Em um ano que começou sob forte desconfiança, com dólar a R$ 6,30, bolsa deprimida e ruído fiscal em alta, o desfecho de 2025 acabou surpreendendo para melhor. A combinação entre a perda de força do dólar, a percepção de que há alternativas de investimento em tecnologia fora dos Estados Unidos e a expectativa de corte de juros aqui e lá fora abriu espaço para uma reprecificação relevante dos ativos de risco, especialmente em mercados emergentes. No Brasil, mesmo após o rali, a Bolsa continua negociando abaixo da média histórica, o que, na visão de William Leite, economista e executivo de estratégias de equities do Patria Investimentos, mantém viva uma “janela boa de oportunidade”.
À frente do Patria Long Biased FIC FIM, fundo que acumula alta de 46% em 2025 e de 147% em cinco anos, Leite enxerga mais espaço para valorização, sobretudo em setores ligados à economia doméstica, como infraestrutura, utilities, construtoras e financials fora do grupo dos grandes bancos. Em entrevista ao BRAZIL ECONOMY, ele explica por que o otimismo da casa não ignora o risco fiscal, como enxerga o impacto da crise do Banco Master sobre o sistema financeiro e até que ponto as eleições presidenciais de 2026 podem (ou não) mudar o humor do mercado.
O ano 2025 começou com muito pessimismo no mercado financeiro. Hoje, quase no fim do ano, como você resumiria o período para o Brasil e para o Patria?
No fim de 2024, o ambiente era bem complicado. Dólar a R$ 6,30, bolsa muito descontada e expectativas lá embaixo. Em 2025, o que vimos foi quase o oposto. O ano surpreendeu positivamente, sobretudo em preços de ativos. Boa parte desse movimento veio de fora: dólar enfraquecendo, percepção de que há alternativas de investimento em tecnologia e IA fora dos Estados Unidos e um apetite maior por mercados emergentes. O Brasil, que estava muito barato, acabou se beneficiando disso.
Qual foi o gatilho global mais importante para essa melhora?
Eu destacaria o surgimento do DeepSeek, que mostrou que é possível investir em inteligência artificial fora do eixo tradicional das big techs americanas. Isso tirou um pouco do monopólio das “Magnificent Seven” e reduziu a necessidade de comprar dólar só para acessar esse tema. Quando o dólar começa a perder força, historicamente os mercados emergentes se saem melhor. Foi exatamente esse movimento de dólar mais fraco, somado à percepção de que os juros americanos vão cair, que começou a destravar preço no Brasil.
Mesmo com a alta deste ano, a Bolsa brasileira ainda está barata? Quanto espaço você enxerga para subir?
Está barata. Se olharmos o Preço/Lucro da bolsa nos últimos 15 anos, a média é em torno de 11 vezes o lucro. No pior momento, a gente chegou a negociar abaixo de 6,5 vezes. Hoje estamos perto de 8,5 vezes. Ainda é bem abaixo da média histórica. Se você simplesmente projetar uma volta para esse nível mais normalizado, existe algo como 30% de potencial de alta. Claro que não dá para garantir que vai parar na média ou subir além disso, porque muitas outras variáveis entram no preço. Mas, do ponto de vista de valuation, o Brasil continua atrativo.
Em termos setoriais, onde está a maior oportunidade hoje?
Quando olhamos o cenário atual, nossa tese é que faz sentido estar em ativos de risco no Brasil porque três coisas se alinham: preços ainda descontados, ciclo de queda de juros à frente e dólar mais fraco. Para um cenário assim, os melhores lugares para estar são os setores ligados à economia doméstica, que se beneficiam mais da queda de juros. Temos uma preferência clara por infraestrutura, especialmente concessões de rodovias, e por utilities. São negócios resilientes em termos de receita, com projetos de longo prazo e alguma alavancagem, que se beneficiam muito de juros menores.
E no setor financeiro, que também é muito sensível à taxa de juros?
A gente gosta bastante de financials, mas não necessariamente dos maiores bancos, que têm uma dinâmica mais específica. Temos posições relevantes em casas como BTG e XP, por exemplo, que se beneficiam de um ambiente de juros mais baixos e de maior apetite por risco. São modelos de negócio muito ligados a mercado de capitais, gestão de patrimônio, crédito especializado. Em um cenário de normalização de juros e de melhora de humor, essas empresas tendem a retomar uma trajetória bem positiva.
A crise do Banco Master e o impacto sobre o FGC não contaminam o setor financeiro como um todo?
A crise do Banco Master tem efeito, mas ele é bem localizado. Onde aparece algum impacto mais direto é nos grandes bancos, que vão precisar contribuir para recompor o Fundo Garantidor de Crédito. Isso pode significar um custo um pouco maior de captação, mas, na nossa avaliação, é um efeito pequeno, administrável e que não afeta a estrutura do setor. Do ponto de vista de risco sistêmico, a leitura que fazemos é de que não há contaminação relevante por causa do Banco Master.
Como foi a performance do fundo Patria Long Biased FIC FIM em 2025?
