista ao BRAZIL ECONOMY, Portas analisa o impacto da Selic sobre o crédito, comenta o desaquecimento do agronegócio, explica como o TFS administra margens e spreads em tempos de juros elevados e avalia o peso das incertezas eleitorais sobre os investimentos. “O mercado está apenas em compasso de espera. Quando os juros começarem a cair, o financiamento vai reagir rapidamente”, afirma o executivo.

Como foi o início das operações da Traton e o desempenho em 2025?
Nosso ano começou oficialmente em 1º de julho, quando recebemos a licença do Banco Central e assumimos toda a operação de financiamento de caminhões e ônibus Volkswagen. Até então, isso era feito pelo Banco Volkswagen. A partir dali, o TFS passou a operar de forma independente. Em apenas quatro meses, já temos uma carteira próxima de R$ 2 bilhões, o que considero um excelente resultado para uma operação recém-criada.

A Selic elevada mudou o perfil das vendas?
Sem dúvida. O aumento da Selic alterou o comportamento de compra. Hoje, cerca de 43% das vendas da Volkswagen Caminhões são à vista, antes ficavam entre 35% e 37%. Além disso, a entrega via consórcio dobrou, passando de 5% para 10% em um ano. Isso mostra que muitos clientes estão evitando o financiamento tradicional, que perdeu cerca de dez pontos percentuais de participação. Então, um corte da Selic seria um gatilho para destravar financiamentos.

Mesmo com essa mudança, o volume total de vendas caiu muito?
Menos do que se imaginava. Apesar dos juros altos, os volumes seguem em patamar relativamente elevado. É menor do que no ano passado, mas, considerando uma Selic de 15%, o desempenho é bom. A economia ainda está girando, sustentada por setores que não dependem tanto do crédito rural.

O agronegócio, que historicamente compra caminhões extrapesados, perdeu força?
Sim. O agro concentra a demanda por extrapesados, justamente o segmento que mais caiu em 2025. Embora a safra seja boa, o setor vem de dois anos difíceis, com alto endividamento e muitas empresas em recuperação judicial, sobretudo no Centro-Oeste. A inadimplência ainda é alta, o que reduz a confiança e o volume de investimentos. O agro vai se recuperar, mas hoje não é ele que puxa as vendas.

Quais segmentos têm sustentado o mercado?
Principalmente a distribuição urbana, o e-commerce e a logística de produtos de consumo. O transporte de bebidas, alimentos, mercadorias e serviços urbanos tem segurado o volume, impulsionando os caminhões leves e médios. São esses nichos que mantêm o mercado ativo.

Como o Traton lida com margens e spreads em um ambiente de juros altos?
Não há mágica. Quando a nossa matéria-prima, que é o dinheiro, encarece, o preço precisa ser repassado. Claro que, por sermos o banco da montadora, conseguimos oferecer condições especiais, com taxas mais baixas que as de mercado em alguns casos. Isso ocorre porque há uma parceria direta com a Volkswagen Caminhões e Ônibus. São taxas subsidiadas, mas o patamar geral ainda é elevado. É inevitável: o custo do dinheiro sobe, e isso chega ao cliente final.

A inadimplência está baixa por causa do pouco tempo de operação?
Exato. Começamos em julho e boa parte dos contratos tem carência de três meses. Muitos clientes começaram a pagar agora, então a inadimplência ainda está próxima de zero. É cedo para medir o comportamento real da carteira.

Qual é a projeção para 2026?
A expectativa é positiva. Existe um consenso de que a Selic vai começar a cair, não sabemos quando nem quanto, mas vai cair. E toda vez que isso acontece, o financiamento cresce. A tendência é que as vendas à vista e o consórcio percam espaço, e o crédito volte aos patamares históricos. Portanto, 2026 deve ser um ano bem melhor para o financiamento de caminhões e ônibus.

Na sua visão, o juro atual é adequado?
O juro real está alto, mas acredito que o Banco Central tem motivos técnicos para mantê-lo. O país vive um momento de pleno emprego e até falta de mão de obra em alguns setores, o que mostra que a economia está aquecida. O BC busca atingir a meta de inflação do próximo ano e, quando julgar o momento apropriado, vai reduzir a Selic. É preciso confiar na análise técnica deles.

O ano eleitoral influencia as decisões de financiamento?
Sim. Eleições sempre geram incerteza. Um financiamento de caminhão dura, em média, 54 meses, quase cinco anos. Quem assume esse compromisso precisa de previsibilidade. Hoje há uma demanda reprimida, esperando o cenário eleitoral se definir. Não é uma questão de quem vence, mas de clareza sobre o que vem pela frente. Falta previsibilidade, e isso faz muitos empresários postergarem decisões de investimento.

Quais são as metas de médio e longo prazo do Traton?
Nosso objetivo é financiar 70% das vendas de caminhões e ônibus da Volkswagen no Brasil. Estamos muito próximos dessa meta e devemos alcançá-la nos próximos meses. Diferente de um banco comercial, o TFS existe exclusivamente para apoiar a montadora, oferecendo crédito e soluções financeiras que impulsionem as vendas e reforcem a presença da marca no mercado.

Quantas unidades devem ser financiadas neste primeiro ciclo?
De acordo com os volumes atuais da VWCO, devemos fechar o semestre com cerca de 6 mil unidades financiadas. É um resultado consistente para o início das operações e mostra que o banco já nasceu forte. Para 2026, o número vai depender da produção e do ritmo de queda da Selic, mas o potencial de crescimento é alto.

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