O fundo completou cinco anos no fim de outubro, sempre com a mesma filosofia de investimento. Em 2025, até o fim de outubro, o fundo subia 46%. Em cinco anos, o retorno acumulado é de 147%. Para efeito de comparação, nesse período o CDI rendeu 65% e o Ibovespa, 59%. Ou seja, conseguimos gerar um alfa consistente, tanto em relação à renda fixa quanto em relação ao principal índice de ações do mercado. No ano, enquanto o Ibovespa sobe algo como 24% e o CDI quase 12%, o fundo praticamente dobrou a performance do índice de ações.
Essa boa performance veio concentrada em poucos cases ou a carteira contribuiu de forma mais dispersa?
Foi bastante dispersa, o que é importante. Não tivemos um “tiro único” que explicasse metade do retorno. As contribuições foram bem espalhadas. Um dos destaques foi Bradesco. O banco vinha de dois anos muito difíceis, com vários problemas operacionais e de crédito. Quando começamos a enxergar sinais concretos de normalização e o papel ainda estava muito barato, aumentamos posição. Foi uma decisão importante.
Que outros nomes se destacaram na carteira este ano?
Renner foi um deles. No começo do ano, começamos a ver uma melhora de margem e de dinâmica de consumo e fizemos uma posição relevante, que contribuiu bem para o resultado. Hoje não temos mais o papel, mas nada impede que voltemos a ter. No segmento financeiro, BTG e Itaú também foram importantes. Em infraestrutura, temos posição em Ecorodovias, que se encaixa na nossa tese de rodovias como ativos resilientes. E, no setor de construção, Cyrela foi outra posição que ajudou bastante ao longo do ano, beneficiada tanto pela queda de juros quanto pela retomada do segmento de alta renda.
Qual é o tamanho atual do fundo e como essa estratégia se insere dentro do Patria?
Hoje o fundo tem algo em torno de R$ 150 milhões sob gestão. Considerando todas as estratégias de ações listadas que tocamos aqui, temos perto de R$ 300 milhões. Dentro do Patria como um todo, é uma estratégia relativamente pequena. A gestora tem cerca de R$ 50 bilhões sob gestão, mas a maior parte está em private equity, infraestrutura e outras classes de ativos. A área de equities complementa esse ecossistema, oferecendo exposição tática e líquida ao mercado brasileiro.
Olhando para 2026, você mencionou que os fundamentos fiscais continuam difíceis. Por que o mercado ficou menos pessimista, se o fiscal não melhorou?
De fato, os problemas fiscais não desapareceram. O Brasil continua com trajetória de gasto alta e desafios relevantes nas contas públicas. A diferença é que isso deixou de piorar na margem e outras variáveis passaram a pesar mais no preço dos ativos. O dólar mais fraco, a perspectiva de corte de juros pelo Fed e o fato de o Brasil estar barato em termos relativos fizeram o capital global olhar para cá com outros olhos. Em 2024 era difícil encontrar alguém otimista; hoje, eu diria que a média está mais neutra, com uma parcela crescente de investidores olhando para esse cenário de dólar fraco, juros caindo e Bolsa ainda descontada.
Como você define, então, o ponto de partida de 2026 em termos de humor do investidor?
Saímos daquele auge do pessimismo. Hoje existe um equilíbrio maior entre quem continua preocupado com o fiscal e quem enxerga a janela de oportunidade. Do nosso lado, estamos no grupo dos otimistas, olhando para o conjunto de fatores macro que parece favorável. Mas é importante dizer: o juro, mesmo caindo, ainda estará em um patamar relativamente alto, e o desafio fiscal continua grande. Então o investidor ficou mais realista. Ele não está mais tão pessimista, mas também não está eufórico.
E onde entram as eleições de 2026 nesse quadro de otimismo versus cautela?
O ponto central é que nosso cenário otimista hoje não depende do resultado da eleição. Estamos olhando para uma combinação de fundamentos macro que já é boa antes de colocar eleição na equação. Claro que o tema eleitoral está no radar, mas ainda há uma distância razoável. Quando os cortes de juros estiverem mais claros, lá por março ou abril, provavelmente a discussão política vai ganhar espaço no dia a dia do mercado. Como você disse, os atores são conhecidos: se Lula for reeleito, o mercado sabe o que esperar; se vier alguém da direita, também. O problema é que os cenários são muito diferentes entre si. Isso torna o ambiente mais binário e, em cenários binários, os gestores tendem a ser mais cautelosos na tomada de risco, porque o tamanho do movimento em caso de erro é maior.
Qual é a mensagem para o investidor brasileiro que olha a Bolsa depois desse rali de 2025 e fica em dúvida se já perdeu o bonde?
A mensagem é que, na nossa visão, não perdeu. O Brasil saiu de um nível de preço absurdamente barato para um patamar ainda barato. Há fundamentos globais que ajudam, como dólar fraco e juros em queda, e fundamentos locais que jogam a favor, como a perspectiva de cortes adicionais de juros e uma economia que desacelera, mas não entra em crise. É um ambiente em que faz sentido ter Bolsa, especialmente em setores ligados à economia doméstica. Claro que é preciso diversificar, ter horizonte de médio e longo prazo e aceitar volatilidade. Mas, olhando o conjunto da obra, ainda vemos uma janela interessante de oportunidade para quem souber escolher bem onde quer estar exposto.

